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Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Volume: 19, Número: 1, Publicado: 2024
  • Arqueologia, etnografia e multivocalidades: percepções sobre o patrimônio arqueológico em uma escavação no Centro Histórico de Belém Artigos Científicos

    Gomes, Ney

    Resumo em Português:

    Resumo Neste artigo, a Arqueologia e a sua interface com a Etnografia – Arqueologia Etnográfica – são apresentadas como possibilidades de ouvir as muitas vozes que se manifestam durante uma escavação – a estas vozes, chamarei de multivocalidades, e as usarei como um dos meios para investigar as percepções das pessoas sobre a escavação de um sítio histórico. O cenário para as discussões aqui propostas foi um projeto de Arqueologia Urbana executado no bairro da Campina, no arrabalde imediato de cartões postais singulares da capital paraense. O objetivo do texto é, tendo como paisagem o Centro Histórico de Belém, argumentar que a pesquisa arqueológica muito se beneficia e serve ainda como instrumento de informação sobre a participação das cidadãs e dos cidadãos que fruem pela cidade, sejam as pessoas que trabalham diretamente junto com o arqueólogo, sejam aquelas que têm a oportunidade de visitar as escavações. Uma das conclusões é a de que o patrimônio cultural arqueológico perde um pouco de seu ‘mistério’, tornando-se mais fácil para as pessoas reconhecê-lo e, por isso, talvez preservá-lo.

    Resumo em Inglês:

    Abstract This article presents archaeology where it intersects with ethnography (ethnographic archaeology) as a possibility for listening to the many voices that manifest themselves during an excavation. I refer to these voices as multivocalities, and they are one of the means I use to investigate people’s perceptions of an excavation of a historical archaeological site. The backdrop for these discussions was an urban archaeology project in the district of Campina, in the immediate surroundings of the unique landmarks of Pará’s capital, Belém. Set amid this historical center, this text suggests that archaeological research can greatly benefit from the participation of citizens who enjoy the city and even become a tool for information, whether these people work directly together with archaeologists or visit the excavations. One conclusion is that through participation, archaeological and cultural heritage loses some of its ‘mystery’ and becomes easier for people to recognise and, in turn, perhaps preserve.
  • Pintar como relação: interações de pessoas e pinturas nas paredes de pedra Artigos Científicos

    Isnardis, Andrei

    Resumo em Português:

    Resumo Este artigo se propõe a explorar o fenômeno das intensas interações entre grafismos rupestres, valendo-se da interlocução teórica entre Arqueologia e Etnologia indígena brasileiras. As interações em painéis rupestres são aqui analisadas em duas regiões de Minas Gerais: o Vale do Rio Peruaçu e Diamantina, áreas de pesquisa da equipe do Setor de Arqueologia do Museu de História Natural e Jardim Botânico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), enfatizando-se a primeira. Em ambas, há numerosíssimos casos de interações, quando novas pinturas (ou gravuras) são compostas em painéis que já estavam pintados (e/ou gravados). A interlocução com a Etnologia que aqui se faz tem como foco algumas das noções centrais apresentadas nos trabalhos etnográficos e nas sínteses etnológicas sobre sociedades ameríndias, sobretudo o caráter intensamente relacional de suas cosmologias e suas concepções sobre agência de não humanos. A proposta central, a partir do estudo dos acervos gráficos dessas duas regiões de Minas Gerais, é pensar a relação como elemento crucial da prática de pintar paredes rochosas já pintadas, relação essa em que pessoas e pinturas são, ambas, sujeitos.

    Resumo em Inglês:

    Abstract This paper proposes a dialog between Brazilian archaeology and ethnology in order to understand intensive relationships among rock art elements. These interactions in rock art panels are analyzed in two regions of Minas Gerais (central Brazil), the Peruaçu River Valley and Diamantina, which have been studied by teams from the Archeology Sector of the Natural History Museum and Botanical Garden at the Federal University of Minas Gerais. We focus in this paper on the former region, but both are considered and feature many cases of interactions, in which new paintings or etchings are made on panels that already contain such rock art. The dialogue with ethnology focuses on some of the central notions presented in ethnographic studies and ethnological syntheses about Amerindian societies, mostly the strong relational character in their cosmologies and their understandings of non-human agency. The main finding from studying the broad-spanning indigenous graphic heritage from these two regions is to consider these relationships as a major element in the practice of rock art, a relationship in which both people and paintings are actors.
  • Terras crescidas e terras antigas: novas aplicações do sensoriamento remoto à prospecção de sítios arqueológicos em várzeas amazônicas Artigos Científicos

