Acessibilidade / Reportar erro

A Institucionalidade da Justiça Ambiental em Projeto de REDD+ Offset

Resumo

Este artigo apresenta a análise institucional comparada na implementação do padrão Clima, Comunidade e Biodiversidade, da Verra, para um Projeto de REDD+ offset na Amazônia brasileira e os resultados derivados da justiça ambiental (JA). A partir do Institutional Analysis and Development Framework, o artigo identifica interação entre arenas e regras formais e informais nos resultados da JA seguindo o estudo de caso de um Projeto de REDD+ offset. O artigo aponta para a importância da arena operacional e do trabalho institucional dos atores locais nos resultados dos Projetos de REDD+ offset quanto aos aspectos da JA.

Palavras-chave:
REDD+ offset; padrão CCB; instituições; justiça ambiental; Amazônia

Abstract

This article presents a comparative institutional analysis of the implementation of the Climate, Community and Biodiversity Standard, of Verra, for a REDD+ offset Project in the Brazilian Amazon and the results from Environmental Justice (EJ). Based on the Institutional Analysis and Development Framework, the article identifies interactions between political arenas and formal and informal rules in the results of EJ following the case study of a REDD+ offset Project. The article points to the importance of the operational local arena and the institutional work of local players in the results of REDD+ offset Projects regarding EJ aspects.

Keywords:
REDD+ offset; CCB standard; institutions; environmental justice; Amazon

Resumen

Este artículo presenta un análisis institucional comparado de la implementación del padrón Clima, Comunidad y Biodiversidad de Verra, para un Proyecto de REDD+ compensado en la Amazonia brasileña y los resultados derivados de la justicia ambiental (JA). A partir del Marco de Análisis y Desarrollo Institucional, el artículo identifica la interacción entre arenas, registros formales e información de los resultados de JA siguiendo el estudio de caso de un Proyecto de compensación REDD+. El artigo aponta para la importancia del ámbito operacional y del trabajo institucional de los actores locales en los resultados de los Proyectos de REDD+ compensados en cuanto a los aspectos de JA.

Palabras-clave:
REDD+ voluntario; estándar CCB; instituciones; justicia ambiental; Amazonía

Introdução

O artigo deve ser formatado através do programa Word for Windows, com a busca por arranjos institucionais que garantam estratégias de redução das emissões de gases de efeito estufa para fins de regulação climática, se tornou uma agenda importante nas negociações multilaterais entre países e jurisdições, no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (UNFCCC) e das reuniões da Conferência das Partes (COP). O Protocolo de Kyoto, negociado na COP3 em 1997, foi o primeiro a estabelecer o mercado regulado de carbono dentro do sistema da Organização das Nações Unidas (ONU), determinando o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) como método base para o mercado regulado de carbono entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento (EULER, 2016EULER, A. O acordo de Paris e o futuro do REDD+ no Brasil, 2016. Available at: https://www.alice.cnptia.embrapa.br/handle/doc/1055679. Accessed on: Jun 27. 2022.
https://www.alice.cnptia.embrapa.br/hand...
).

Em 2005, iniciou-se a discussão na COP11, em Montreal, sobre outra estratégia de mercado que incluiria arranjos privados e negociação em mercado voluntário somado ao mercado regulado chamado REDD+ (Reducing Emission from Forestation and Degradation). O REDD+ tornou-se parte da estratégia climática da UNFCCC na COP 16 em 2010 ano em que foram definidas as Salvaguardas de Cancun (SC) (BRASIL, 2015). Na COP 19, em2013, o Marco de Varsóvia definiu a “arquitetura das regras internacionais” para o REDD+ (EULER, 2016EULER, A. O acordo de Paris e o futuro do REDD+ no Brasil, 2016. Available at: https://www.alice.cnptia.embrapa.br/handle/doc/1055679. Accessed on: Jun 27. 2022.
https://www.alice.cnptia.embrapa.br/hand...
).

O REDD+ se refere a um amplo conjunto de ações voltadas à redução do desmatamento e degradação florestal, mais incentivo a mecanismos de pagamentos pelos serviços ecossistêmicos que garantam o aumento dos estoques de carbono florestal através da conservação e manejo sustentável da floresta (SARTORI; LATRÔNICO; CAMPOS, 2014SARTORI, S.; LATRÔNICO, F.; CAMPOS, L. Sustentabilidade e desenvolvimento sustentável: uma taxonomia no campo da literatura. Ambiente & Sociedade, v. 17, p. 1-22, 2014.; SOUZA, 2013SOUZA, C. A construção da estratégia brasileira de REDD: a simplificação do debate na priorização da Amazônia. Ambiente & Sociedade, v. 16, p. 99-116, 2013.). O REDD+ é uma das estratégias de governança dos serviços ecossistêmicos, dirigida pelo Estado ou por entes privados que vem ganhando força no Brasil (SEROA DA MOTTA et al., 2020SEROA DA MOTTA, R, COSTA, P, CENAMO, M, SOARES, P, VIANA, V, SALVIATI, V, BERNASCONI, P, THUAULT, A, RIBEIRO, P. Financing Forest Protection with Integrated REDD+ Markets in Brazil. Springer Climate, p. 243-255, 2020., SOUZA, 2013). Neste artigo focamos nos projetos de REDD+ para fins de conservação e manutenção da floresta em pé, voltados ao mercado voluntário de compensação de carbono, o qual denominamos de REDD+ offset.

No mercado voluntário, a empresa Verra está entre as certificadoras mais procuradas por investidores, contando com 1.775 projetos certificados e 944 milhões de unidades de carbono verificados e distribuídos em todos os continentes do globo, de acordo com dados disponibilizados em seu próprio site. Além do padrão de Carbono Verificável (Verified Carbon Standard - VCS, compatível com o ISO 14064) usado para quantificar as unidades de carbono, a empresa criou o padrão Clima, Comunidade e Biodiversidade (Climate, Community and Biodiversity Standard - CCB) como certificação de qualidade do projeto para aspectos de justiça ambiental.

As SC estabelecem salvaguardas ambientais que foram adotadas nacional e internacionalmente como parâmetro de garantia da justiça ambiental (JA) em Projetos de REDD+ offset. A criação do CCB, em diálogo com as SC, é uma resposta ao adensamento das críticas aos programas e projetos de mercado de carbono quanto aos seus impactos negativos às populações locais (SARTORI; LATRÔNICO, CAMPOS, 2014SARTORI, S.; LATRÔNICO, F.; CAMPOS, L. Sustentabilidade e desenvolvimento sustentável: uma taxonomia no campo da literatura. Ambiente & Sociedade, v. 17, p. 1-22, 2014.; MARÍN-HERRERA; CORREA-CORREA; BLANCO-WELLS, 2021MARÍN-HERRERA, M.; CORREA-CORREA, H.; BLANCO-WELLS, G. Territorialización de la estrategia REDD+ en el pueblo indígena bribri, Talamanca, Costa Rica. Ambiente & Sociedade, v. 24, p. 1-22, 2021.).

