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Passado futuro: o cronótopo da formação e sua crise em Os embaixadores, de Henry James

Past future: the chronotope of Bildung and its crisis in The Ambassadors, by Henry James

Resumo

Este artigo busca compreender de que modo Os Embaixadores, romance de Henry James publicado em 1903, reconfigura a temporalidade da Bildung e alguns topoi fundamentais do romance de formação. O romance moderno apresenta-se como uma das formas históricas de temporalização do tempo e, entre as suas modalidades, o romance de formação destaca-se por aquilo que Mikhail Bakhtin chama de caráter “cronotópico”, ou seja, a capacidade de articular à temporalidade da formação do protagonista a noção de “tempo histórico”, que, segundo Reinhart Koselleck, emerge entre os séculos XVIII e XIX, como um tempo heterogêneo, acelerado, irreversível, não redutível ao tempo natural ou cronológico. Ao analisar o modo pelo qual Henry James apropria-se do e subverte o ideal alemão da Bildung, introduzido nos círculos letrados norte-americanos, em especial pela influência da obra ensaística de Ralph Waldo Emerson, pretendo argumentar que, ao narrar a Bildung tardia de um norte-americano de cinquenta e cinco anos em sua aventura europeia, Os Embaixadores figura literariamente a crise do tempo histórico e do cronótopo da Bildung na virada do século XIX para o XX. Conclui-se que o romance põe em cena uma Bildung “reversa”, constitui a forma pela qual James converte o “futuro passado”, característico da moderna temporalização do tempo, em “passado futuro”.

Palavras-chave:
Romance de formação; Tempo histórico; Henry James

Abstract

This article intends to understand how The Ambassadors, a novel by Henry James published in 1903, refigures Bildung’s temporality and some fundamental topoi of the Bildungsroman tradition. The novel as a genre presents itself as one of the historical forms of temporalization of time and, among its modalities, the Bildungsroman stands out for what Mikhail Bakhtin calls a “chronotopic” mode; a mode related to the ability to articulate the temporality of the main character’s formation to the notion of “historical time”, which, according to Reinhart Koselleck, emerges in the turn of the 18th to the 19th centuries, as a heterogeneous, accelerated, irreversible time, not reducible to natural or chronological time. While analyzing the way Henry James subverts the German ideal of Bildung, introduced in North-American literary circles specially through the influence of Ralph Waldo Emerson’s work, I argue that, telling the story of the Bildung of a fifty-five years old American during his European adventure, The Ambassadors literarily depicts the crisis of historical time and of Bildung’s chronotope at the turn of the 19th to the 20th century. This article concludes that the novel stages a “reverse” Bildung, which constitutes the way in which James converts the “future past”, that characterizes the modern temporalization of time, into a “past future”.

Keywords:
Bildungsroman; Historical time; Henry James

Tempo cronotópico e crise do tempo

Entre os anos de 1936 e 1938, o teórico da literatura russo Mikhail Bakhtin produziu o manuscrito de um livro sobre o romance de formação, em que a obra de Goethe figurava como central. Com a eclosão da guerra, o livro não chega a ser publicado e perde-se o manuscrito original, restando apenas os materiais preparatórios. Ao que tudo indica, o livro sobre Goethe formaria, ao lado de suas conhecidas obras sobre Dostoiévski e Rabelais, uma espécie de tríade da história da literatura bakhtiniana. Pelos apontamentos que chegaram até nós, percebemos que Bakhtin começa a desenvolver ali sua teoria do “cronótopo”, que pouco mais tarde sistematizaria em As formas do tempo e do cronótopo no romance. Neste último livro, Bakhtin define cronótopo como “a interligação essencial das relações de tempo e espaço como foram artisticamente assimiladas na literatura”, em que “o princípio condutor [...] é o tempo”. Aqui, cronótopo é apresentado como categoria geral de análise ou, nas palavras do autor, “uma categoria de conteúdo-forma da literatura”, que auxilia na caracterização e diferenciação dos gêneros literários e suas modalidades (BAKHTIN, 2018BAKHTIN, Mikhail. Teoria do Romance II: as formas do tempo e do cronotopo. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2018., p. 11-12).

Com efeito, “cronótopo” como categoria de conteúdo-forma já havia sido mobilizada, no livro sobre romance de formação, para a produção de uma “tipologia histórica do romance” (BAKHTIN, 2003BAKTHIN, Mikhail. O romance de educação e sua importância na história do realismo. In: BAKTHIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 204-258., p. 205). Entretanto, ao lado de sua forma substantivada e sua função analítica e classificatória, Bakhtin mobiliza uma versão adjetivada do termo “cronótopo”, que associa a um tipo específico do romance de formação (Bildungsroman), cujo paradigma é Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, de GoetheGOETHE, Johann Wolfgang von. Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister. Tradução de Nicolino Simone Neto. São Paulo: Editora 34 , 2009.. Ao contrário dos outros tipos de romance de formação, vinculados ao tempo cíclico, ao tempo biográfico e à função didático-pedagógica, em que o personagem se forma ao longo do enredo ante um imóvel pano de fundo histórico-social, no Bildungsroman, a formação do personagem “efetua-se no tempo histórico real, com sua necessidade, com sua plenitude, com seu futuro, com seu caráter profundamente cronotópico” (BAKHTIN, 2003BAKTHIN, Mikhail. O romance de educação e sua importância na história do realismo. In: BAKTHIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 204-258., p. 221, grifo meu). Por meio de sua “habilidade de ver o tempo no espaço”, Goethe promove uma cronotopização do tempo, em que recusa o “passado insulado” e procura “ver os laços necessários desse passado na série contínua do desenvolvimento histórico” (BAKHTIN, 2003BAKTHIN, Mikhail. O romance de educação e sua importância na história do realismo. In: BAKTHIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 204-258., p. 231, grifos do autor).

A associação bakhtiniana entre o romance de formação e o tempo histórico nos induz a tomar essa modalidade literária, que emerge na virada séculos XVIII e XIX, como uma das formas discursivas privilegiadas da temporalização do tempo; uma forma alternativa à da historiografia e da filosofia da história oitocentistas. Aliás, o romance de formação estabelece, nesse sentido, uma relação metonímica com o gênero do romance moderno, que, em relação aos gêneros poéticos clássicos, apresenta uma “mudança radical das coordenadas temporais da imagem literária”, que se constrói em uma “zona de contato máximo com o presente (a atualidade) em sua inconclusibilidade” (BAKHTIN, 2019BAKHTIN, Mikhail. O romance como gênero literário. In: BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance III: o romance como gênero literário. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34 , 2019. p. 65-111., p. 75, grifos do autor). Ambos os gêneros discursivos, história e romance, participam do processo de “liberação do tempo, concebido fundamentalmente como histórico” (HARTOG, 2011HARTOG, François. La temporalisation du temps: une longue marche. Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares/UFMG, 2011. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3yHzgeG . Acesso em: 10 ago. 2022.
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, p. 1), que caracteriza o regime de historicidade moderno. O romance de formação, tanto quanto a historiografia e a filosofia da história, incorpora o “tempo histórico”, progressivo e heterogêneo, irredutível ao “tempo natural e mensurável” (KOSELLECK, 2006KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; Puc-Rio, 2006., p. 14). O caráter cronotópico, ou seja, a figuração do tempo histórico no romance de formação, encontra-se presente no próprio conceito moderno de formação (Bildung): “a Bildung é histórica, só pode se instaurar no meio da mudança diacrônica” (KOSELLECK, 2020KOSELLECK, Reinhart. Sobre a estrutura antropológica e semântica do conceito de Bildung In: KOSELLECK, Reinhart. Histórias de conceitos. Rio de Janeiro: Contraponto , 2020. p. 115-168. , p. 122).

Bildung e História - também em sua acepção moderna (Geschichte) - são “coletivos singulares”, impregnados de tempo histórico, com seu caráter processual e teleológico, em que o “horizonte de expectativas” afasta-se à medida que se caminha em direção a um futuro indeterminado e se deixa o passado para trás. Esse tempo histórico heterogêneo, em que o futuro é fundamentalmente dessemelhante ao passado (KOSELLECK, 2006KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; Puc-Rio, 2006., p. 56), é profundamente marcado pela noção de crise. A crise é inerente ao caráter cronotópico do tempo na modernidade e está presente na estrutura do enredo do romance de formação desde seu aparecimento em fins do século XVIII. No Wilhelm Meister - e, poderíamos afirmar também, nos romances de formação das primeiras décadas do século XIX, como Orgulho e Preconceito, O vermelho e o negro e David Copperfield - a noção de crise é o motor da formação do protagonista, que só pode ser colocada em marcha, na medida em que “tudo o que costumava servir de fundo sólido, como grandeza imutável, premissa imóvel e movimento do enredo no romance, agora se torna precisamente em um agente essencial do movimento” (BAKHTIN, 2003BAKTHIN, Mikhail. O romance de educação e sua importância na história do realismo. In: BAKTHIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 204-258., p. 229-231).