    Campos, Vitória dos Santos; Shock, Myrtle Pearl; Prestes-Carneiro, Gabriela

    Resumo em Português:

    Resumo As várzeas e suas paisagens estão presentes em várias teorias sobre a ocupação humana na região amazônica. Entretanto, ainda há lacunas sobre a diversidade de ambientes e temporalidades que compõem esse ecossistema. Várzeas amazônicas são planícies sazonalmente inundadas, formadas por rios com alta carga sedimentar. Ainda que conhecidas pela abundância de recursos aquáticos e a fertilidade de suas terras, não há métodos de prospecção arqueológica construídos para esses contextos. Por isso, existem poucos sítios registrados. Como prospectar sítios em áreas submetidas a um intenso dinamismo geomorfológico? Buscando preencher essas lacunas, partiu-se de um estudo de caso realizado em uma área de várzeas entre Alenquer e Curuá (oeste paraense, Baixo Amazonas) para entender suas dinâmicas fluviais de formação e propor ferramentas e métodos de prospecção específicos para terrenos de várzea. Trabalhou-se na construção de uma metodologia que inclui a análise das transformações da várzea através do estudo de imagens de satélite, entre 1991 e 2015. Em seguida, interpretou-se a deposição geomorfológica e propôs-se uma cronologia da formação da várzea, procurando detectar áreas mais estáveis e antigas (onde há mais chances de preservação de sítios). Essa pesquisa traz contribuições metodológicas de prospecção em áreas extensas, sujeitas a dinâmicas contínuas de inundações sazonais.

    Resumo em Inglês:

    Abstract The Amazon’s floodplains and landscapes are part of many theories about human occupation in this region, but there are still numerous knowledge gaps about the diverse environments and temporalities that comprise this ecosystem. The Amazonian floodplains are flooded seasonally and formed by sediment-laden rivers. Although they are recognized for abundant aquatic resources and fertile soils, no archaeological survey methods have been designed for them and as a result few archaeological sites have been recorded in the floodplains of the Brazilian Amazon. How can areas subject to such intense geomorphological dynamism be surveyed? In an attempt to fill these gaps, a case study was conducted in an area of the floodplain between Alenquer and Curuá (western Pará, Lower Amazon) to understand fluvial dynamics and propose specific tools and survey methods for floodplain areas. The methodology included analyzing floodplain transformations by examining satellite imagery from 1991 to 2015. Geomorphic deposition was interpreted to detect more ancient and stable areas where sites were more likely to be preserved, and a chronology of floodplain formation was proposed. This research contributes methodology for surveying extensive areas that are subject to the continuous dynamics of seasonal flooding.
  • A conjuração dos Kiriris: sublevação indígena e disputa de terras no sertão da Bahia no final do século XVIII (1797-1798) Artigos Científicos

    Santos, Fabrício

    Resumo em Português:

    Resumo Este trabalho explora o testemunho inédito de uma conspiração indígena ocorrida no sertão da Bahia em 1797. Metodologicamente, o artigo está baseado na análise da única fonte disponível sobre o episódio: a devassa realizada pelo juiz ordinário da vila do Itapicuru de Cima por ordem do governador da Bahia. A região sertaneja baiana foi marcada pela disputa de terras entre habitantes indígenas e europeus ao longo de todo o período colonial. Os Kiriris – que integravam a maior população indígena do sertão baiano – foram derrotados pelos colonizadores no final do século XVII, sendo aldeados e administrados pelos jesuítas até 1758, quando suas aldeias foram transformadas em vilas. A revolta de 1797 ocorreu quando um líder indígena chamado José Félix Cabral tentou assumir o comando da tropa de ordenanças a fim de expulsar os portugueses das terras da vila de Pombal, antiga aldeia de Canabrava. Cabral foi preso, mas seu sobrinho Victoriano Francisco continuou o protesto, tentando reunir indígenas de outras povoações da região. Não sabemos o que aconteceu a seguir, mas a análise da documentação revela a agência e o protagonismo indígena em um momento fundamental da história brasileira.