Estes padrões determinam as instituições formais (IF) que devem ser criadas pelo Projeto de REDD+ offset no intuito de gerar mudança institucional necessária para melhoria da governança dos serviços ecossistêmicos. No arranjo institucional do REDD+ offset, o acesso livre e a transparência das informações sobre o projeto são garantidos pela certificadora. São os empreendedores de carbono, “traders” e “brokers” do mercado voluntário que devem se preocupar em assegurar a qualidade do projeto quanto ao cumprimento dos padrões.

No entanto, não é possível afirmar que o mercado escolha comprar créditos de carbono (CC) de projetos com a melhor performance ambiental e social, resultando em um desacoplamento entre os mecanismos de punição e incentivo, fundamentais para que as regras sejam observadas (NORTH, 1990NORTH, D. Institutions, Institutional Change and Economic Performance. Cambridge: Cambridge University Press, 1990). Estas falhas refletem no amplo questionamento dos Projetos de REDD+ offset quanto aos aspectos de JA (MILNE; MAHANTY, 2019MILNE, S.; MAHANTY, S. Value and bureaucratic violence in the green economy. Geoforum, v. 98, p. 133-143, 2019.) e na perpetuação de seus resultados de eficácia de conservação ao longo do tempo (CARRILHO et al., 2022CARRILHO, C. et al. Permanence of avoided deforestation in a Transamazon REDD+ initiative (Pará, Brazil) Hal Inrae, 2022. Disponível em: https://hal.inrae.fr/hal-03614704. Accessed on: Jun 17. 2022.
https://hal.inrae.fr/hal-03614704...
).

Embora a implementação do CCB tenha surgido como medida mitigadora aos impactos relacionados à JA de projetos de REDD+ offset, são poucos os trabalhos que se dedicam à compreensão das mudanças institucionais locais operadas pelo padrão na promoção de JA. Este artigo pretende refletir sobre os aspectos operacionais da mudança institucional pretendida pelas instituições formais (IF) (e.g.; “de-jure rules”) criadas pelo CCB 2.0/ ouro.

Para tanto, o artigo propõe a análise institucional comparada das regras formais (RF) e regras em uso (RU) (e.g.; “rules in use”) (SESSIN-DILASCIO et al., 2015SESSIN-DILASCIO, K. et al. The dynamics of co-management and social capital in protected area management - The cardoso island state park in Brazil. World Development, v. 67, p. 475-489, 2015.), derivadas do trabalho institucional (TraIN) realizado pela coalização local no equacionamento das instituições informais (INF) e RF, na arena operacional (PAVANELLI et al., 2022PAVANELLI, JMM; OLIVEIRA, CE de; IBEROAMERICANA, AT Igari - Revibec: revista; 2022, undefined. O desafio das mudanças institucionais na economia ecológica. raco.cat, v.35, n. 1, p. 36-55, 2022.). O artigo pretende contribuir para a reflexão sobre a importância da arena operacional e do TraIN dos agentes locais nos resultados dos Projetos de REDD+ offset quanto aos aspectos da JA e apontar possíveis caminhos para o aperfeiçoamento dos arranjos institucionais das certificadoras e outras instituições interessadas no tema.

1.1 A Teoria Institucional e a Arena Operacional

A teoria institucional segue uma longa história de produção teórica e metodológica, em diferentes campos do conhecimento e em diferentes abordagens (MORGAN et al., 2010MORGAN, G; CAMPBELL, J; CROUCH, C; PEDERSEN, O.K. The Oxford handbook of comparative institutional analysis. [S. l.: s. n.], 2010. Accessed on: Jun 21. 2022.). Para Hodgson (2006HODGSON, G. M. What are institutions? Journal of Economic Issues, v. 40, n. 1, p. 1-25, 2006.) instituições podem ser definidas como sistemas de regras estabelecidos e enraizados na sociedade com a função de estruturar interações sociais, havendo instituições formais (IF) e informais (INF) (HODGSON, 2006HODGSON, G. M. What are institutions? Journal of Economic Issues, v. 40, n. 1, p. 1-25, 2006.).

North esclarece que, IF são aquelas que quando quebradas, implicam em sanções legais aplicadas por um tipo específico de organização, ao passo que o não cumprimento das INF são sancionadas pelo meio social (NORTH, 1990NORTH, D. Institutions, Institutional Change and Economic Performance. Cambridge: Cambridge University Press, 1990). Hodgson (2006HODGSON, G. M. What are institutions? Journal of Economic Issues, v. 40, n. 1, p. 1-25, 2006.) destaca o fato de que não existe separação clara entre IF e INF, pois mesmo aquelas claramente formais, como o caso das leis, por exemplo, não se fazem valer sem que haja elementos tácitos (informais) na sua aplicação. Por isso, regras informais (RI) são difíceis de serem codificadas e identificadas.

Considerando as IF, é possível distingui-las entre aquelas “de-jure” definidas por regramentos normatizados e, aquelas em uso (“de facto”) (SESSIN-DILASCIO et al., 2015SESSIN-DILASCIO, K. et al. The dynamics of co-management and social capital in protected area management - The cardoso island state park in Brazil. World Development, v. 67, p. 475-489, 2015.). No Brasil, essa constatação deu origem à expressão “pegar/ não pegar” aplicada à lei, mostrando que uma lei devidamente regulamentada não necessariamente é aplicável numa sociedade, dependendo para isso que elementos informais (e.g. costumes, hábitos e outros) sejam equacionados aos elementos formais (PANIZZA; DE BRITO, 1998PANIZZA, F.; DE BRITO, A. B. The politics of human rights in democratic Brazil: “A Lei Näo Pega.” Democratization, v. 5, n. 4, p. 20-51, 1998.). A pluralidade institucional dificulta a avaliação dos aspectos de mudança institucional, dirigida pela criação de uma norma, ou por uma mudança de hábito social.