É, contudo, apenas na virada do século XIX para o XX que a crise será explicitamente tematizada por essa modalidade do gênero romanesco. Em obras como A Montanha Mágica, de Thomas Mann, em que se “experimenta uma tensão profunda entre presente e passado” e “a impossibilidade de se identificar com um tempo cronologicamente próximo” (CALDAS, 2014CALDAS, Pedro Espínola. O murmurante evocador do passado: A montanha mágica e o romance de formação após a Primeira Guerra Mundial, História da Historiografia, Ouro Preto, v. 7, n. 16, p. 107-120, 2014. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3gbMPg4 . Acesso em: 12 ago. 2022.
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, p. 108), a experiência temporal associada à modernidade deixa de figurar como princípio da formação para se converter em entrave à formação - ou, como argumenta Pedro Caldas a partir das próprias declarações de Mann, converte a narrativa em paródia do romance de formação. Romances da virada do século XX, como A Montanha Mágica, tematizam, direta ou indiretamente, a crise da Bildung, ou, para utilizar a famosa expressão de Georg Simmel (2020SIMMEL, Georg. O conceito e a tragédia da cultura. Tradução de Lenin Bicudo Bárbara. In: SIMMEL, Georg. Cultura filosófica. São Paulo: Editora 34 , 2020. p. 257-288.), a “tragédia da cultura”.1 1 Simmel não utiliza o termo Bildung no ensaio O conceito e a tragédia da cultura (1911), mas seu uso do termo “cultura” é muito próximo ao sentido do conceito de Bildung. Sobre a relação entre Bildung e Kultur, ver Gueus (1996) e Ringer (2000).

Este ensaio dedica-se à compreensão da figuração da temporalidade inerente ao cronótopo da formação e sua crise, em um desses romances do início do século XX. Os Embaixadores, romance de Henry James publicado pela primeira vez em 1903, é, ao mesmo tempo, um exemplar típico da modalidade do romance de formação e sua antítese. É típico na medida em que, na formação de seu protagonista, “o tempo se interioriza no homem, passa a integrar a sua própria imagem, modificando substancialmente o significado do seu destino e da sua vida” (BAKHTIN, 2003BAKTHIN, Mikhail. O romance de educação e sua importância na história do realismo. In: BAKTHIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 204-258., p. 220). Também o é no sentido de que o tempo que se interioriza no personagem não é qualquer tempo, mas o tempo histórico, um tempo cronotópico.

O romance de James mobiliza - se tomarmos o Wilhelm Meister de Goethe como paradigma - alguns topoi centrais dessa modalidade romanesca: a “formação do indivíduo como indivíduo em si e para si” (MORETTI, 2020MORETTI, Franco. Romance de Formação. Tradução de Natasha Belfort Palmeira. São Paulo: Todavia, 2020., p. 43), por meio da dialética entre autodeterminação e sociabilização, entre liberdade e felicidade; a formação do personagem como formação de sua personalidade, de sua interioridade, mas também a centralidade da amizade e do amor como meios de sociabilização, de abertura para o mundo; a fusão entre contemplação e ação, ou seja, entre os efeitos da influência do mundo (social) no personagem em formação e sua intervenção neste mesmo mundo (cf. NETO, 2005QUINTALE NETO, Flavio . Para uma interpretação do conceito de Bildungsroman. Pandaemonium Germanicum, Rio de Janeiro, n. 9, p. 185-205, 2005. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3YO8hc7 . Acesso em: 8 fev. 2023.
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), ou, na definição de Gyorgy Lukács, “a reconciliação do indivíduo problemático, guiado pelo ideal vivenciado, com a realidade social concreta” (LUKÁCS, 2000LUKÁCS, Gyorgy. A teoria do romance. Tradução de José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2000., p. 138); a mobilidade social como impulsionadora do processo de formação2 2 No caso do romance de Goethe, esse processo se inicia com o afastamento da profissão, do lar e da classe social paternos e se completa, no desenlace do enredo, com uma harmoniosa mésalliance. ; e, finalmente, o caráter integral e totalizante da formação da personalidade individual.

Por outro lado, a obra de James é a antítese de um romance de formação, na medida em que seu protagonista carece de uma característica central dos personagens dessa modalidade romanesca: a juventude. Se, como quer Moretti - apropriando-se da categoria de Ernst Cassirer -, o romance de formação é a “forma simbólica” da modernidade, a juventude é, nele, o signo utilizado para dar sentido à experiência moderna (MORETTI, 2020MORETTI, Franco. Romance de Formação. Tradução de Natasha Belfort Palmeira. São Paulo: Todavia, 2020., p. 29). Não a juventude das sociedades tradicionais, figurada na epopeia, na tragédia, no romance antigo e medieval; não a juventude associada à “bela morte” do herói épico, ou a juventude que “reproduz passo a passo aquela dos seus antepassados e o introduz em um papel que existia antes”, senão a juventude problemática, associada “aos novos desequilíbrios e às novas leis do mundo capitalista [que] tornam aleatória a continuidade entre as gerações e impõe uma mobilidade antes desconhecida” (MORETTI, 2020MORETTI, Franco. Romance de Formação. Tradução de Natasha Belfort Palmeira. São Paulo: Todavia, 2020., p. 28, grifo do autor). De Wilhelm Meister a Hans Castorp, de Elizabeth Bennet a Isabel Archer, passando por Julien Sorel e David Copperfield, a Bildung dos protagonistas do romance de formação é figurada na passagem da juventude à maturidade e é a própria juventude, signo da mobilidade, da instabilidade, da mudança, da temporalização do tempo, que se converte em enredo e articula-se às transformações do mundo histórico. No romance de formação clássico, o fim do enredo do romance coincide com o fim da juventude do personagem. Coincide também com o fim do tempo da narrativa.

Os Embaixadores, entretanto, narra a trajetória de Lambert Strether, um homem maduro que, aos cinquenta e cinco anos, vê a si mesmo como um velho. Um homem cuja juventude já está, desde o início do enredo, não somente encerrada como parece ter sido desperdiçada. É possível classificar como romance de formação um livro cujo enredo tem como protagonista um homem velho, cuja juventude extraviou-se? Minha é hipótese que James reconfigura os topoi do romance de formação e o próprio tema da juventude ao narrar a formação europeia de Lambert Strether, de modo a figurar a temporalidade da Bildung e, ao mesmo tempo, sua crise.

Com o objetivo de testar a validade dessa hipótese, seguirei três movimentos analíticos. O primeiro consiste em compreender de que modo James se apropria, em sua ficção - em especial nos romances marcados pelo “tema internacional” -, de elementos da tradição do Bildungsroman. O segundo tem como objetivo traçar a singularidade histórica da Bildung jamesiana. Finalmente, com o terceiro movimento, pretendo mostrar que a formação de Lambert Strether, em Os Embaixadores, constitui o modo particular como Henry James representa a crise do tempo histórico e do cronótopo da Bildung na virada do século XIX para o XX.

Topos: a Bildung norte-americana na ficção de Henry James

Em muitos sentidos, a narrativa de Os Embaixadores fornece um exemplo paradigmático do modo como James reconfigura motivos recorrentes da modalidade do romance de formação. Sua trama se tece em torno da aventura europeia de Lambert Strether, um norte-americano de cinquenta e cinco anos, encarregado por sua noiva, a rica e autoritária Mrs. Newsome, de convencer seu futuro enteado, Chad Newsome, a retornar à pequena Woolett, em Massachusetts, para se casar e assumir os negócios da família. Chad, que partira, alguns anos antes, para o típico tour formativo dos jovens norte-americanos pelo Velho Mundo, é seduzido não apenas pela Europa, mas, supostamente, tem seu senso moral e sua inocência corrompidos pela relação amorosa com Madame de Vionnet, uma aristocrata europeia vivendo separada do marido. A missão diplomática de Strether, bem como seu noivado com Mrs. Newsome, são ameaçados à medida que ele próprio vai se deixando seduzir pela Europa e reavalia seu juízo inicial de que a relação de Chad com Madame de Vionnet e sua permanência na Europa teriam levado à degradação moral do rapaz. Nesse ponto, Mrs. Newsome envia uma segunda embaixadora, sua filha Sarah Pocock, para levar a cabo a missão diplomática em que Strether falhara.

Nesse romance de James não faltam motivos constitutivos do Bildungsroman. De modo análogo ao Wilhelm Meister, em que o enredo se inicia com o afastamento do protagonista de sua situação burguesa originária, através da recusa da profissão paterna e da busca de sua própria vocação, o arco do enredo do romance de James segue o movimento do afastamento de Strether de sua situação adventícia, ou seja, o afastamento do conjunto de valores encarnados por Woolett e por Mrs. Newsome. Tal afastamento abre espaço para a relativização do senso moral americano e de sua acepção de inocência.

Trata-se, sem dúvida, de um processo de autodeterminação que, entretanto, depende de um movimento de intensa sociabilização, de ampliação da zona de contato com um mundo social distinto de seu mundo social de origem e em si mesmo diversificado. Trata-se também do desenvolvimento articulado entre a porção ética da personalidade e sua imaginação estética, que acompanha o ideal da Bildung desde suas expressões iniciais nas obras de Goethe, Schiller e Wilhelm von Humboldt. O processo de autodeterminação de Strether, o desenvolvimento de sua autonomia ética, é mediado pelo desenvolvimento de sua sensibilidade estética no contato com Paris, “a vasta e cintilante Babilônia” (JAMES, 2010JAMES, Henry. Os Embaixadores. Tradução de Marcelo Pen Parreira. São Paulo: Cosac Naify, 2010., p. 110), na relação com Maria Gostrey, uma “mulher do mundo”, que lhe parece “tão mais civilizada” (JAMES, 2010, p. 44) e em sua amizade com Little Bilham, o jovem amigo de Chad a quem Strether imediatamente se afeiçoa.