    Resumo em Inglês:

    Abstract This paper explores unique testimony about an indigenous conspiracy that took place in the hinterland of Bahia, Brazil in 1797, analyzing the only source available on this episode: an investigation conducted by the judge of Itapicuru de Cima at the order of the governor of Bahia. The region, known as the Sertão, was marked by violent land conflicts between native inhabitants and the Europeans throughout the colonial period. The Kiriri, which were the largest population in this region, were defeated by the Portuguese army in the late seventeenth century and ruled by the Jesuits up to 1758, when the aldeias (missionary villages) became vilas (civil villages). The 1797 uprising took place when an indigenous leader named José Félix Cabral tried to assume command of the civilian militia to expel the Portuguese from land pertaining to the vila of Pombal, which had been the Canabrava village. Cabral was arrested, but his nephew Victoriano Francisco continued the protest, trying to gather indigenous people from other villages in the region. We do not know what happened next, but analysis of the documentation reveals indigenous agency at a fundamental time in Brazilian history.
  • Mudança e (re)organização social no artesanato tradicional de trançados do rio Arapiuns, Santarém, Pará Artigos Científicos

    Arantes, Ana Carolina Vitorio; Carvalho, Luciana Gonçalves de; Nascimento, Veridiana Barreto do

    Resumo em Português:

    Resumo A produção de objetos em palha de tucumã é histórica em comunidades às margens do rio Arapiuns, município de Santarém, Pará, e, em 2022, esse saber-fazer foi declarado patrimônio histórico, cultural e imaterial do município. Este artigo aborda mudanças na organização social e na produção artesanal dos trançados do Arapiuns, a partir da experiência da Associação de Artesãos e Artesãs das Comunidades de Nova Pedreira, Vista Alegre e Coroca (AARTA). Entrevistas semiestruturadas, conversas informais e análise de documentos indicaram que, a partir dos anos 2000, diversas instituições passaram a atuar na região, visando à geração de renda e à preservação cultural e ambiental. Essas instituições, juntamente com artesãs, possibilitaram o intercâmbio de saberes-fazeres, as variações na tipologia e no tingimento de peças, a organização formalizada das artesãs, além de mudanças nas formas de produção e comercialização do artesanato. A organização formal do grupo, a atuação da associação e o papel desempenhado por uma artesã específica consolidaram tais mudanças. Nesse processo, a AARTA materializou a valorização do artesanato pelas próprias artesãs e tem impulsionado a colocação dessa atividade em espaços que estimam os atributos de um artesanato tradicional, com melhores preços de venda, além de divulgar e permitir seu reconhecimento enquanto patrimônio municipal.

    Resumo em Inglês:

    Abstract Objects have long been made from the fibers of the tucumã palm in communities of the Arapiuns River in Santarém, Pará, and in 2022 this know-how was declared historical, cultural and intangible heritage of the municipality. This article addresses changes in social organization and artisanal production of braided crafts in Arapiuns from the experience of an association of crafters in the communities of Nova Pedreira, Vista Alegre, and Coroca (AARTA). Semi-structured interviews, informal conversations, and analysis of documents indicated that several institutions began to operate in the region in the 2000s in order to generate income and promote cultural and environmental preservation. These institutions, together with the artisans, enabled exchange of know-how, variations in types and dyeing of pieces, formalized organization of the artisans, as well as changes in the ways these crafts were produced and sold. The formal organization of the group, its activities, and the role played by a specific artisan consolidated these changes. During this process, AARTA encouraged the artisans to value their own crafts and drove placement of these products in spaces that add value to traditional crafts and provide better sales prices, along with dissemination and recognition of this municipal heritage.
  • O Mal está neste chão: sobre as composições nas práticas de cura karajá e o regime de comunicação dos espíritos Artigos Científicos

    Nunes, Eduardo Soares

    Resumo em Português:

    Resumo Em busca de tratamento para doenças resultantes de acometimento por espíritos, os Karajá, povo indígena centro-brasileiro, recorrem hoje, além de seus próprios xamãs, a xamãs de outras etnias e curandeiros regionais, bem como a sua fé em Deus. E todos esses curadores, a despeito de seus diferentes conhecimentos e técnicas, são considerados igualmente xamãs. Os médicos não indígenas, em contraste, não podem curar esses adoecimentos, e a esses especialistas só se recorre para tratar as ‘doenças de branco’. A diferença marcada entre doenças e especialistas, no último caso, contrasta com o regime de comunicação absoluta no primeiro. É a essa diferença que o artigo se dedica. Dialogando com a antropologia da saúde, por um lado, e com a questão da religião, por outro, proponho que o que permite que curadores de origens diversas tratem pessoas enfeitiçadas, diferentemente dos médicos, é o fato de que o xamanismo atualiza o regime de diferença infinita, ou de transparência absoluta, dos tempos primordiais.