Pavanelli et al. (2022PAVANELLI, JMM; OLIVEIRA, CE de; IBEROAMERICANA, AT Igari - Revibec: revista; 2022, undefined. O desafio das mudanças institucionais na economia ecológica. raco.cat, v.35, n. 1, p. 36-55, 2022.) sugerem a inserção de novas variáveis analíticas a partir do Institutional Analysis and Development Framework (IAD), elaborado por Ostrom (2005OSTROM, Elinor. Doing Institutional Analysis Digging Deeper Than Markets and Hierarchies. Handbook of New Institutional Economics, p. 819-848, 27 out. 2005. https://doi.org/10.1007/0-387-25092-1_31.
https://doi.org/10.1007/0-387-25092-1_31...
, 2008) e Ostrom e Basurto (2011), a fim de compreender como ocorre a mudança institucional no contexto da política energética brasileira. Esta reformulação considera as condições biofísicas; os atributos de comunidades como dotações sociais (e.g. modelos mentais, capital simbólico, ideologia, capital social, político e humano) e dotações econômicas (e.g. capital financeiro, tecnológico e infraestrutura) que em interação podem produzir novas coalizões para a mudança institucional perpassando pelas arenas: meta-constitucional, constitucional, escolhas coletivas e nível operacional das RF.

Muitos estudos sobre mudança institucional focam na análise sobre estabilidade e reprodução ancoradas no conceito de “path-dependence” como explicação lógica da reprodução e estabilidade das instituições por influência de eventos precedentes (lock-in). A substância da mudança é mais difícil de ser caracterizada ontologicamente, e não será foco deste artigo. Preferiu-se focar na análise institucional comparada (MORGAN et al., 2010MORGAN, G; CAMPBELL, J; CROUCH, C; PEDERSEN, O.K. The Oxford handbook of comparative institutional analysis. [S. l.: s. n.], 2010. Accessed on: Jun 21. 2022.) das RF e RU a partir do estudo de caso do projeto de REDD+ offset de Valparaíso.

A hipótese deste artigo é que conflitos relacionados a projetos de REDD+ offset quanto aos aspectos de JA são resultado das dificuldades operacionais em se fazer valer as IF à realidade dos territórios (arena operacional) e de diferenciar as instituições “de-jure” e em uso, resultado do TraIN das coalizões locais.

2 Metodologia

O método deste artigo se apoia na análise institucional comparada (AIC) (MORGAN et al., 2010MORGAN, G; CAMPBELL, J; CROUCH, C; PEDERSEN, O.K. The Oxford handbook of comparative institutional analysis. [S. l.: s. n.], 2010. Accessed on: Jun 21. 2022.) a partir do estudo de caso (YIN, 1989YIN, K. Estudo de caso: design e métodos. [S. l.]: Sage Publications Inc, 1989.) do projeto Valparaíso. São comparadas as RF (“de-jure”), derivadas das diferentes arenas, às RU do projeto de REDD+ offset Valparaíso. Seguindo a literatura (JESPERSEN; GALLEMORE, 2018JESPERSEN, K.; GALLEMORE, C. The institutional work of payments for ecosystem services: why the mundane should matter. Ecological Economics, v. 146, p. 507-519, 2018.), as RU derivam do TraIN da coalização local, no equacionamento das IF e INF. O framework da Figura 1 contribui para a identificação de categorias analíticas que foram incorporadas ao AIC.

Figura 1
Framework de análise institucional do projeto de REDD+.

A análise do histórico de consolidação do mecanismo de REDD+ possibilitou a identificação das diferentes arenas e RF relativas ao JA. Adicionalmente, realizou-se 21 entrevistas abertas com stakeholders envolvidos em projetos de REDD+ offset e jurisdicional, seguindo o método de snowball (PARKER; SCOTT; GEDDES, 2020). Foram entrevistados técnicos, ativistas ambientais, funcionários do Estado, organizações da sociedade civil e indígenas que de alguma forma estiveram envolvidos com projetos de REDD+. Estas entrevistas contribuíram para a compreender as arenas relacionadas à tomada de decisão de projetos de REDD+.

A análise de conteúdo (SESSIN-DILASCIO et al., 2022DILASCIO, K.; ROSSI, C.; SINISGALLI, P. Técnica de Análise da Participação Social em Conselhos: Operacionalizando Conceitos. Revista de Administração Contemporânea, 2022.) apoiou a pesquisa documental categorial para a identificação e categorização das IF do CCB 2.0/ ouro, assim como a sua aplicação na realidade concreta a partir dos relatórios de monitoramento, comunicação e verificação (MRV) terceira parte, disponíveis no site da Verra. Foram coletadas notícias de jornais sobre o projeto, e informações dos sites das empresas associadas ao projeto Valparaíso. O banco de dados somou 72 documentos entre relatórios e projetos publicados no período de 2011 a 2021 (10 anos), dois relatórios descritivos sobre o padrão CCB (edição 2.0 - nível ouro e edição 3.0), o padrão VCS (edição 3.0) e 5 notícias de jornais.

No período de revisão do artigo, também foram realizadas entrevistas com uma auditora e um analista de projetos da Verra em Cruzeiro do Sul/AC, em situações de discussão sobre o projeto Valparaíso. Os dados destas entrevistas foram de grande importância para a compreensão sobre como são operacionalizadas as auditorias por terceira parte e o monitoramento dos projetos de REDD+ da Verra, assim como a dimensão de influência da auditoria e dos dados locais na redefinição dos objetivos do projeto e na avaliação das RF.

Todos estes dados contribuíram para a identificação das RF e suas respectivas arenas, que foram organizadas da seguinte maneira: meta-constitucional (SC e regras da Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT 169), constitucional (obrigatoriedade no cumprimento da legislação e leis nacionais) e das escolhas coletivas (criadas pelo padrão CCB 2.0/ ouro).

As RF identificadas em cada arena foram cruzadas com as regras estabelecidas pelo padrão CCB edição 2.0/ nível ouro, tal como documentados do relatório CCBA (EHRHART et al., 2008EHRHART, C.; PEDRONI, L.; SALINAS, Z.; DURBIN, J.; PANFIL, S.; VERCHOT, L; LOCATELLI, B.; JANSON-SMITH, T.; FEHSE, J.; SELL, J.; BARBOSA, D.S.; SENA, K.; HAYWARD, J.; HENMAN, J.; PARSONS, M.; SHOCH, D.; SCHROEDER, M.; PETLIN, G.; KRUEGER, L.; WALKER, S.; RUDDELL, S. Aliança Clima, Comunidade & Biodiversidade Padrões para Concepção de Projetos, 2 ed., p. 2-58, 2008.) e combinadas com premissas relacionadas à concessão do padrão VCS indicando critérios, padrões, princípios e arranjos institucionais exigidos pelo padrão CCB. As RF da arena operacional do projeto Valparaíso são resultado da influência das RF de outras arenas que compõem o contexto de negociações do REDD+.