A proposta de pensar Os Embaixadores como Bildungsroman e a trajetória de seu protagonista como orientada pela ideia de Bildung coloca, contudo, de partida, um problema: enquanto a ficção jamesiana pertence à tradição literária anglo-americana, para boa parte de seus teóricos, o Bildungsroman é, do ponto de vista histórico, estreitamente vinculado à literatura e à cultura alemãs. Para Wilma Patricia Mass (2000MAAS, Wilma Patricia. O cânone mínimo: o Bildungsroman na história da literatura. São Paulo: Editora UNESP, 2000.), a constituição do significado do moderno conceito de Bildung está atrelada às condições históricas específicas da ascensão da burguesia nos territórios que, mais tarde, viriam a constituir a Alemanha. Já Louis Dumont (1974DUMONT, Louis. Wilhelm von Humboldt, or Bildung alive. In: DUMONT, Louis. German Ideology: from France to Germany and back. Chicago: The University of Chicago Press, 1994. p. 82-144.), ainda que distante de uma perspectiva que vincule a Bildung a um estrato social específico, argumenta que ela é fruto do encontro entre as fundações holísticas da cultura alemã e o individualismo do Iluminismo. Por outro lado, Koselleck, embora tome a Bildung como um conceito antropológico, não redutível a “nenhuma postura política ou predeterminação social, nenhum credo confessional ou vínculo religioso, nenhuma opção ideológica ou preferência filosófica” (KOSELLECK, 2020KOSELLECK, Reinhart. Sobre a estrutura antropológica e semântica do conceito de Bildung In: KOSELLECK, Reinhart. Histórias de conceitos. Rio de Janeiro: Contraponto , 2020. p. 115-168. , p. 132), admite não apenas que Bildung é “uma palavra especificamente alemã, o que torna extraordinariamente difícil a tarefa de encontrar equivalentes em outras línguas” (KOSELLECK, 2020KOSELLECK, Reinhart. Sobre a estrutura antropológica e semântica do conceito de Bildung In: KOSELLECK, Reinhart. Histórias de conceitos. Rio de Janeiro: Contraponto , 2020. p. 115-168. , p. 119), mas que o significado moderno do conceito se desenvolve na Alemanha na virada do século XVIII para o XIX.3 3 Koselleck argumenta que a Bildung é uma forma de vida autocrítica e autorreflexiva, aberta política e socialmente, distinguindo-se tanto de Dumont, que a insere em um sistema ideológico, quanto de Moretti, que a associa à dinâmica das sociedades capitalistas.

Creio, entretanto, que ainda assim podemos argumentar que o vínculo da ficção de James com essa modalidade do romance moderno é bastante estreito. Se, na trilha de críticos e teóricos do romance como Mikhail Bakhtin (2003BAKTHIN, Mikhail. O romance de educação e sua importância na história do realismo. In: BAKTHIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 204-258.), Franco Moretti (2020MORETTI, Franco. Romance de Formação. Tradução de Natasha Belfort Palmeira. São Paulo: Todavia, 2020.), Cristina Ferreira Pinto, Marcus Vinicius Mazzari (2010MAZZARI, Marcus Vinicius. Labirintos da aprendizagem: pacto fáustico, romance de formação e outros temas de literatura comparada. São Paulo: Editora 34 , 2010.; 2020MAZZARI, Marcus Vinicius; MARKS, Maria Cecília Marks. Romance de formação: caminhos e descaminhos do herói. Cotia: Ateliê Editorial, 2020.) e Thomas Jeffers (2005JEFFERS, Thomas L. Apprenticeships: The Bildungsroman from Goethe to Santayana. New York: Macmillan, 2005.),4 4 Mazzari organizou uma coletânea que inclui na modalidade do romance de formação obras que estão fora do cânone mínimo alemão e mesmo das literaturas ocidentais. Jeffers, em texto sobre o Bildungsroman feminino, dedica-se a duas obras de Henry James. ampliarmos a categoria do Bildungsroman de modo a incluir não apenas as obras mais estritamente vinculadas ao “cânone mínimo” do Wilhelm Meister e à literatura alemã, podemos sem muita dificuldade associar boa parte dos romances de James a essa modalidade do gênero romanesco.

Diversos topoi dos Bildungsromane estão presentes na ficção de Henry James. Além disso, a Bildung como ideal foi reconfigurada por escritores ingleses como Coleridge, Thomas Carlyle, Walter Pater e Matthew Arnold, “que eram fortemente atraídos pelas ideias alemães de cultivo pessoal” (BRUFORD, 2009BRUFORD, W. H. The German Tradition of Self-cultivation: Bildung from Goethe to Thomas Mann. New York: Cambridge University Press, 2009., p. viii), e por outros vinculados ao transcendentalismo romântico norte-americano, como Ralph Waldo Emerson e Henry David Thoreau, que exerceram - de modo mais ou menos direto - uma influência formativa considerável em James.

A atualização jamesiana do Bildungsroman está no centro da relação crítica que James estabelece com o romantismo norte-americano e seu mito fundador, o mito do “Adão americano” (LEWIS, 1975LEWIS, R. W. B. The American Adam: Innocence, Tragedy and Tradition in the nineteenth Century. Chicago; London: The University of Chicago Press, 1975.). Esse mito sustenta-se no ideal de um indivíduo livre do vínculo com a história e com as tradições europeias. Esse indivíduo, descendente dos colonizadores que conquistaram o Novo Mundo com o objetivo de nele construir o Paraíso Terrestre, busca sua autonomia mesmo em relação a seus antepassados puritanos, para fundar sua identidade em qualidades intrínsecas à sua individualidade.

Na cultura norte-americana do século XIX, a ideia de superação do passado, vinculada ao regime temporal moderno, predominou em sua forma mais radical: a percepção de que o presente é um brevíssimo intervalo entre o passado e o futuro e de que este é substancialmente diferente daquele. Esse ethos de ruptura com o passado remonta à associação puritana entre a América e a bíblica Jerusalém Terrestre, um novo mundo onde se deveria fundar uma sociedade completamente nova; e é ressignificado, no fim do século XVIII, pelos founding fathers da república norte-americana: ele está manifesto na máxima jeffersoniana de que “a terra pertence em usufruto aos vivos; [...] os mortos não têm nem poderes nem direitos sobre ela” (JEFFERSON, 1854JEFFERSON, Thomas. The Writings of Thomas Jefferson: autobiography, correspondence, reports, messages, addresses and other writings, official and private. Vol. III. New York: Taylor & Maury, 1854., p. 103). No contexto da história intelectual norte-americana, tal radicalização da moderna experiência de aceleração temporal foi formulada de modo mais conciso nos ensaios filosóficos de Emerson e de outros autores ligados ao movimento que ficou conhecido como transcendentalismo romântico.

Em grande medida, o ideal da Bildung foi incorporado à cultura norte-americana através da obra de Ralph Waldo Emerson. Em ensaios como o paradigmático Self-reliance, o desenvolvimento da personalidade individual, em uma formação bem-sucedida, deve estar atrelado à espontaneidade e juventude do intelecto, em um processo em que se deve purgar a mácula e descarregar-se do fardo das tradições históricas, dos pensamentos e das criações de homens de gerações passadas, envelhecidos pelo tempo e tornados obsoletos. Para Emerson, o processo de Bildung deve sustentar-se nas próprias forças do indivíduo e em suas qualidades inatas, para que ele possa atuar sobre o mundo e modificá-lo. “A única coisa certa”, diz Emerson, “é aquela que está de acordo com a minha constituição; a única errada, a que está contra ela” (EMERSON, 1966EMERSON, Ralph Waldo. Ensaios. Tradução de José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1966., p. 40).

A infância e a juventude ganham, por conseguinte, grande importância e centralidade, nesta ideologia que privilegia a espontaneidade da personalidade inocente em detrimento do saber ou conduta adquiridos ou fundamentados nas convenções, na herança, na tradição. O jovem, afirma Emerson, seja “tímido ou audaz, [...] saberá como nos tornar, a nós, velhos, totalmente desnecessários” (EMERSON, 1966EMERSON, Ralph Waldo. Ensaios. Tradução de José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1966., p. 40). Nas crianças e nos jovens revive a inocência adâmica e, na juventude, a espontaneidade de Adão, que nomeia os seres e as coisas do mundo a partir de um saber inato e imediato. Na tradição, por outro lado, concentra-se a autoridade vazia e o conhecimento obsoleto, que se tornaram convenções vazias. Self-reliance é um dos mais expressivos emblemas da Bildung romântica norte-americana.