    Resumo em Inglês:

    Abstract Today as they seek treatment for diseases that result from being affected by spirits, the Karajá, a Central Brazilian indigenous people, turn to their own shamans, shamans from other indigenous groups, regional healers, as well as their faith in God. All of these healers, despite their different knowledges and techniques, are equally considered shamans, while non-indigenous doctors cannot cure these illnesses and are only sought out to treat ‘white people’s diseases’. This marked difference between diseases and doctors contrasts with the regime of absolute communication for healing spirit ailments, and is the subject of this analysis. In dialog with the anthropology of health on one hand and the question of religion on the other, I argue that what allows healers from different origins to treat bewitched persons (unlike doctors) is the fact that shamanism actualizes the regime of infinite difference or absolute transparency from primordial times into the present day.
  • Temporalidades e interações socioambientais no noroeste amazônico: apresentação ao dossiê Dossiê

    Andrello, Geraldo; Lolli, Pedro; Meira, Márcio
  • Miragens cartográficas: lugares e narrativas de origem em disputa no alto rio Uaupés, Amazonas, Brasil Dossiê

    Pedroso, Diego Rosa

    Resumo em Português:

    Resumo Este artigo trata da experiência recente dos Kubeo que vivem no alto rio Uaupés brasileiro (noroeste amazônico) na elaboração de mapas. Pretendo mostrar como os mapas e sua produção participam de discussões relativas a reivindicações de lugares e pertencimentos por parte dos grupos envolvidos, e como os mapas estão articulados a conhecimentos narrativos que remetem ao momento da criação da humanidade e conformação do mundo. Para isso, o artigo inicia com uma contextualização da etnografia kubeo, e, na sequência, descreve duas experiências de mapeamento no alto Uaupés que dão sustentação à argumentação desenvolvida, a saber, uma viagem ao lugar de transformação dos grupos kubeo Yuremawa e Yúriwawa, conhecido como Wakaipani e, num segundo momento, a elaboração de um Plano de Gestão Territorial e Ambiental do Alto Rio Negro (PGTA).

    Resumo em Inglês:

    Abstract This text deals with the recent experience of the Kubeo, who live on the Upper Uaupés River in Brazil (Northwest Amazon), in developing maps. I intend to show how the maps and their production participate in discussions related to claims to places and belongings by the groups involved, and how maps are linked to narrative knowledge referring back to the moment that humanity was created and the world shaped. To support its main argument, the article presents a contextualization of the Kubeo ethnography followed by the description of two experiences of mapping in the Upper Uaupés: the first, a trip to the place of transformation of the groups Yuremawa and Yúriwawa (known as Wakaipani), the second, the development of an Alto Rio Negro Territorial and Environmental Management Plan (Plano de Gestão Territorial e Ambiental do Alto Rio Negro - PGTA).
  • O que pode um mapa? Agência nos traços e caminhos dos desenhos do povo Hupd’äh Dossiê

    Marques, Bruno

    Resumo em Português:

    Resumo Neste texto, percorrem-se os mapas desenhados por comunidades do povo Hupd’äh durante a elaboração do Plano de Gestão Territorial e Ambiental da Terra Indígena Alto Rio Negro (PGTA), entre 2015 e 2019. Recentemente, trabalhos de mapeamento tomaram relevo nas comunidades, seja como demanda para a incorporação em atividades escolares, seja como mediadores em discussões mais amplas. O exercício proposto é o de realizar uma descrição etnográfica da produção destes desenhos, buscando delinear possibilidades de leitura antropológica. O texto é divido em quatro tópicos. Inicialmente, são apresentadas informações contextuais e históricas sobre os Hupd’äh, passando a uma breve descrição das oficinas realizadas nos trabalhos do PGTA. O cerne do texto trata dos mapas propriamente ditos, trazendo o processo de desenhar, a territorialidade que indicam seus traços, lugares, toponímias e histórias que compõem essas iconografias de n¯ih s’ah (‘nossa terra’). O tópico final pontua algumas leituras possíveis dessas iconografias como experiências compartilhadas entre anciãos e jovens e como uma linguagem possível para a afirmação territorial.