As RI, resultado de interações sociais, históricas, culturais e econômicas do território de Valparaíso, constituem elementos tácitos (informais). São regras difíceis de serem codificadas e identificadas. A identificação destas regras demandaria longo trabalho etnográfico, que foge aos objetivos deste artigo, portanto não foram descritas. Em contrapartida, o artigo focou na identificação das RU do projeto, apresentadas nos relatórios elaborados pelos auditores por terceira parte, nas anotações de caderno de campo e dos dados advindos da observação participante (SILVA; MENDES, 2013SILVA, J. M.; MENDES, E. P. Abordagem qualitativa e geografia: pesquisa documental, entrevista e observação. Pesquisa qualitativa em geografia: reflexões teórico-conceituais e aplicadas. Rio de Janeir: Eduerj, p. 207-221, 2013.) durante o desenvolvimento do projeto de auxílio emergencial à Covid-19 e a instalação de sistema de água na comunidade Foz do Valparaíso, com apoio do Instituto Fronteiras.

A observação participante auxiliou no aprofundamento da compreensão sobre a coalização local na arena operacional, a relação de feedback entre as arenas e a atuação da auditoria por terceira parte. Sobretudo, contribuiu para a análise crítica dos pesquisadores na identificação de problemas quanto a aplicação das RF do projeto, em especial aos acordos fundiários sobre a consulta à população.

Os dados obtidos em entrevista com um dos empreendedores do projeto no mês de março de 2022, no município de Cruzeiro do Sul/ AC, também forneceram elementos críticos comparativos entre as RF do CCB 2.0/ ouro e sua implicação nas práticas cotidianas da comunidade.

2.1 A caracterização do projeto Valparaíso

O Projeto de REDD+ offset do Valparaíso está localizado em um antigo seringal. A área foi concedida pela União para a extração de seringa, e por muitos anos foi gerida pelos chamados “patrões da seringa”. Muitas destas áreas são ocupadas por comunidades remanescentes de seringueiros que permaneceram em seus territórios após a queda nos preços da seringa e do abandono da gestão dos seringais.

O alto custo e a complexidade técnica do processo de certificação, somada à necessidade de investimento de longo prazo para produzir maior quantidade de carbono equivalente para garantir a rentabilidade do projeto (BOUCHER, 2015BOUCHER, D. H. The REDD+ carbon market offsets Debate: Big argument, small potatoes. Journal of Environmental Management, v. 34, p. 547-558, 2015.), leva muitos donos de terra a se associarem a outras instituições para garantir a viabilidade econômica do projeto, como aconteceu com o projeto pesquisado, cuja certificação do CC foi realizada de maneira conjunta entre Projeto Valparaíso-Russas, totalizando 70.072 hectares.

O Projeto Valparaíso fica na margem direita do rio Valparaíso, abrange 28.096 hectares de um antigo seringal, onde moram diversas famílias ribeirinhas e ex-seringueiras que formam agrupamentos comunitários. A área maior, adjacente ao rio Valparaíso, foi comprada pelo atual proprietário no ano de 1985. A área menor, próxima ao ramal Lua Clara, adquirida no ano de 1986 (Figura 2). O projeto foi implementado em área prevista como de grande potencial de conversão do uso e ocupação da terra, de floresta para pastagem, impulsionada pela pavimentação do Ramal 3 e pela continuidade do projeto de ampliação da BR-364 nas proximidades do Parque Nacional da Serra do Divisor.

Figura 2
Mapa do projeto de REDD+ Valparaíso e suas comunidades.

O processo de certificação do Projeto Valparaíso-Russas durou três anos (17/03/2011 a 07/2014). A certificação CCB 2.0/ ouro foi recebida no dia 25/06/2014. A previsão é que o projeto remova 3.123.870 toneladas de emissões equivalentes de dióxido de carbono em 10 anos. A primeira parte do projeto está previsto para durar 30 anos, entre 30/03/2011 a 18/03/2041, e há indicação dos proponentes do projeto em manter a cobertura florestal por 110 anos, mesmo fora do período de duração da certificação (EATON et al., 2013).

3 Resultados e Discussões

3.1 Análise Institucional Comparada: A Interação entre Instituições Formais (If) e Informais (Inf) na Arena Operacional

3.1.1 As instituições formais do padrão CCB e as Salvaguardas de Cancún

Na Amazônia legal brasileira, a Verra é a principal certificadora de projetos voluntários de carbono. Entre seus projetos, metade (15-51,7%) receberam a certificação CCB. O CCB 2.0 estabelece quinze critérios de justiça ambiental e mais três opcionais para atingir o nível ouro (CCB 2.0/ouro). O documento descritivo dos critérios do CCB 2.0/ ouro aponta para a integração com as SC, com exceção da salvaguarda n° 2 (SC2) relacionada a governança florestal nacional. Este artigo usou as definições das SC para estabelecer os parâmetros operativos comparativos de já entre as IF, do CCB 2.0/ ouro e as RU, derivadas da interação entre IF, INF e o TraIN.

Tabela 1
Resultado da análise comparativa entre as instituições formais exigidas pelo padrão CCB 2.0/ouro e as salvaguardas (SC).

A SC4, estabelece regras relacionadas à participação plena e efetiva das partes interessadas, especialmente as comunidades tradicionais. O padrão aponta para a necessidade de tornar acessível às comunidades a documentação completa do projeto na língua local. Deve-se provar que foram realizados encontros amplamente divulgados e, que as medidas necessárias foram adotadas para garantir a efetiva participação de maneira equitativa para os grupos afetados. Há obrigatoriedade em demonstrar que as informações sobre os potenciais custos, riscos e benefícios do projeto foram fornecidas às comunidades de maneira compreensível, inclusive descrevendo os métodos de comunicação utilizado.

A SC5 aponta para ações consistentes de conservação das florestas naturais e diversidade biológica e o incentivo para a proteção e conservação dos serviços ecossistêmicos, assim como benefícios sociais e ambientais. Existe a necessidade de estimar os impactos que geram mudanças no bem-estar dos grupos comunitários afetados em relação a todos os serviços ecossistêmicos importantes para as comunidades, sendo que quaisquer impactos negativos neste âmbito devem ser mitigados, demonstrando que os impactos líquidos são positivos para os comunitários.

Em relação às medidas para evitar riscos de reversão (SC6) e deslocamento (SC7) do desmatamento para outras áreas, o padrão garante que serão identificados os riscos naturais e os induzidos pelo homem e que deverão ser realizadas medidas para evitar ou mitigar estes riscos, inclusive sobre a biodiversidade fora da zona do projeto, comparando-os com os benefícios líquidos do projeto relacionado.

3.1.2 A operacionalização das instituições formais no projeto Valparaíso

Esta sessão analisará o TraIN operado pelos atores relacionados ao Projeto Valparaíso, em especial as empresas responsáveis pelo projeto, a certificadora Verra, empresa de auditoria por terceira parte e a comunidade da Foz do Valparaíso que vive na área destinada ao projeto. A Tabela 2 apresenta a comparação entre as IF, derivadas do padrão CCB 2.0/ ouro e das SC, as atividades estabelecidas pelas empresas empreendedoras do Projeto Valparaíso, e as regras em uso derivadas do TraIN dos atores sociais relacionados.