A incorporação do ideal da Bildung por Emerson subverte alguns aspectos do caráter temporal inerente ao conceito alemão e deixa a descoberto as especificidades do romantismo norte-americano. A relação histórica entre Bildung e romantismo é bastante estreita. A Bildung pode ser considerada um ideal essencialmente romântico - “o bem maior e a fonte de tudo o que é útil é a Bildung”, diz Friedrich Schlegel, arauto dos românticos de Jena (SCHLEGEL, 1800 apudBEISER, 2003BEISER, Frederick C. The romantic imperative. The concept of early German Romanticism. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 2003., p. 26) - na medida em que se associa a algumas das ideias fundamentais do movimento romântico: totalidade, unidade, organicidade, singularidade, desenvolvimento, fluxo, vida, pulsão (DUARTE, 2004DUARTE, Luiz Fernando Dias. A pulsão romântica e as ciências humanas no Ocidente. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 19, n. 55, p. 5-18, 2004. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3T7tqvu . Acesso em: 05 ago. 2022.
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).5 5 Nesse ponto, minha análise segue a de Dumont (1974) e Duarte (2004) e se distancia da análise semântico-estrutural de Koselleck (2020), para quem o caráter autocrítico da Bildung garante sua autonomia em relação a movimentos estéticos e filosóficos específicos. No romantismo, essas ideias estão impregnadas de um elemento fundamentalmente temporal e diacrônico. Nesse sentido, a Bildung pode ser definida como um processo teleológico de desenvolvimento da essência singular de uma pessoa - ou, como em Herder, de um povo ou uma época. Por um lado, a Bildung é o “caminho da alma para si mesma” (SIMMEL, 2020SIMMEL, Georg. O conceito e a tragédia da cultura. Tradução de Lenin Bicudo Bárbara. In: SIMMEL, Georg. Cultura filosófica. São Paulo: Editora 34 , 2020. p. 257-288., p. 257). Ela é um retorno ao ponto de partida, embora aquilo que se desenvolve no percurso, a personalidade, a essência individual de uma pessoa, passe de um estado de latência, de imaturidade, a outro, de plena maturidade. O caminho, portanto, é aquele que vai da “unidade fechada, passa pela multiplicidade desdobrada e chega à unidade desdobrada” (SIMMEL, 2020SIMMEL, Georg. O conceito e a tragédia da cultura. Tradução de Lenin Bicudo Bárbara. In: SIMMEL, Georg. Cultura filosófica. São Paulo: Editora 34 , 2020. p. 257-288., p. 259). Em vista disso, Moretti observa que o enredo do Bildungsroman clássico tem a forma de um anel, símbolo de uma “vida que encontrou o seu sentido” e “figura de um tempo que - alcançado seu objetivo - continuará a passar, mas sem abalos e mudanças” (MORETTI, 2020MORETTI, Franco. Romance de Formação. Tradução de Natasha Belfort Palmeira. São Paulo: Todavia, 2020., p. 47). Por outro lado, diferentemente do tempo newtoniano, homogêneo, reversível e quantitativo, o tempo da Bildung - tempo romântico - é histórico, qualitativo, irreversível e heterogêneo.

Esse é também o tempo caro aos transcendentalistas românticos; é também o tempo da Bildung emersoniana. No entanto, as formas de temporalização do tempo associadas aos diversos romantismos enfatizaram diferentes aspectos desse movimento tão heterogêneo, contraditório e de difícil definição. Como argumenta Isaiah Berlin, em seu clássico As raízes do Romantismo, o romantismo é “o antigo, o histórico, são as catedrais góticas, as névoas da Antiguidade”, mas também é “o primitivo, o ignorante, é a juventude, a exuberante sensação de vida do homem natural” (BERLIN, 2022BERLIN, Isaiah. As raízes do Romantismo. Tradução de Isa Mara Lando. São Paulo: Fósforo, 2022., p. 41). Se a Bildung, em Goethe, relaciona-se com recusa do passado insulado de um certo romantismo, a Bildung de Emerson recusa o próprio passado como origem do presente. Seu ideal de aperfeiçoamento pessoal reside antes na noção de que o estado da alma no presente é em si mesmo perfeito, mas, paradoxalmente, movido por uma espécie de “autorrepulsa crítica”. O indivíduo é constantemente levado a reexaminar seu vínculo cego com as convenções sociais e liberar-se delas em direção a um novo estágio de perfectibilidade (SCHUMANN, 2017SCHUMANN, Claudia. Aversive education: Emersonian variations on ‘Bildung’. Educational Philosophy and Theory, London, v. 51, n. 5, p. 488-497, 2019. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3Ct8aZS . Acesso em: 05 ago. 2022.
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, p. 6). Cada novo estágio corresponde a um estado de edênica e primitiva inocência.

A noção emersoniana de Bildung parece subverter duas importantes dimensões do conceito alemão: as camadas de significado que remetem à sua origem religiosa cristã, medieval e protestante, e seu caráter fundamentalmente histórico. O termo Bildung foi cunhado por Mestre Eckhart, teólogo dominicano, que viveu entre os séculos XIII e XIV. Seu significado religioso habita o campo semântico de conceitos como imagem, retrato, imitação, forma e formação e remete aos topoi da imago Dei e da imitatio Christi, bem como ao processo reflexivo que leva à redenção: desfigurar [entbilden], imaginar [einbilden] e refigurar [überbilden] (KOSELLECK, 2020KOSELLECK, Reinhart. Sobre a estrutura antropológica e semântica do conceito de Bildung In: KOSELLECK, Reinhart. Histórias de conceitos. Rio de Janeiro: Contraponto , 2020. p. 115-168. , p. 123). Em sua origem religiosa, a Bildung está associada ao caráter eminentemente temporal da vida mundana, à oposição entre a criatura humana, que vive no tempus, e a aeternitas divina. A origem religiosa da ideia de Bildung e sua associação com um estado pós-lapsariano, decorrente de uma cisão original entre o eu e o si mesmo, entre o ser humano e Deus (ou a Natureza), já colocam no centro da Bildung a relação entre passado e presente: daí sua associação com a ideia de uma totalidade orgânica em desenvolvimento, sua natureza temporal. Daí, também, a íntima ligação entre a Bildung e a ideia de redenção.

A Bildung emersoniana, entretanto, ao vincular o processo de aperfeiçoamento do ser humano a um estado pré-lapsariano de inocência, interrompe a relação entre a perfectibilidade do indivíduo e o processo histórico. O tempo edênico, ao contrário do tempo histórico, é homogêneo, suas partes são sempre iguais umas às outras. Podemos notar, aqui, o embate de Emerson com os princípios da religiosidade calvinista, na qual ele próprio foi formado. Embora o transcendentalismo romântico americano tenha feito cerrada oposição aos círculos calvinistas e unitaristas da Nova Inglaterra, a Bildung de Emerson, com sua ênfase em uma noção edênica de aperfeiçoamento, apresenta marcada influência de alguns aspectos do protestantismo unitarista.

A controvérsia unitarista penetrou nos círculos puritanos norte-americanos, no início do século XIX, virando do avesso alguns dos princípios básicos da tradição calvinista. Ao rejeitar a hereditariedade do pecado original e conceber o ser humano como eticamente neutro ou naturalmente inclinado para o bem, o Unitarismo torna desnecessária a redenção da humanidade pela Encarnação de Cristo e chega ao ponto de negar sua dupla natureza e o dogma da trindade. A influência do Unitarismo se faz sentir sobre a teoria do aperfeiçoamento emersoniana, visto que dela é eliminada justamente a dimensão nostálgica da Bildung, a busca pós-lapsariana pela redenção.

Henry James é herdeiro direto do romantismo norte-americano e a influência de Emerson e dos transcendentalistas em sua ficção faz-se sentir na centralidade que os temas da inocência e da Queda nela ocupam (TAYLOR, 2002TAYLOR, Andrew. Henry James and the father question. Cambridge: Cambridge University Press, 2002.). Não obstante, nos romances de James, a Bildung recupera sua dimensão nostálgica e seu potencial redentor, na medida em que é convertida em processo de perda da inocência, no qual os personagens são obrigados a reconhecer e experimentar a existência do mal mundano. Somente assim tornam-se capazes de tomar decisões éticas de forma responsável, ao mesmo tempo em que desenvolvem sua sensibilidade estética. Aqui, a noção de Bildung é incorporada e reconfigurada nas trajetórias dos protagonistas de romances marcados por aquilo que a literatura especializada convencionou chamar de “tema internacional”, referindo-se ao fato de que grande parte da ficção de James narra a formação de jovens americanos, cujo senso moral transforma-se ao entrar em contato com as formas de sociabilidade europeias. É o caso dos paradigmáticos Retrato de uma Senhora, A Taça de Ouro e Os Embaixadores.

Nesses romances, a figuração literária da formação da personalidade, convertida em enredo, não é mais formalmente marcada pelo conclusivo final feliz do Bildungsroman canônico. Isabel Archer, em Retrato de uma Senhora, escolhe retornar para seu casamento infeliz e salvar sua enteada; Maggie Verver, em A Taça de Ouro, escolhe afastar-se do pai e infligir uma grande dor à amiga Charlotte para salvar seu casamento; Lambert Strether deixa a Europa e Maria Gostrey, cenário e mediadora de sua Bildung tardia, para assumir a responsabilidade por suas escolhas. A formação não se converte em felicidade, mas em liberdade - não a liberdade associada à autodeterminação plena - mas a liberdade consciente de suas limitações, a liberdade de uma escolha eticamente responsável. A associação jamesiana entre a Bildung e o estado pós-lapsariano resgata o caráter eminentemente temporal do conceito.

Cronos: a Bildung reversa de Lambert Strether

Nostalgia e redenção. Em Os Embaixadores, esses aspectos da ideia de Bildung surgem potencializados pela ausência da juventude, elemento que, tomado literal ou metaforicamente, Emerson considerava fundamental para o processo de aperfeiçoamento moral.