    Resumo em Inglês:

    Abstract This text describes and analyses maps drawn by communities of the Hupd’äh indigenous people during the Plano de Gestão Territorial e Ambiental da Terra Indígena Alto Rio Negro (PGTA), between 2015 and 2019. Recently, participatory mapping has gained prominence in the communities, either as a demand for incorporation into school activities or as mediation in broader discussions. The purpose of the exercise is an ethnographic description of the production of these drawings, seeking to outline possible anthropological readings. This article is divided into four parts. Initially, contextual information is presented, followed by a brief description of the work carried out in the PGTA. The core of the text analyses the maps, describing the process of drawing, the territoriality that indicates their traits, the places, toponyms and stories that form these iconographies of n¯ih s’ah (‘our land’). The final topic highlights some possible readings of these iconographies both as shared experiences between elders and young people and as a possible language to assert territorial rights.
  • Entre territórios e mundos: espacialidade e contracartografia kotiria e kubeo no alto rio Uaupés, Amazonas, Brasil Dossiê

    Rocha, Pedro; Chacon, Thiago Costa

    Resumo em Português:

    Resumo Este artigo discute a relação entre as concepções, os discursos e as produções cartográficas sobre o território dos povos Kotiria (Wanano) e Kubeo, habitantes do rio Uaupés, na Terra Indígena do Rio Negro, e falantes de línguas da família Tukano. Nossos dados e reflexões têm como principal base um projeto de Plano de Gestão Ambiental e Territorial Kotiria e Kubeo (PGTA-KK), realizado entre 2014 e 2016. Analisamos como se deu o processo de mapeamento e de produção cartográfica, assim como os diversos mapas resultantes do PGTA-KK. A partir dos lugares nomeados que foram mapeados, exploramos a relação entre toponímia, narrativas míticas, benzimentos e outras formas de expressões simbólicas de conhecimentos assentados nos lugares e na paisagem. A análise comparativa dessas questões entre os Kotiria e Kubeo enseja uma reflexão sobre uma espacialidade compartilhada como uma dimensão simbólica que estrutura o pensamento sobre o território. Com base nisso, revisitamos a produção cartográfica kotiria e kubeo para refletir sobre os limites e as potencialidades da utilização de diferentes tipos de mapas e atividades de mapeamento por povos indígenas, como as chamadas ‘contracartografias’, as ‘cartografias indígenas’, os ‘etnomapeamentos’ e outras formas de produções cartográficas capazes de inovar na forma de representar o território de modo a serem mais fiéis às concepções indígenas sobre lugares, territórios e mundos.

    Resumo em Inglês:

    Abstract This article discusses the relationship between the conceptions, discourses and cartographic productions about the territory of the Kotiria (Wanano) and Kubeo peoples, who live on the Uaupés river in the Upper Rio Negro Indigenous Territory, and are speakers of languages of the Tukanoan family. Our data and reflections are mainly from the project Plano de Gestão Ambiental e Territorial Kotiria e Kubeo (PGTA-KK) carried out between 2014 and 2016. We analyze the mapping and mapmaking processes, and the various maps resulting from PGTA-KK. From the identified places, we explored the relationship between toponymy, mythical narratives, healing prayers and other forms of symbolic expressions of kinds of knowledge that ‘sit in places’ and in the landscape. The comparative analysis of these issues between the Kotiria and Kubeo gives rise to a reflection on a shared spatiality as a symbolic dimension that structures the conception about territory. Based on this concept, we revisit the cartographic production of Kotiria and Kubeo in order to reflect on the limits and potentialities of the use of different types of maps and mapmaking activities by indigenous peoples. This includes the so-called ‘counter-cartographies,’ ‘indigenous cartographies,’ ‘ethnomapping’ and other forms of cartographic productions capable of innovating the representation of territory so as to be more faithful to indigenous conceptions about place, territories and worlds.
  • Nomes, lugares e malocas de dança: unidades sociais entre os Tukano orientais Dossiê

    Cayón, Luis

    Resumo em Português:

    Resumo Desde a etnografia pionera de Goldman (1968 [1963]) entre os Cubeo, a maneira de comprender as unidades sociais dos povos Tukano orientais é um dos problemas mais recorrentes na etnologia regional do Alto Rio Negro. Apesar de muitas das etnografias das últimas duas décadas do século XX terem produzido conhecimentos bastante sólidos sobre a estrutura social dos Tukano que mostraram certos traços distintivos e exclusivos dentro do cenário amazônico (por exemplo, a exogamia linguística, a patrilinearidade, clãs ou sibs especializados e ordenados hierarquicamente etc.), esses trabalhos também apontaram certas incongruências e paradoxos relacionados com a discrepância entre um modelo ideal que exalta a hierarquia e a patrilinearidade e uma realidade dinâmica mais afinada com a igualdade e o cognatismo. A busca por respostas a estes paradoxos tem focado, em anos recentes, na compreensão do que é uma unidade social desde a perspectiva indígena. Entre as várias interpretações, surgem novas ideias sobre o caráter fractal (multiescalar) de ditas unidades, tomando a maloca como modelo, e sobre suas atualizações a partir de nomes, lugares, rituais e conjuntos singulares de narrativas que estão a serviço da criação permanente de diferenças, as quais produzem disputas e mudanças dentro das relações de parentesco.

    Resumo em Inglês:

    Abstract Since Irving Goldman’s pioneering work among the Cubeo (Goldman, 1968 [1963]), defining Eastern Tukanoan social units has been a recurring issue in regional ethnology. Many late twentieth-century ethnographies produced solid knowledge on Tukano social structure by showing distinctive and exclusive features within the Amazonian scenario (such as language exogamy, patrilineality, specialized hierarchical clans or sibs, etc.). However, they also indicated some inconsistencies and paradoxes related to a discrepancy between the ideal model of hierarchy and patrilineality and a dynamic reality more attuned to equality and cognatic arrangements. Recent attempts to understand these paradoxes have focused on what a social unit actually means from an indigenous perspective, leading to new ideas about the fractal (multi-scale) character of such units and the way they work. These interpretations take the maloca (communal house) as a model, which evolves as it changes names, places, rituals, and specific narratives that serve to create permanent differences, which in turn produce disputes and alter kinship relations.
  • Formação e transformação de coletivos entre os Waikhana do rio Papuri (alto rio Negro) Dossiê

    Scolfaro, Aline

    Resumo em Português:

    Resumo Partindo de uma análise das dinâmicas socioespaciais dos Waikhana, um dos grupos da família tukano do alto rio Negro, e de uma contextualização etnográfica do envolvimento de alguns subgrupos waikhana com o que veio a ser chamado na região de ‘movimento de revitalização da cultura’, este artigo busca discutir questões importantes que perpassam o tema clássico da hierarquia no Uaupés contemporâneo. Com base em dados etnográficos coletados entre os Waikhana do rio Papuri, pretende-se apontar e debater alguns modos por meio dos quais a problemática da hierarquia e do sistema de prestígio no Uaupés parecem abertos a reinterpretações e redirecionamentos que os diversos clãs e indivíduos agenciam a partir de um conjunto heterogêneo de variáveis. Conforme veremos, diferenças de perspectiva dentro da própria estrutura de clãs, territorialidade, coesão e fragmentação, crescimento e diminuição populacional, competências no campo político-ritual e até mesmo os acasos da história estão entre os fatores que parecem operar um dinamismo nas relações que fundamentam o idioma da hierarquia e o sistema de prestígio uaupesiano.

    Resumo em Inglês:

    Abstract Starting from an analysis of the socio-spatial dynamics of the Waikhana, one of the Tukano family groups from the upper Negro River, and from an ethnographic contextualization of the involvement of some Waikhana subgroups with what came to be called in the region the ‘culture revitalization movement’, this article seeks to discuss important issues that permeate the classic theme of hierarchy in contemporary Uaupés. Based on ethnographic data collected among the Waikhana of the Papuri river, the aim is to point out and discuss some ways in which the problem of hierarchy and the system of prestige in the Uaupés seems open to reinterpretations and redirections that the various clans and individuals manage to from a heterogeneous set of variables. As we will see, differences of perspective within the very structure of clans, territoriality, cohesion and fragmentation, population growth and decrease, competences in the political-ritual field and even the accidents of history are among the factors that seem to operate a dynamism in the relationships that underlie the language of hierarchy and the Uaupesian prestige system.
  • Nomes em disputa entre os Tukano do baixo Uaupés Dossiê