Segundo dados dos relatórios de auditoria, o mapeamento georreferenciado da área do Projeto não foi concluído, assim como não há registro da área no SIGEF (Sistema de Gestão Fundiária) do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) para fins de emissão do CCIR (Certificado de Cadastro de Imóvel Rural) até o presente momento, o que acarreta o não cumprimento da (SC1). É costumeiro no Acre que contratos de compra e venda sejam firmados verbalmente sem observar os requisitos legais como para este tipo de transação.

Quanto ao direito à terra das populações que vivem na área do projeto (SC3), há o comprometimento pelo empreendedor para a transferência de lotes titulados para os comunitários. Os contratos de posse da terra assinados pelos comunitários não estão disponíveis para livre acesso no site do Projeto na Verra. Até o momento, os documentos disponíveis do projeto não são esclarecedores, não deixando claro para as comunidades qual será, de fato, o tamanho dos lotes o momento da transferência da titularidade aos comunitários, nem o contrato vinculante a esta transferência. Os dados de observação participante também indicaram vulnerabilidade das comunidades quanto às áreas de uso que serão destinadas para a caça, criação de animais e para o roçado.

Para os indicadores relacionados ao processo de transparência de dados (SC4) e CPLI (SC4), no site da Verra estão disponibilizados alguns dos documentos do projeto. No entanto, há vários documentos com informações similares, com o mesmo título e inclusive documentos repetidos, alguns contendo até mesmo indicações de revisão do Word. Assim, não há clareza sobre qual a estrutura lógica por trás das inúmeras versões e repetições. Os documentos não são nomeados de maneira a facilitar sua identificação quanto ao processo de certificação e validação a que estariam relacionados, nem mesmo aos indicadores dos padrões VCS ou CCB. Estes pontos somados dificultam uma análise mais apurada do projeto obrigando o interessado a percorrer relatórios que podem não ter sido levados em consideração na avaliação da certificadora sobre o projeto.

Tabela 2
Comparação entre as instituições formais do Projeto Valparaíso e as regras em uso (RU) derivadas do trabalho institucional (TraIN) dos atores relacionados ao projeto.

Segundo dados dos relatórios de auditoria, o mapeamento georreferenciado da área do Projeto não foi concluído, assim como não há registro da área no SIGEF (Sistema de Gestão Fundiária) do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) para fins de emissão do CCIR (Certificado de Cadastro de Imóvel Rural) até o presente momento, que acarreta o não cumprimento da SC1. É costumeiro no Acre contratos de compra e venda sejam firmados verbalmente sem observar os requisitos legais como para este tipo de transação.

Quanto ao direito à terra das populações que vivem na área do projeto (SC3), há o comprometimento pelo empreendedor da transferência de lotes titulados para os comunitários. Os contratos de posse da terra assinados pelos comunitários não disponíveis para livre acesso no site do Projeto na Verra. Até o momento, os documentos disponíveis do projeto não esclarecem qual será de o tamanho dos lotes, o momento da transferência da titularidade aos comunitários, nem o contrato vinculante a esta transferência. Os dados de observação participante também indicaram vulnerabilidade das comunidades quanto às áreas de uso que serão destinadas para a caça, a criação de animais e para o roçado.

Para os indicadores de transparência de dados (SC4), o site da Verra disponibiliza alguns dos documentos do projeto. No entanto, há vários documentos com informações similares, inclusive documentos repetidos, alguns contendo indicações de revisão do Word. Não há clareza sobre qual a estrutura lógica por trás das inúmeras versões e repetições. Os documentos não são nomeados de maneira a facilitar sua identificação quanto ao processo de certificação e validação a que estariam relacionados, nem mesmo aos indicadores dos padrões VCS ou CCB.

A análise dos requisitos de participação social e consulta (SC4), baseou-se nos documentos de criação do projeto realizado pela CarbonCo (17/2014), e em dois relatórios de verificação, o primeiro pela auditoria da Rainforest Alliance/ Imaflora (RFA/I 2017/3), e o segundo pela auditoria da Environmental Services (2019/2). O relatório da CarbonCo sobre o processo de CPLI (SC4):

“foi discutido em maior detalhe com as comunidades para assegurar que as comunidades estavam plenamente conscientes do Projeto Valparaíso, foram capazes de contribuir para a concepção do projeto, capaz de expressar abertamente resultados pretendidos e preocupações, entendido o procedimento de reclamações de terceiros e conseguiram voluntariamente dar consentimento livre, prévio e informado” (MCFARLAND et al., 2013MCFARLAND, B; EATON, J.; DICKSON, R.; LOPES, M.B.; FREITAS, P. O Projeto de Valparaíso: Um Projeto de Conservação de Florestas Tropicais no Acre, Brasil. CarbonCo. p. 1-124, 2013., 31p).

O relatório aponta que a consulta às comunidades e os acordos, foram estabelecidos em duas reuniões oficiais que aconteceram nos dias 19/03/2011 e 11 a 15/05/2013, registrados em ata. O último relatório publicado sobre o projeto (23/08/2021) (MCFARLAND et al., 2021MCFARLAND, B; EATON, J.; DICKSON, R.; LOPES, M.B.; FREITAS, P. The Valparaiso Project: A Tropical Forest Conservation Project in Acre, Brazil. CarbonCo. p. 1-72, 2021. Available at: https://registry.verra.org/mymodule/ProjectDoc/Project_ViewFile.asp?FileID=55267&IDKEY=4903q4JAfkasjfu90amnmasdfkaidflnmdf9348r09dmfasdfm76213193. Accessed on: June 12, 2022.
https://registry.verra.org/mymodule/Proj...
,17p.), os empreendedores indicaram as datas em que tiveram reuniões com as comunidades para discutir o projeto, no total foram 11 ocasiões em 10 anos de projeto. As atas não foram anexadas ao relatório e não estão disponíveis no site de transparência do processo. O relatório aponta que:

“a partir de junho de 2013 a maioria dos membros da comunidade que que residem dentro do Projeto de Valparaíso têm ou assinaram a ‘ata’ ou verbalmente concordaram em participar do Projeto” (MCFARLAND et al., 2013MCFARLAND, B; EATON, J.; DICKSON, R.; LOPES, M.B.; FREITAS, P. O Projeto de Valparaíso: Um Projeto de Conservação de Florestas Tropicais no Acre, Brasil. CarbonCo. p. 1-124, 2013., 32p.).