“Sou um perfeito fracasso” (JAMES, 2010JAMES, Henry. Os Embaixadores. Tradução de Marcelo Pen Parreira. São Paulo: Cosac Naify, 2010., p. 71), diz Strether a Maria Gostrey, já no primeiro livro do romance. Ainda mais significativa é sua admoestação ao jovem amigo Little Bilham, que o próprio James, no prefácio à Edição de Nova York de Os Embaixadores, diz ser o “grão de sugestão” (JAMES, 2010JAMES, Henry. Os Embaixadores. Tradução de Marcelo Pen Parreira. São Paulo: Cosac Naify, 2010., p. 13) do qual brota o assunto do romance. “Não é tarde demais para você”, diz Strether a Bilham. “Não se esqueça de que é jovem - ditosamente jovem; regozije-se com isso e viva à altura. Viva tudo o que puder; é um erro não fazê-lo”. Strether insiste no fato de que Little Bilham possui a “ilusão da liberdade” e a “hora certa”, e que deve aproveitá-las - o que ele próprio, quando jovem, cometeu o erro de não fazer: “Agora estou velho. [...] É tarde demais” (JAMES, 2010JAMES, Henry. Os Embaixadores. Tradução de Marcelo Pen Parreira. São Paulo: Cosac Naify, 2010., p. 221-222). A maturidade, ou mesmo a velhice, de Strether não aponta nem mesmo para a ideia da completude da formação, senão para uma formação extraviada no desperdício da juventude.

É, contudo, apenas quando a “hora certa” e a juventude já estão perdidas, que Strether se acha na condição de ver aquilo que perdeu, de enxergar seu próprio erro:

agora reconheço. Não vi anteriormente com clareza - e agora estou velho; velho demais de todo modo para o que vejo. Ah, ao menos posso ver; e muito mais do que possa parecer ou eu seja capaz de expressar. É tarde demais. E é como se o trem houvesse me esperado condignamente na estação, sem que eu, porém, tivesse o bom senso de saber que o comboio ali se encontrava. Agora ouço seu apito longínquo, sumindo a quilômetros e quilômetros de distância. O que perdemos, perdemos: não se engane (JAMES, 2010JAMES, Henry. Os Embaixadores. Tradução de Marcelo Pen Parreira. São Paulo: Cosac Naify, 2010., p. 221, grifo do autor).

A antítese entre a juventude do pequeno Bilham e a velhice de Strether converte-se na antítese entre aquele que deve viver e aquele que é capaz de ver. Como notou Marcelo Pen Parreira, ao comparar Strether com o protagonista do romance de Machado de Assis, Memorial de Aires, a velhice abre aos personagens uma perspectiva privilegiada. Ela possibilita que eles vejam “os fatos da vida de uma perspectiva mais nuançada, ponderada, crítica, irônica” (PARREIRA, 2012PARREIRA, Marcelo Pen. Realidade possível: os dilemas da ficção em Henry James e Machado de Assis. Cotia: Ateliê Editorial , 2012., p. 41). A Bildung do protagonista de James consiste justamente no desenvolvimento de um ponto de vista reflexivo e autocrítico, autoconsciente de sua própria posição como ponto de vista entre outros.

O ponto de vista que Strether desenvolve é análogo ao foco narrativo de grande parte dos romances de James, que, no uso do discurso indireto livre, ora se confunde com o ponto de vista do personagem ora se afasta dele, produzindo um movimento dialético entre a objetividade autoral e a subjetividade dos personagens. Trata-se daquilo que Parreira chama de “realismo subjetivo, que não se opõe também, necessariamente, a um ideal sempre inalcançável de objetividade ou impassibilité autoral, mas sim à ideia de que o mundo descrito no romance poderia ser visto como algo objetivo, absolutamente desvinculado do sujeito que o transforma” (PARREIRA, 2012PARREIRA, Marcelo Pen. Realidade possível: os dilemas da ficção em Henry James e Machado de Assis. Cotia: Ateliê Editorial , 2012., p. 227). O que pretendo mostrar a seguir é que esse “realismo subjetivo” caracteriza não apenas a voz narrativa do romance de James como também se encontra no cerne da Bildung de seu personagem. Em outras palavras: Strether se forma à medida em que forma um ponto de vista marcado pelo “realismo subjetivo”, associado a uma atitude perspectivista.

A Bildung de Strether, ou seja, o movimento dialético entre sua autodeterminação e sua sociabilização, está associada à ampliação de sua capacidade de ver, ao desenvolvimento dessa atitude perspectivista. No início da trama, o ponto de vista de Strether é aquele da pequena cidade de Woolett, que conserva o senso moral herdado dos colonizadores puritanos da Nova Inglaterra; é o ponto de vista de Mrs. Newsome e de sua filha Sarah Pocock. A visão que Strether antecipa é a de um Chad corrompido pela mulher que o seduziu e por sua longa estadia na Europa. No entanto, a possibilidade de emergência de outros pontos de vista já é colocada, desde o começo, pela sugestão de Maria Gostrey de que “duas coisas bem distintas [...] podem ter ocorrido” a Chad: “Uma é que tenha embrutecido. A outra é que tenha se refinado” (JAMES, 2010JAMES, Henry. Os Embaixadores. Tradução de Marcelo Pen Parreira. São Paulo: Cosac Naify, 2010., p. 94). Se um possível refinamento de Chad não fazia parte, de início, do horizonte de expectativas de Strether, Miss Gostrey não deixa de lançar um “grão de sugestão” que vai germinar ao longo do enredo.

O próximo momento significativo do desenvolvimento desse germe se dá no primeiro encontro entre Strether e Chad, no teatro em Paris. Nesse momento, todas as expectativas apriorísticas de encontrar um Chad corrompido, imagens que Strether trouxe de Woolett, são suspensas pela “emoção da perplexidade” suscitada pela visão da metamorfose do rapaz:

o fenômeno que acabara de sentar ali ao seu lado era o de uma metamorfose tão completa que sua imaginação, anteriormente tão ativa, sentiu-se nesse aspecto subitamente tolhida. Sua imaginação confrontara todas as contingências exceto o fato de que Chad não pudesse ser Chad, e era isso que ela agora tinha de confrontar com um mero sorriso forçado e um rubor de constrangimento.

Ele se indagava se, antes que de algum modo fosse obrigado a comprometer-se, acaso não sentiria a mente acomodar-se à nova visão; se poderia, por assim dizer, habituar-se à extraordinária verdade. Mas, ah!, se não era por demais extraordinária essa verdade! - pois o que podia ser mais extraordinário do que essa abrupta ruptura de uma identidade. Era possível lidar com um homem que se apresentava como si próprio - não com um que se revelava outra pessoa” (JAMES, 2010JAMES, Henry. Os Embaixadores. Tradução de Marcelo Pen Parreira. São Paulo: Cosac Naify, 2010., p. 151, grifos meus).

Esse trecho é de extrema importância para economia do enredo do romance e para o que estou, aqui, argumentando ser a Bildung de Strether. A perplexidade do protagonista é suscitada pela reversão de todas as suas expectativas sobre a visão que teria de Chad. Isso se dá a tal ponto, que a Strether parece ter havido uma “ruptura na identidade” do rapaz, percepção que chega mesmo a tolher sua capacidade imaginativa. Essa mudança é a “extraordinária verdade”, a realidade inesperada, imprevista, inimaginável, com que Strether se confronta. Se, contudo, sua imaginação é tolhida, num primeiro momento, por aquilo que, para ele, era inimaginável, suas dúvidas sobre se seria capaz de se “acomodar à nova visão” são injustificadas. Strether não apenas é capaz de acomodar sua visão, de ampliar sua perspectiva, de habituar-se a uma nova e imprevista verdade, como a ideia de um Chad corrompido passa a competir com a “extraordinária verdade” de sua visão de um Chad refinado. Se, antes do encontro, Strether “cogitara se o moço não seria um pagão”, a nova visão fez com que se perguntasse “se não seria um cavalheiro (gentleman)”. No momento da perplexidade, a imaginação tolhida de Strether não aventa a possibilidade, “a ideia salvadora”, de que Chad pudesse “ser ambas as coisas”. E, no entanto, “nada havia então no ar que fosse capaz de desafiar tal combinação insólita; tudo, ao contrário, contribuía para o seu florescimento” (JAMES, 2010JAMES, Henry. Os Embaixadores. Tradução de Marcelo Pen Parreira. São Paulo: Cosac Naify, 2010., p. 173). O confronto com a realidade objetiva, ou seja, a visão de um Chad transformado - e, como Maria Gostrey previra, de um Chad refinado -, que lhe aparece na frente, não apenas provoca a reversão de uma crença apriorística, como também amplia as perspectivas de Strether, abrindo espaço para a ambivalência - Chad pode ser ao mesmo tempo um pagão e um cavalheiro.