    Rodrigues, Raphael

    Resumo em Português:

    Resumo Este artigo trata de alguns movimentos de dispersão territorial do povo Tukano, localizados na Terra Indígena (TI) Alto Rio Negro, a partir da análise de narrativas que versam sobre as histórias dos nomes de dois de seus (cerca de 40) subgrupos, os Duca porã e os Inapé porã. Argumento que as trajetórias desses coletivos que se estabeleceram em uma microrregião do baixo curso do rio Uaupés são marcadas por transformações, alterações e composições nos nomes pelos quais são e/ou pleiteiam ser reconhecidos. Pretendo demonstrar que ocorre uma disputa por proeminência atrelada à apropriação de nomes e que tal processo vincula-se à colonização do alto rio Negro, cujo um dos efeitos foi a intensificação do contato com o mundo dos ‘brancos’ a partir, principalmente, das relações de patronagem em curso ao longo da segunda metade do século XIX. O esforço mais geral é o de descrever um mecanismo de atribuição de qualidades e reputação que codifica as disputas intergrupos em que os nomes ocupam uma posição proeminente. Irei demonstrar que o nome é fundamental nos processos de constituição de subgrupos, pois é marcado por disputas e conflitos – isto é, um nome sempre implica (des)reconhecimento por outros.

    Resumo em Inglês:

    Abstract This article deals with some movements of territorial dispersion of the Tukano people, located in the Alto Rio Negro Indigenous Land, based on the analysis of narratives that deal with the histories of the names of two of their (about 40) subgroups, the Duca porã and the Inapé porã. I argue that the trajectories of these collectives that established themselves in a microregion on the lower course of the Uaupés River are marked by transformations, alterations and compositions in the names by which they are and / or claim to be recognized. I intend to demonstrate that there is a dispute for prominence linked to the appropriation of names and that this process is linked to the process of colonization of the upper Rio Negro, one of the effects of which was the intensification of contact with the world of whites based, mainly, on relations of ongoing patronage throughout the second half of the 19th century. The more general effort is to describe a mechanism for attributing qualities and reputation that codifies intergroup disputes in which names occupy a prominent position. I will demonstrate that the name is fundamental in the processes of constitution of subgroups, as it is marked by disputes and conflicts – that is, a name always implies (un) recognition by others.
  • Nominações yuhupdeh: geração, cuidado e fortalecimento do nome-sopro-de-vida Dossiê

    Lolli, Pedro; Felipe, Henrique Junio

    Resumo em Português:

    Resumo A proposta deste artigo é fazer uma discussão a respeito do que é denominado na região do alto rio Negro de ‘nome sagrado’, a partir da experiência etnográfica junto ao povo Yuhupdeh e tomando o benzimento de nominação como ponto de partida. Os ‘nomes sagrados’ são nomes próprios dados após o nascimento, escolhidos a partir de um estoque específico correspondente a cada grupo e conforme um princípio de senioridade que estabelece uma escala orientada pela ordem de nascimento – do irmão maior para o irmão menor. Ao mesmo tempo, eles também são designados de sopro de vida (na língua Yuhup, se diz hãg-wäg) e devem ser cuidados e protegidos para que possam crescer junto com as pessoas que os carregam. Mais do que abordar os nomes apenas como categorias classificatórias de parentesco ou prerrogativas – que determinam posições entre as pessoas através do gradiente da senioridade –, pretende-se abordá-los a partir daquilo que ativam, fazem e associam.

    Resumo em Inglês:

    Abstract The aim of this paper is to discuss what is known in the region of the Upper Rio Negro as ‘sacred name.’ The discussion is based on ethnographic experience with the Yuhupdeh people, taking blessing through naming as a starting point. The ‘sacred name’ is a personal name given after birth, chosen from an ensemble specific to each group and according to a principle of seniority based on order of birth – from the eldest to youngest. At the same time, sacred names are also considered the breath of life (in the yuhup language it is called hãg-wäg) and must be cared for and protected so that they can grow together with people who carry them. Rather than approaching names only as categories of kinship or prerogatives – which determine positions among people through the gradient of seniority – they are approached from the perspective of what they activate, do and associate.
  • Os nomes jocosos, seus significados e usos entre os Tuyuka: uma reflexão sobre o humor ameríndio a partir dos apelidos Dossiê