Embora as comunidades reconheçam a existência do Projeto e tenham convívio corrente com o coordenador que passa 15 dias em campo por mês, é extremo afirmar que o CPLI foi legítimo e sem conflitos. As conversas em campo foram realizadas pelo dono da terra, sem mediação ou apoio externo, sendo que as comunidades não tiveram apoio de advogados para esclarecer seus direitos de posse. Além disso, todos os relatórios foram escritos em inglês e traduzidos para o português apresentando erros de concordância e frases desconexas que dificultam a compressão. Sem considerar a complexidade do conteúdo, o tamanho e a quantidade dos documentos que são de difícil depuração.

O relatório de verificação aponta para o número limitado de atividades que foram desenvolvidas em 10 anos de projeto (2011-2021) em relação ao previsto. Tanto os relatórios, como as informações coletadas em campo apontam que não houve ainda ação na direção de repartição de benefícios financeiros para as comunidades, nem a destinação de títulos de terra.

Os comunitários descrevem a restrição das áreas de roça e caça como prejudicial à subsistência, especialmente para as últimas comunidades do rio, as quais ficam mais distantes das regiões onde é possível comprar alimentos. Os comunitários reclamam que vivem sob constante temor da desapropriação1 1 - https://www.juruaemtempo.com.br/2021/08/moradores-da-comunidade-valparaiso-buscam-solucao-para-nao-perderem-terras-para-suposto-proprietario/ . Relatam que não tiveram opção e foram induzidos a assinar os contratos de posse da terra que restringe o tamanho da área destinada à roça. Muitas famílias já abandonaram a terra e estão migrando para áreas adjacentes, especialmente o ramal Lua Clara (INCRA), ocupando terras ainda não destinadas pela União. No relatório de auditoria por terceira parte, elaborado pela Rainforest/ Imaflora lê-se:

According to the interviewed, the proposal given by the project’s proponents is to demarcate 15 to 20 ha per family. (…) The interviews with the communities reveal that there is not a consensus agreement over the adequacy of the proposed plot size, and that the communities do not agree to the planned restrictions to hunting rights, timber extraction and fishing, as the family’s main income generation and way of life.” (GEIGER et al., 2017GEIGER, K.; SOUZA, B.B.; SERRANO, D.; ISLER, M.; KAMIMURA, R.A.; MATTA, B.; DRIGO, I.G.; MARINHO, R.; SARTORI, R. The Valparaiso project VCS CCB Verification Report for Carbon Co,Rainforest Alliance, p. 1-176, 2017. Available at: https://registry.verra.org/mymodule/ProjectDoc/Project_ViewFile.asp?FileID=44231&IDKEY=jiofj09234rm9oq4jndsma80vcalksdjf98cxkjaf90823nmq3960994549. Accessed on: July 17, 2022.
https://registry.verra.org/mymodule/Proj...
, 48p.)

Segundo o Informante 1:

“Os moradores eram todos posseiros. Poderia deixar como morador do Projeto, mas quero que sejam donos da área para poderem fazer financiamento, dando dignidade a eles.”

Os projetos de treinamento realmente aconteceram, mas foram limitados a um período curto. As atividades de desenvolvimento econômico sustentável não foram retomadas até então. Ainda hoje a principal fonte da água consumida na comunidade vem do rio, não há infraestrutura de tratamento de água nem poços artesianos ou motor que alimente a distribuição de água para as comunidades.

Em entrevista, um dos empreendedores do Projeto apontou que a proposta foi discutida junto aos senadores e deputados estaduais na Câmara de Vereadores do município de Cruzeiro do Sul/AC e, posteriormente entregue ao Instituto de Mudanças Climáticas do Acre. Disse que investe em torno de 20% de seus ganhos da venda de carbono nos projetos sociais e no monitoramento da propriedade do Projeto. Relatou também que o Projeto passou por diversas avaliações, momento em que foram apontados problemas relacionados ao cumprimento das regras dos padrões. Ressaltou a dificuldade em se obter apoio técnico qualificado na região, considerando que a área fica em média, um dia e meio de viagem da cidade mais próxima.

O empreendedor salientou que as 10 comunidades que fazem parte do processo exigem demandas de serviços públicos que não é dever do proprietário atender e que, as certificadoras e verificadoras não conhecem a realidade local:

“Eles [as comunidades] olham o benefício chegar e acham que é obrigação. Sou empresário, mas não olho só o capital, olho as pessoas. Eles [as comunidades] não valorizam. Mudamos as construções para individual porque eles não estavam cuidando quando era coletivo. Não é fácil cuidar das pessoas.” (Informante 1)

Além das pressões para o cumprimento das regras dos padrões, as demandas das comunidades, o proprietário tem que negociar o carbono com intermediários, o que diminuiu sua barganha e ganho financeiro do projeto:

“Vender carbono é ruim, só tem atravessador querendo documento para representar, você não acha a ponta. Muita especulação e pouca realidade. Não é fácil para quem é dono de projeto conseguir achar a ponta.” (Informante 1)

3.2 Análise do Trabalho Institucional (Train) Derivado das Instituições Formais

O resultado da análise comparada das IF e das RU (Tabela 2) aponta para uma grande diferença entre as IF declaradas em relação ao TraIN realizado pelos atores na arena operacional. A Figura 3 apresenta um resumo dos resultados da análise institucional comparada (AIC), esclarecendo a composição das RF analisadas e as arenas em que são elaboradas e discutidas a interação entre RF e RI, e o TraIN operado pela coalização local de atores sociais, assim como a influência entre arenas e regras (setas).

Nota-se que as RF da SC e OIT 169 derivam da arena meta-constitucional (ONU). As legislações nacionais às quais o SC1 se refere, deriva da arena constitucional, as regras do CCB 2.0/ ouro derivam das escolhas coletivas e, as regras do Projeto de REDD+ de Valparaíso são resultado da arena operacional. As RF no âmbito operacional decorrem da interação entre a Verra e os desenvolvedores do Projeto. A mediação entre a arena operacional e a Verra se dá por meio das auditorias por terceira parte, responsáveis por monitorar o cumprimento das regras da Verra e sugerir modificações a partir da análise dos resultados do Projeto, entrevistas com stakeholders e visitas de monitoramento. É importante notar que a interação entre as arenas e a influência das regras representadas pelas setas é, em sua maioria, unidirecional para o projeto analisado.

Figura 3
Framework da análise institucional comparada para o Projeto de REDD+ offset Valparaíso

A arena operacional, foco analítico deste artigo, é o espaço político-institucional onde ocorre a interação entre RF (derivadas de todas as outras instâncias) e das RI (“florestas institucionais”) resultantes do processo histórico da interação social local. Os atores sociais que compõem a coalização local são os membros da comunidade de ex-seringueiros de Valparaíso e o dono do seringal. Os outros entes que compuseram o trabalho de desenvolver o projeto para a Verra (Project Development), não fazem parte desta coalização, por estarem longe da realidade do projeto.