Uma nova reversão das expectativas ocorre quando Strether descobre que Chad e Madame de Vionnet mentiram a respeito do caráter inocente de sua relação, pondo em xeque a afirmação de Little Bilham de que se tratava de uma relação virtuosa. Nesse caso, porém, a descoberta da mentira, embora leve Strether a perceber que sua visão da realidade estava equivocada, não modifica inteiramente sua interpretação da realidade. Se, por um lado, é fato incontestável que a relação entre Chad e Madame de Vionnet não é “inocente”, que eles estão envolvidos em um caso amoroso, por outro, Strether é levado a distinguir entre inocência e virtude; ou melhor: o protagonista do romance de James amplia sua perspectiva de modo a relativizar a sinonímia entre inocência e virtude e a considerar a possibilidade de que, para que uma relação seja virtuosa, ela não precise necessariamente ser inocente. Como nota Paul Armstrong, “a descoberta de seu erro não leva [Strether] a abandonar sua estrutura interpretativa e as lealdades que a informam” (ARMSTRONG, 1987ARMSTRONG, Paul B. The Challenge of Bewilderment: Understanding and representation in James, Conrad, and Ford. Ithaca: Cornell University Press, 1987., p. 88).

Essa ampliação de perspectiva, etapa fundamental da Bildung de Strether, marca seu afastamento do ponto de vista de Woolett e, eu diria, do caráter unilateral, monolítico do senso moral norte-americano. Esse caráter é figurado na inflexibilidade do ponto de vista dos personagens que encarnam esse senso moral: Mrs. Newsome e sua nova embaixadora, Sara Pocock. Aquilo que parece a Strether ser uma “extraordinária verdade”, “a bela transformação de Chad”, a Mrs. Newsome e sua filha se configura como uma transformação “abominável” (JAMES, 2010JAMES, Henry. Os Embaixadores. Tradução de Marcelo Pen Parreira. São Paulo: Cosac Naify, 2010., p. 458): transformação que, desde o início, mesmo sem terem visto Chad, elas estavam convictas de que seria o efeito da influência corruptora de uma femme du monde europeia sobre um rapaz norte-americano.

Woolett não concebe seu ponto de vista sobre a realidade como um ponto de vista possível entre outros, mas como a única forma verdadeira de ver a realidade. Para Woolett, portanto, a reversão das expectativas e a ampliação de perspectiva não são apenas inimagináveis como também impossíveis. Mais uma vez, é Maria Gostrey que intui esse estado de coisas quando diz a Strether, referindo-se a Mrs. Newsome, que “as perspectivas amplas [...] lhe seriam intoleráveis” (JAMES, 2010JAMES, Henry. Os Embaixadores. Tradução de Marcelo Pen Parreira. São Paulo: Cosac Naify, 2010., p. 85).

Parece-me estar em jogo, aqui, a crítica jamesiana ao realismo unilateral característico do senso moral norte-americano. Em um ensaio sobre Matthew Arnold, o autor ataca ferozmente “a tácita suposição dos americanos em geral de que sua forma de vida é a forma de vida normal” (JAMES, 1984JAMES, Henry. Literary Criticism. New York: The Library of America, 1984., p. 721). Para James, o ethos democrático, nos Estados Unidos, tende a gerar uma pressão que homogeneíza todos os pontos de vista e embota a consciência de que cada sujeito percebe a realidade de uma perspectiva particular, informada pela cultura em que está inserido. A falta de perspectivismo moral alia-se à falta de perspectivismo temporal e histórico. Essa carência de perspectivismo encontra-se mesmo presente na noção emersoniana de Bildung. Como argumenta Andrew Taylor, “o fator constante para Emerson é sempre o self e as maneiras pelas quais ele pode ser revelado. O outro histórico, o outro geográfico, o outro cultural, todos são valiosos na medida em que fornecem um comentário sobre o texto já escrito do self” (TAYLOR, 2002TAYLOR, Andrew. Henry James and the father question. Cambridge: Cambridge University Press, 2002., p. 178).

A herança emersoniana concentra-se em Woolett e nos personagens de Os Embaixadores que representam o senso moral norte-americano. Para Woolett, seu próprio senso moral encarna um conjunto de valores universais, trans-históricos e imutáveis, válidos para qualquer situação, qualquer contexto cultural. Desse ponto de vista, uma relação que não seja inocente não pode ser, em nenhuma circunstância, virtuosa. Do mesmo modo, qualquer transformação que uma relação como essa possa provocar em um jovem não pode ser senão abominável. Mrs. Newsome, diz Strether, “não admite surpresas”, é “uma mulher dotada de um belo espírito inflexível”, que já havia antecipado o que o próprio Strether deveria ver ao se encontrar com Chad. E, “sempre que faz isso”, continua Strether, “não sobra espaço para mais nada; não há margem [...] para nenhuma alteração” (JAMES, 2010JAMES, Henry. Os Embaixadores. Tradução de Marcelo Pen Parreira. São Paulo: Cosac Naify, 2010., p. 488). Mrs. Newsome é apresentada, aqui, como uma entidade transcendente, imune aos efeitos do tempo, incapaz de formar-se ou transformar-se temporalmente, justamente porque incapaz de ter suas expectativas frustradas. A frustração das expectativas e das certezas dogmáticas é fundamental para qualquer Bildung.

Em contrapartida, o processo da perda da inocência e da ampliação da “capacidade de visão” de Strether está no cerne de sua Bildung tardia, para a qual Paris torna-se um locus privilegiado. Em Os Embaixadores, “Paris é o ambiente do não self, profundamente desorientador para uma mente mergulhada em uma combinação de tradições emersonianas puritanas e corteses.” (TAYLOR, 2002TAYLOR, Andrew. Henry James and the father question. Cambridge: Cambridge University Press, 2002., p. 181) Com efeito, é ao colocar em perspectiva histórica, geográfica e cultural seu próprio self americano, que Strether se torna capaz de desenvolver a percepção de que a realidade não é transparente para o sujeito do conhecimento, de que conhecê-la é um ato de interpretação e de que toda interpretação é informada pelo contexto histórico em que se está inscrito. A Bildung de Strether é, portanto, histórica, em um duplo sentido. Ela é histórica na medida em que constitui a formação do personagem na temporalidade do enredo do romance. E é histórica porque articula o desenvolvimento de um perspectivismo moral a um perspectivismo histórico-cultural.

Se, no início da trama, o protagonista do romance se identifica (quase) plenamente com a perspectiva de Woolett, ou seja, a perspectiva de que a relação entre Chad e Madame de Vionnet é indecorosa e de que o jovem precisa ser salvo, redimido, é a redenção do próprio Strether que entra em movimento à medida que a trama se desenrola. E é justamente a velhice de Strether - o fato de que sua juventude foi desperdiçada por uma sequência de “erros” - a condição de possibilidade de sua redenção; mais do que isso, a condição de possibilidade de sua Bildung tardia. “Haveria tempo hábil para a reparação?”, pergunta-se James no prefácio, “- reparação, ou seja, pelo dano causado a seu caráter” (JAMES, 2010JAMES, Henry. Os Embaixadores. Tradução de Marcelo Pen Parreira. São Paulo: Cosac Naify, 2010., p. 14).

O tempo da reparação é justamente o que James põe em marcha no romance: é o tempo da maturidade. Se, no início, a velhice de Strether contrasta com a juventude de Little Bilham, à medida que o enredo se desenvolve esse contraste cede lugar a um outro: entre a aparência de um Chad maduro, plenamente formado, e a sensação que assalta Strether de estar-se tornando progressivamente mais jovem. Logo após o primeiro encontro com Chad, Strether sente o impulso de enviar uma carta - ou, preferivelmente, um telegrama - a Woolett, descrevendo o rapaz por meio dessas essas quatro palavras: “Muito envelhecido - cabelos grisalhos” (JAMES, 2010JAMES, Henry. Os Embaixadores. Tradução de Marcelo Pen Parreira. São Paulo: Cosac Naify, 2010., p. 155). A declaração conserva, entretanto, como notou Gabriel Godoy, uma certa ambiguidade: estaria Chad “exaurido pelo decadente Velho Mundo ou amadurecido por este?” (GODOY, 2020GODOY, Gabriel Gimenes. Narrador desconfiado, consciência hesitante: a experiência de Os Embaixadores de Henry James. Magma. São Paulo, v. 27, n. 16, p. 95-123, 2020. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3ewqSYG . Acesso em: 06 out. 2022.
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, p. 104). A ambiguidade gerada pela nova aparência de Chad, no entanto, não altera, para o protagonista do romance, o fato consumado de que Chad não apenas amadureceu, mas se apresenta como alguém inteiramente formado, pronto, acabado:

Chad havia sido reformado. Era tudo; o que quer que isso fosse, era tudo. Strether nunca vira uma operação tão rematada - talvez constituísse a especialidade de Paris. Quem quer que estivesse presente ao processo quiçá pudesse, aos poucos, ter-se assenhorado dos resultados; mas ele estava frente a frente, nas atuais circunstâncias, com o trabalho concluído (JAMES, 2010JAMES, Henry. Os Embaixadores. Tradução de Marcelo Pen Parreira. São Paulo: Cosac Naify, 2010., p. 163-164).