    Richard, Emmanuel

    Resumo em Português:

    Resumo A reflexão que propomos neste artigo consiste em uma investigação sobre os nomes jocosos – buere wame, na língua tuyuka, ‘apelidos’, em português –, no âmbito mais amplo dos nomes pessoais e coletivos. A reflexão sobre a criação, a atribuição e o uso dos apelidos busca entender como esses processos podem responder a interrogações sobre relacionalidade e socialidade, que se expressam nas relações entre consanguíneos e afins, homens e mulheres, indígenas e não indígenas, humanos e não humanos. A abordagem adotada aqui está, portanto, ligada às relações de afinidade e de gênero, à sexualidade e à identidade individual e coletiva, pensadas particularmente através do humor. Buscaremos entender o sentido dos apelidos, analisando sobretudo aspectos linguísticos e sociológicos através do estudo das lógicas inerentes à sua atribuição e ao seu uso nos contextos do cotidiano e festivos. Para investigar essas questões, apresentamos alguns exemplos etnográficos de apelidos pessoais pensados através de princípios de criação, bem como dos ‘relatos de origem’ associados a esses nomes.

    Resumo em Inglês:

    Abstract The reflection that we propose in this article consists in an interrogation about the nicknames, buere wame in the Tuyuka language, “apelidos” in Portuguese, in the broader context of personal and collective names. Reflection on the creation, attribution, and use of nicknames will aim to understand how these processes can respond to questions about relationality and sociality, which are expressed in the relationships of consanguinity and affinity, between male and female, indigenous and non-indigenous, human and non-human. The approach adopted here is therefore connected with kinship and gender relations, sexuality, and individual and collective identity, seen particularly through humor. We will seek to understand the meaning of nicknames by analyzing mainly linguistic and sociological aspects, through the study of the logics inherent to their attribution and their use in everyday and festive contexts. To investigate these issues, we will present some ethnographic examples of personal nicknames viewed through the lens of principles of creation, as well as of the “stories of the origins” of these names.
  • Mulheres, manivas e artefatos: corpo, gênero e socialidades no noroeste amazônico Dossiê

    Oliveira, Melissa Santana de

    Resumo em Português:

    Resumo Neste artigo, argumentamos que as relações entre mulheres tukano orientais, manivas/mandiocas e artefatos de roça/casa-cozinha são orientadas por uma ética do cuidado que está pautada na composição vegetal e artefatual do corpo da mulher, o que implica uma relação de mútua afetação. Ao desenredar aspectos conceituais e práticos em torno de definições do ser mulher e de corporalidades femininas, demonstramos que a atribuição xamânica do nome no nascimento e sua complexificação na menarca, que envolve a ‘encorporação’ na mulher, de sementes e estacas de manivas e artefatos de roça/casa-cozinha, compõem corpos-pensamentos direcionados para o cultivo e o processamento de mandiocas, habilidades que só são desenvolvidas plenamente quando há por parte da menina/moça o interesse no aprendizado experimental junto a mulheres mais velhas nas roças e casas-cozinhas. A transformação da moça em uma mulher tukano oriental, que é dona de roça e dona de casa-cozinha, envolve o domínio e a manipulação de uma coleção composta por variedades de manivas e de artefatos. Concepções, práticas e relações se alteram em um complexo jogo que envolve composição familiar, biografia e transformações sociais.

    Resumo em Inglês:

    Abstract In this article, we argue that the relationships between Eastern Tukanoan women, manioc and artefacts of garden/kitchen-house, are guided by an ethics of care which, in turn, is based on the vegetal and artefactual composition of the woman’s body, which implies a mutual affectation. By unravelling conceptual and practical aspects with regard to definitions of being a woman and female corporalities, we demonstrate that the shamanic attribution of the name at birth and its complexification at menarche, which involves the ‘embodiment’ in the woman, of manioc seeds and branches and garden/kitchen-house artefacts, compose bodies-thoughts directed to the cultivation and processing of cassava. Those skills are only fully developed when there is an interest on the part of the girl in experimental learning with older women in the gardens and house-kitchens. The transformation of the girl into an Eastern Tukanoan woman, who owns a garden and a kitchen-house, involves mastering and manipulating a collection composed of varieties of manioc sticks and artefacts. Concepts, practices and relationships change in a complex game that involves family composition, biography and social transformations.
  • ERRATA Errata

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