A ONU e a União exercem alguma influência no projeto por meio de suas normativas e acordos, mas são as escolhas coletivas representadas pela Verra e mediadas pela auditoria por terceira parte, que exercem maior influência na arena operacional. A influência das arenas operacional e coletiva sobre a constitucional e meta-constitucional no Projeto analisado não é clara, aparecendo como inexistente. Os processos de feedback são mais recorrentes na arena operacional, onde o diálogo entre a Verra e os desenvolvedores é mediado pela auditoria por terceira parte. As comunidades que estão próximas da área do projeto têm acesso ao auditor por meio das visitas de monitoramento e fiscalização, a cada 5 anos, momento em que os desenvolvedores do Projeto estão preparados para questionamentos dos auditores quanto aos resultados do projeto.

O mesmo acontece com as RF estabelecidas para o Projeto Valparaíso que são influenciadas pelas INF da coalização local. As regras que de fato permanecem são aquelas que derivam do TraIN que a coalização local realiza sobre as RF e RI. O TraIN é realizado pela coalização local, na arena operacional.

Exemplos não faltam para evidenciar a importância do TraIN da coalização local na definição das regras “de fato” do projeto, que escapa até mesmo aos auditores. Como demonstrado pela Tabela 2, é possível notar certa imprecisão quanto ao “cumprimento da legislação nacional”. No caso deste projeto, mesmo diante da ausência de processo de regularização fundiária, a certificadora aceitou que o empreendedor definisse os direitos de propriedade da terra para as comunidades por meio da transferência de lotes e títulos. Os documentos não esclarecem como seria possível realizar estas transferências, seguindo as legislações fundiária e ambiental, deixando em aberto as tratativas para serem resolvidas pela coalização local.

Outro exemplo da influência da coalizão local sobre a definição das regras “de fato” são as ações realizadas para o cumprimento da CPLI. A CPLI aparece no formato de duas reuniões: uma no início do processo (1 dia) outra no momento da visita da Verra para a aquisição do padrão (3 dias); momentos em que o empreendedor aponta ter apresentado todos os documentos sobre o projeto, ter promovido espaço de esclarecimento dos direitos e deveres dos comunitários e ter apresentado as atividades a serem desenvolvidas. Notam-se processos duvidosos de transparência quanto aos dados e documentos destinados para a análise das comunidades. A auditoria destacou que o documento resumo do projeto era impróprio para uma audiência com baixo índice de letramento.

A análise institucional aponta evidências de que a mudança desejada no âmbito da JA, a partir da criação das IF definidas pelo padrão, deve ser analisada no âmbito da arena operacional do projeto, considerando a influência da coalização local na aplicação das regras. No caso do Projeto Valparaiso, a auditoria por terceira parte, mesmo identificando problemas quando ao cumprimento das regras definidas nas outras esferas, não foi capaz de alterar a realidade na arena operacional. Isto porque houve, pelo menos no caso estudado, limitações de processos de feedback da arena operacional para as outras arenas de tomada de decisão.

4. Conclusão

Muitas são as críticas aos projetos de REDD+ offset quanto aos aspectos relacionados à JA. O reconhecimento destas falhas resultou na definição das SC e inspirou a criação de padrões de certificação e verificação de projetos de carbono desenvolvidos por empresas e associações certificadoras a fim de criar parâmetros de equidade para créditos certificados que poderiam ser verificados, monitorados e reportados, como ocaso do padrão CCB/ 2.0, criado pela Verra.

A partir da análise institucional comparada de um estudo de caso concreto de Projeto de REDD+ offset na Amazônia, este artigo pretendeu refletir sobre a influência da arena operacional e do trabalho institucional da coalização local de atores sociais junto aos resultados da aplicação das regras formais criadas pelas Salvaguardas de Cancún e pelo padrão CCB 2.0/ ouro da Verra. O artigo comparou a interação entre as diferentes arenas, suas regras formais (meta-constitucional, constitucional, escolhas coletivas e operacional) e sua correspondente aplicação na arena operacional do projeto de REDD+.

O projeto analisado traz importantes elementos de reflexão sobre projetos de REDD+ offset na Amazônia, entre eles a relevância em se adensar a compreensão teórica e empírica sobre o espaço regulatório para além das instituições formais estabelecidas pelos padrões. Acreditar que a mudança institucional ocorrerá por meio de declarações normativas pode levar a resultados adversos aos esperados.

O artigo dá indícios sobre possíveis aportes analíticos para a mudança institucional esperada em Projetos de REDD+ offset na Amazônia e aponta para a necessidade de compreender os resultados concretos derivados da interação entre as diferentes arenas e, as regras e o trabalho institucional das coalizões locais na condução de uma trajetória territorial de redução de desmatamento e degradação florestal.

Agradecimentos (opcional)

Agradecemos ao Instituto Fronteiras pelo apoio na realização das atividades de campo que fundamentaram parte dos resultados deste trabalho. Agradecemos a Valcirlene Miranda e ao Alan Lima pelo trabalho que desenvolveram junto às comunidades deste território. Agradecemos a UFAC-Campus Floresta pelo apoio e parceria. Agradecemos à CAPES pelo financiamento de bolsa de doutorado.