Se o protagonista do romance de James fosse Chad Newsome e se seu leitor “estivesse presente ao processo” de sua formação convertida em enredo, ele poderia argumentar que Os Embaixadores seria um exemplar típico do modo como o autor reconfigura a forma do Bildungsroman através do “tema internacional”. No entanto, não é a Bildung de Chad que James fabula, visto que, em sua primeira aparição no romance, o personagem apresenta a aparência de um homem já maduro, quiçá envelhecido, de todo modo uma pessoa plenamente formada. E é a visão de um Chad formado, com todas as ambiguidades que ela comporta, que dispara em Strether um movimento reflexivo. Se, ainda no início do romance, Strether declara a Little Bilham ter perdido o trem da juventude, em seu terço final, o protagonista de James parece deparar-se com o fato de que vem passando, em sua aventura europeia, por um processo de rejuvenescimento:

claro que estou jovem… jovem por causa da viagem à Europa. Comecei a sentir-me assim, ou pelo menos a ter o privilégio da juventude, a partir do momento em que a conheci em Chester, e é isso que vem ocorrendo desde então. Nunca tive esse privilégio na idade adequada - o que significa que nunca experimentei a coisa em si. [...] Não me embriago; não galanteio as damas; não gasto dinheiro; nem mesmo componho sonetos. Mesmo assim, trato de compensar-me tardiamente do que não tive antes. Cultivo meu pequeno privilégio à minha maneira. Diverte-me mais do que qualquer coisa que jamais sucedeu comigo em minha vida inteira. Digam o que quiserem, é minha rendição, meu tributo, à juventude (JAMES, 2010JAMES, Henry. Os Embaixadores. Tradução de Marcelo Pen Parreira. São Paulo: Cosac Naify, 2010., p. 324).

A Bildung tardia de Strether é uma Bildung reversa. Reversa no sentido de que, em lugar de apresentar-se com um processo de amadurecimento que culmina com o próprio fim da juventude e com a extinção da temporalidade da Bildung (MORETTI, 2020MORETTI, Franco. Romance de Formação. Tradução de Natasha Belfort Palmeira. São Paulo: Todavia, 2020.), converte-se em processo de rejuvenescimento, que se inicia no momento em que o personagem chega à Europa. É reversa também na medida em que, se a formação se confunde com a ampliação de sua perspectiva, com a relativização de seu ponto de vista original, ela, entretanto, não implica uma modalidade de temporalização do tempo que aponte para um telos localizado no futuro, senão para um retorno ao ponto de partida, a um tempo e uma condição de que não teve o “privilégio na idade adequada”.

Mas, a Bildung de Strether é também uma Bildung vicária, porquanto seu processo de rejuvenescimento não implica uma real experiência da juventude, da “coisa em si”, senão o cultivo de um “pequeno privilégio” à sua maneira, que é a maneira de um espectador que se diverte ao observar a si próprio e àqueles que estão à sua volta. Strether não vive de fato como um jovem, não se embriaga, não galanteia, não compõe sonetos. Ele paga tributo à juventude ao vivê-la vicariamente na juventude manifesta na relação amorosa de Madame de Vionnet e Chad Newsome (“a despeito de seus cabelos brancos”): “Embora seja bastante jovem, esse meu casal, não digo que se encontre em pleno viço da adolescência; pois não se trata disso. O ponto é que são meus. Sim, são a minha mocidade; porque, de algum modo, na época apropriada, nada jamais foi” (JAMES, 2010JAMES, Henry. Os Embaixadores. Tradução de Marcelo Pen Parreira. São Paulo: Cosac Naify, 2010., p. 324-325).

Um romance de formação em que a Bildung do protagonista é reversa e vicária aponta para uma crise na relação entre o cronótopo da formação e o tempo histórico - tempo ele próprio cronotópico - que caracteriza essa modalidade romanesca; aponta, quiçá, para uma crise na própria noção moderna de tempo histórico tal como figurada no romance. Para compreender o modo como essa crise do tempo é figurada em Os Embaixadores, é necessário mostrar como James subverte a função do “fim” e a configuração narrativa do tempo do clássico Bildungsroman.

Krisis: a tragédia da formação em Os Embaixadores

De acordo com Franco Moretti, o Bildungsroman clássico busca uma solução harmoniosa para um conflito típico das sociedades capitalistas, liberais e democráticas: nelas, como atesta o Self-reliance de Emerson, o indivíduo tem o direito de se autodeterminar, de escolher sua própria ética, sua própria ideia de felicidade; por outro lado, vê-se obrigado a integrar um sistema social e adequar-se a uma certa ideia de normalidade. No Bildungsroman do final do século XVIII e início do XIX, os polos opostos da autodeterminação e da sociabilização do protagonista, embora se encontrem em tensão ao longo do enredo, assumem, no fim, um compromisso: a formação da personalidade do indivíduo, em si e para si, coincide com sua sociabilização, sua integração no todo social (MORETTI, 2020MORETTI, Franco. Romance de Formação. Tradução de Natasha Belfort Palmeira. São Paulo: Todavia, 2020., p. 41-54). No Wilhelm Meister, especificamente, os princípios de “Autonomia (formar-se a si mesmo), Totalidade (formação plena) e, ainda, Harmonia (a ‘inclinação irresistível’ por formação harmônica)”, são os motivos condutores do enredo (MAZZARI, 2010MAZZARI, Marcus Vinicius. Labirintos da aprendizagem: pacto fáustico, romance de formação e outros temas de literatura comparada. São Paulo: Editora 34 , 2010., p. 113). O compromisso que une esses três princípios é alcançado, no fim do romance, pelo casamento, em geral uma mésalliance que une burguesia e aristocracia, cujo símbolo máximo é o anel. Como vimos, o anel é também o signo da própria forma do enredo: o casamento encerra o tempo da Bildung, ou seja, substitui o tempo cronotópico, histórico, teleológico e irreversível, por uma temporalidade homogênea, um tempo que passa sem nada transformar (ou formar). O fim do clássico romance de formação toma de empréstimo o “final feliz” dos contos de fada e “o tempo é transfigurado pelo sentido que tornou possível sua instauração” (MORETTI, 2020MORETTI, Franco. Romance de Formação. Tradução de Natasha Belfort Palmeira. São Paulo: Todavia, 2020., p. 188).

No entanto, nos romances de formação produzidos do período da Restauração, que se segue às Guerras Napoleônicas, ao início do século XX, a síntese entre autodeterminação e sociabilização, entre liberdade e felicidade não é mais possível. O conflito, a tensão entre esses dois polos não é eliminada pela realização plena do sentido do enredo no seu fim. O “final feliz” é substituído por um final infeliz ou inconcluso, incapaz de realizar o sentido do enredo (MORETTI, 2020MORETTI, Franco. Romance de Formação. Tradução de Natasha Belfort Palmeira. São Paulo: Todavia, 2020., p. 188-190).

Finais infelizes e inconclusos são típicos da ficção jamesiana. Em seu famoso ensaio “A arte da ficção”, James declara que “a conclusão de um romance é, para muitas pessoas, como a de um bom jantar, e o artista na ficção é visto como uma espécie de médico chato que proíbe prazeres supérfluos” (JAMES, 2011JAMES, Henry. A arte da ficção. In: JAMES, Henry. A arte da ficção. Tradução de Daniel Piza. Osasco: Novo Século, 2011. p. 11-10., p. 17). No final de Os Embaixadores, a despeito de ter falhado em sua missão e, portanto, frustrado sua expectativa inicial de se casar com a abastada Mrs. Newsome; a despeito da perspectiva bem mais atraente de permanecer na Europa e casar-se com Maria Gostrey, Strether decide retornar a Wollett e, possivelmente, enfrentar a ira (ou o desprezo) de sua antiga noiva.

Como em outros romances do autor, o caráter inconcluso do enredo é a marca de uma sociabilização malograda do protagonista, da incapacidade de integrar-se plenamente ao mundo social, seja aquele de origem (Woolett), seja aquele que constitui o espaço privilegiado de sua Bildung (a Europa; Paris). O fim do romance é convertido, como notei acima, em retorno ao ponto de partida; mas se trata, agora, de um ponto de partida que foi alterado, ao menos para o protagonista, pela ação do tempo de sua Bildung. O diálogo final entre Strether e Maria Gostrey é significativo nesse sentido:

“Por que o senhor quer voltar?” “Não sei. Sempre haverá algo.” “Com uma grande diferença”, ela disse enquanto segurava sua mão. “Uma grande diferença - sem dúvida. Mesmo assim verei o que posso fazer.” [...] “Não há nada, sabe, que eu não faça pelo senhor.” “Oh, sim... eu sei.” “Não há nada”, ela repetiu, “no mundo.” “Eu sei. Eu sei. Mesmo assim preciso ir.” Ele conseguiu, enfim, dizer. “Para ter razão.” “Para ter razão?” [...] “Como vê, é aí que reside minha única lógica. A de não ter tirado nenhum proveito pessoal de toda a história.” Ela refletiu. “Mas, com as impressões maravilhosas que o senhor obteve, há de ter tido um grande proveito.” “Um grande proveito”, ele concordou. (JAMES, 2010JAMES, Henry. Os Embaixadores. Tradução de Marcelo Pen Parreira. São Paulo: Cosac Naify, 2010., p. 560)

No início do romance, a nostalgia de um estado pré-lapsariano de unidade plena entre o “eu” e o “si mesmo” e entre o “eu” e o mundo converte-se na nostalgia da juventude perdida e põe em marcha a Bildung do protagonista, seu processo de redenção. No fim, contudo, a redenção não se apresenta como a realização perfeita do sentido da trajetória - o anel não se fecha, o casamento não encerra o enredo -, senão como uma volta ao ponto de partida, ainda que, nessa volta, faça-se ver a marca do processo como uma “grande diferença”, “um grande proveito”.

A recuperação do passado, o retorno a ele - seja à juventude, seja a Woolett - projetam-no no futuro, no fim inconcluso, aberto, do romance. Trata-se de uma modalidade estética de temporalização do tempo associada ao uso de uma das técnicas narrativas que subjazem ao “realismo subjetivo” jamesiano: em muitos momentos, a história é narrada retrospectivamente, do ponto de vista das lembranças que Strether viria a ter, no futuro, da situação passada narrada no presente. Por exemplo, a certo ponto, o narrador anuncia que Strether “situava-se ali bem no início de uma condição com respeito à qual, mais tarde, como veremos, encontraria motivos para parar e refletir; e assim se recordaria daquele momento como o primeiro passo do processo” (JAMES, 2010JAMES, Henry. Os Embaixadores. Tradução de Marcelo Pen Parreira. São Paulo: Cosac Naify, 2010., p. 134). Aqui, como nota Armstrong, “James retrata em conjunto o imediatismo da experiência de Strether e as meditações reflexivas do futuro que se refletem nele como parte do passado” (ARMSTRONG, 1987ARMSTRONG, Paul B. The Challenge of Bewilderment: Understanding and representation in James, Conrad, and Ford. Ithaca: Cornell University Press, 1987., p. 94).

O uso dessa técnica, a representação de um “passado futuro”, ocorre reiteradamente ao longo da trama. O centro do foco narrativo é, nesses casos, a consciência do protagonista, mas não sua apreensão de uma determinada situação “real” no momento que vive essa situação; senão de sua consciência no momento em que a rememora. Essa visão retrospectiva, a visão da memória, é “volta do parafuso” do perspectivismo jamesiano. É, também, a visão desenvolvida na maturidade, a visão da juventude encerrada - e mesmo da juventude desperdiçada - que, no entanto, permite ao herói formar-se, na medida mesma em que se torna capaz de ver.

Passado futuro. A temporalidade da Bildung, em Os Embaixadores, figura a temporalização do tempo na modernidade e, paradoxalmente, a subverte. Como argumenta Koselleck, o conceito moderno de Bildung “surge tanto em decorrência do Iluminismo quanto em resposta a ele” (KOSELLECK, 2020KOSELLECK, Reinhart. Sobre a estrutura antropológica e semântica do conceito de Bildung In: KOSELLECK, Reinhart. Histórias de conceitos. Rio de Janeiro: Contraponto , 2020. p. 115-168. , p. 126). Um ideal de aperfeiçoamento da subjetividade como o da Bildung depende do desmantelamento das estruturas estamentais do Antigo Regime; depende da possibilidade de uma relativa mobilidade social do indivíduo (MORETTI, 2020MORETTI, Franco. Romance de Formação. Tradução de Natasha Belfort Palmeira. São Paulo: Todavia, 2020., p. 28). Contudo, essa mobilidade é apenas relativa, na medida em que a Bildung é um ideal aristocrático, ainda que se refira a uma aristocracia do espírito, socialmente encarnada na burguesia culta (Bildungsbürgertum).6 6 Vale notar que, para Koselleck, embora a Bildung permaneça “na dependência de pressupostos econômicos e de condições políticas para poder se desdobrar [...], não é suficiente deduzir causalmente a Bildung dessas condições” (KOSELLECK, 2020, p. 118). Assim, a temporalidade da Bildung, no romance de formação canônico, abre-se para o futuro sem que essa abertura implique uma desvalorização da tradição. Trata-se, entretanto, de um equilíbrio extremamente precário. Um século depois da emergência do conceito moderno de Bildung, o progresso e a aceleração, como signos máximos da moderna temporalização do tempo, põem em risco de dissolução o frágil vínculo entre presente e passado. Esse risco se encontra na base da crise da Bildung.

A crise remete a uma temporalidade em que a ideia iluminista de progresso converteu-se naquilo que James chama, em The American Scene, de “vontade de crescer” (JAMES, 1993, p. 400). A vontade de crescer é a epítome da alta modernidade. Mas, é também a epítome da cultura americana. Por um lado, “vontade de crescer” é um velho topos do transcendentalismo romântico. Um topos que indica a supremacia do presente sobre o passado e o impulso de destruição do passado pelo presente em nome do futuro; indica, também, a valorização da centralidade do self. Por outro lado, James percebe com clareza que, na virada do século XX, a “vontade de crescer estava, por toda parte, escrita, e de crescer não importa às custas de que ou de quem” (JAMES, 1993, p. 400). A cultura moderna - cuja metonímia é a cultura norte-americana - é descrita por James como marcada por uma reprodução tão acelerada das inovações tecnológicas, científicas e da cultura material que o indivíduo não é capaz de incorporar à sua subjetividade, transformando-as em parte do processo de formação da sua personalidade. James descreve um fenômeno muito semelhante àquele que Simmel classifica como a “tragédia da cultura”, resultado da discrepância entre “a cultura monstruosa que se encarnou nos últimos 100 anos em coisas e conhecimentos” e “um retrocesso da cultura dos indivíduos com relação à espiritualidade, delicadeza e idealismo (SIMMEL, 2005SIMMEL, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito. Tradução de Leopoldo Waizbort. Mana, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 577-591, 2005. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3yHsqpL . Acesso em: 11 out. 2022.
https://bit.ly/3yHsqpL...
, p. 588).

Se o tempo da Bildung, em Wilhelm Meister e Orgulho e Preconceito, possui, como quer Moretti, uma certa vocação conservadora, que reage tanto ao caráter cíclico do tempo do Antigo Regime e das sociedades tradicionais quanto ao tempo das rupturas revolucionárias e do progresso iluminista, o tempo da Bildung de Strether, reversa e vicária, converte-se em cronótopo da tragédia da Bildung. Ou antes, o fim inconcluso e a volta ao ponto de partida, que caracterizam a formação tardia do protagonista de Os Embaixadores, constituem a forma peculiar pela qual seu autor figura a tragédia da Bildung, transformando o “futuro passado”, que caracteriza a moderna temporalização do tempo, em “passado futuro”.

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  • TAYLOR, Andrew. Henry James and the father question. Cambridge: Cambridge University Press, 2002.
  • 1
    Simmel não utiliza o termo Bildung no ensaio O conceito e a tragédia da cultura (1911), mas seu uso do termo “cultura” é muito próximo ao sentido do conceito de Bildung. Sobre a relação entre Bildung e Kultur, ver Gueus (1996GUEUS, Raymond. Kultur, Bildung, Geist. History & Theory, Middletown, v. 25, n. 2, p. 152-164, 1996. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3I0Y99k . Acesso em: 05 out. 2022.
    https://bit.ly/3I0Y99k...
    ) e Ringer (2000RINGER, Fritz. Racionalidade e cultura. In: RINGER, Fritz. O declínio dos mandarins alemães: a comunidade acadêmica alemã, 1890-1933. São Paulo: EdUSP, 2000. p. 92-98.).
  • 2
    No caso do romance de Goethe, esse processo se inicia com o afastamento da profissão, do lar e da classe social paternos e se completa, no desenlace do enredo, com uma harmoniosa mésalliance.
  • 3
    Koselleck argumenta que a Bildung é uma forma de vida autocrítica e autorreflexiva, aberta política e socialmente, distinguindo-se tanto de Dumont, que a insere em um sistema ideológico, quanto de Moretti, que a associa à dinâmica das sociedades capitalistas.
  • 4
    Mazzari organizou uma coletânea que inclui na modalidade do romance de formação obras que estão fora do cânone mínimo alemão e mesmo das literaturas ocidentais. Jeffers, em texto sobre o Bildungsroman feminino, dedica-se a duas obras de Henry James.
  • 5
    Nesse ponto, minha análise segue a de Dumont (1974DUMONT, Louis. Wilhelm von Humboldt, or Bildung alive. In: DUMONT, Louis. German Ideology: from France to Germany and back. Chicago: The University of Chicago Press, 1994. p. 82-144.) e Duarte (2004DUARTE, Luiz Fernando Dias. A pulsão romântica e as ciências humanas no Ocidente. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 19, n. 55, p. 5-18, 2004. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3T7tqvu . Acesso em: 05 ago. 2022.
    https://bit.ly/3T7tqvu...
    ) e se distancia da análise semântico-estrutural de Koselleck (2020KOSELLECK, Reinhart. Sobre a estrutura antropológica e semântica do conceito de Bildung In: KOSELLECK, Reinhart. Histórias de conceitos. Rio de Janeiro: Contraponto , 2020. p. 115-168. ), para quem o caráter autocrítico da Bildung garante sua autonomia em relação a movimentos estéticos e filosóficos específicos.
  • 6
    Vale notar que, para Koselleck, embora a Bildung permaneça “na dependência de pressupostos econômicos e de condições políticas para poder se desdobrar [...], não é suficiente deduzir causalmente a Bildung dessas condições” (KOSELLECK, 2020KOSELLECK, Reinhart. Sobre a estrutura antropológica e semântica do conceito de Bildung In: KOSELLECK, Reinhart. Histórias de conceitos. Rio de Janeiro: Contraponto , 2020. p. 115-168. , p. 118).

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    Não se aplica.
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Flávia Varella - Editora-chefe Fábio Duarte Joly - Editor executivo

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Out 2022
  • Revisado
    20 Jan 2023
  • Aceito
    24 Fev 2023
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