References

  • BOUCHER, D. H. The REDD+ carbon market offsets Debate: Big argument, small potatoes. Journal of Environmental Management, v. 34, p. 547-558, 2015.
  • BRAZIL. Sumário de informações sobre como as salvaguardas de Cancun foram abordadas e respeitadas pelo Brasil durante a implementação de ações de redução de emissão provenientes do desmatamento no bioma Amazônia entre 2006 e 2010. Available at: salvaguardas_sumario_17out2014_1200.docx (mma.gov.br). Accessed on: Jun 17. 2022.
    » salvaguardas_sumario_17out2014_1200.docx
  • CARRILHO, C. et al. Permanence of avoided deforestation in a Transamazon REDD+ initiative (Pará, Brazil) Hal Inrae, 2022. Disponível em: https://hal.inrae.fr/hal-03614704 Accessed on: Jun 17. 2022.
    » https://hal.inrae.fr/hal-03614704
  • MARÍN-HERRERA, M.; CORREA-CORREA, H.; BLANCO-WELLS, G. Territorialización de la estrategia REDD+ en el pueblo indígena bribri, Talamanca, Costa Rica. Ambiente & Sociedade, v. 24, p. 1-22, 2021.
  • DILASCIO, K.; ROSSI, C.; SINISGALLI, P. Técnica de Análise da Participação Social em Conselhos: Operacionalizando Conceitos. Revista de Administração Contemporânea, 2022.
  • EHRHART, C.; PEDRONI, L.; SALINAS, Z.; DURBIN, J.; PANFIL, S.; VERCHOT, L; LOCATELLI, B.; JANSON-SMITH, T.; FEHSE, J.; SELL, J.; BARBOSA, D.S.; SENA, K.; HAYWARD, J.; HENMAN, J.; PARSONS, M.; SHOCH, D.; SCHROEDER, M.; PETLIN, G.; KRUEGER, L.; WALKER, S.; RUDDELL, S. Aliança Clima, Comunidade & Biodiversidade Padrões para Concepção de Projetos, 2 ed., p. 2-58, 2008.
  • EULER, A. O acordo de Paris e o futuro do REDD+ no Brasil, 2016. Available at: https://www.alice.cnptia.embrapa.br/handle/doc/1055679 Accessed on: Jun 27. 2022.
    » https://www.alice.cnptia.embrapa.br/handle/doc/1055679
  • GEIGER, K.; SOUZA, B.B.; SERRANO, D.; ISLER, M.; KAMIMURA, R.A.; MATTA, B.; DRIGO, I.G.; MARINHO, R.; SARTORI, R. The Valparaiso project VCS CCB Verification Report for Carbon Co,Rainforest Alliance, p. 1-176, 2017. Available at: https://registry.verra.org/mymodule/ProjectDoc/Project_ViewFile.asp?FileID=44231&IDKEY=jiofj09234rm9oq4jndsma80vcalksdjf98cxkjaf90823nmq3960994549 Accessed on: July 17, 2022.
    » https://registry.verra.org/mymodule/ProjectDoc/Project_ViewFile.asp?FileID=44231&IDKEY=jiofj09234rm9oq4jndsma80vcalksdjf98cxkjaf90823nmq3960994549
  • HODGSON, G. M. What are institutions? Journal of Economic Issues, v. 40, n. 1, p. 1-25, 2006.
  • JESPERSEN, K.; GALLEMORE, C. The institutional work of payments for ecosystem services: why the mundane should matter. Ecological Economics, v. 146, p. 507-519, 2018.
  • MORGAN, G; CAMPBELL, J; CROUCH, C; PEDERSEN, O.K. The Oxford handbook of comparative institutional analysis. [S. l.: s. n.], 2010. Accessed on: Jun 21. 2022.
  • MCFARLAND, B; EATON, J.; DICKSON, R.; LOPES, M.B.; FREITAS, P. O Projeto de Valparaíso: Um Projeto de Conservação de Florestas Tropicais no Acre, Brasil. CarbonCo. p. 1-124, 2013.
  • MCFARLAND, B; EATON, J.; DICKSON, R.; LOPES, M.B.; FREITAS, P. The Valparaiso Project: A Tropical Forest Conservation Project in Acre, Brazil. CarbonCo. p. 1-72, 2021. Available at: https://registry.verra.org/mymodule/ProjectDoc/Project_ViewFile.asp?FileID=55267&IDKEY=4903q4JAfkasjfu90amnmasdfkaidflnmdf9348r09dmfasdfm76213193 Accessed on: June 12, 2022.
    » https://registry.verra.org/mymodule/ProjectDoc/Project_ViewFile.asp?FileID=55267&IDKEY=4903q4JAfkasjfu90amnmasdfkaidflnmdf9348r09dmfasdfm76213193
  • MILNE, S.; MAHANTY, S. Value and bureaucratic violence in the green economy. Geoforum, v. 98, p. 133-143, 2019.
  • NORTH, D. Institutions, Institutional Change and Economic Performance. Cambridge: Cambridge University Press, 1990
  • OSTROM, E. Governing the commons: The evolution of institutions for collective action. Cambridge university press, 1990.
  • OSTROM, E. Understanding institutional diversity. 2009.
  • OSTROM, E; BASURTO, X. Crafting analytical tools to study institutional change. Journal of institutional economics, v. 7, n. 3, 2011. DOI 10.1017/S1744137410000305.
    » https://doi.org/10.1017/S1744137410000305
  • OSTROM, Elinor. Doing Institutional Analysis Digging Deeper Than Markets and Hierarchies. Handbook of New Institutional Economics, p. 819-848, 27 out. 2005. https://doi.org/10.1007/0-387-25092-1_31
    » https://doi.org/10.1007/0-387-25092-1_31
  • PANIZZA, F.; DE BRITO, A. B. The politics of human rights in democratic Brazil: “A Lei Näo Pega.” Democratization, v. 5, n. 4, p. 20-51, 1998.
  • PARKER, C; SCOTT, S; GEDDES, A. Snowball sampling. [S. l.]: SAGE research methods foundations, 2019. DOI 10.4135.
  • PAVANELLI, JMM; OLIVEIRA, CE de; IBEROAMERICANA, AT Igari - Revibec: revista; 2022, undefined. O desafio das mudanças institucionais na economia ecológica. raco.cat, v.35, n. 1, p. 36-55, 2022.
  • SEROA DA MOTTA, R, COSTA, P, CENAMO, M, SOARES, P, VIANA, V, SALVIATI, V, BERNASCONI, P, THUAULT, A, RIBEIRO, P. Financing Forest Protection with Integrated REDD+ Markets in Brazil. Springer Climate, p. 243-255, 2020.
  • SESSIN-DILASCIO, K. et al. The dynamics of co-management and social capital in protected area management - The cardoso island state park in Brazil. World Development, v. 67, p. 475-489, 2015.
  • SESSIN-DILASCIO, Karla; ROSSI, Charles Borges; SINISGALLI, Paulo Antônio de Almeida. Técnica de Análise da Participação Social em Conselhos: Operacionalizando Conceitos. Revista de Administração Contemporânea, v. 27, n. 1, 2023. DOI 10.1590/1982-7849rac2022210258.
    » https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2022210258
  • SILVA, J. M.; MENDES, E. P. Abordagem qualitativa e geografia: pesquisa documental, entrevista e observação. Pesquisa qualitativa em geografia: reflexões teórico-conceituais e aplicadas. Rio de Janeir: Eduerj, p. 207-221, 2013.
  • SARTORI, S.; LATRÔNICO, F.; CAMPOS, L. Sustentabilidade e desenvolvimento sustentável: uma taxonomia no campo da literatura. Ambiente & Sociedade, v. 17, p. 1-22, 2014.
  • SOUZA, C. A construção da estratégia brasileira de REDD: a simplificação do debate na priorização da Amazônia. Ambiente & Sociedade, v. 16, p. 99-116, 2013.
  • YIN, K. Estudo de caso: design e métodos. [S. l.]: Sage Publications Inc, 1989.
  • 1
    - https://www.juruaemtempo.com.br/2021/08/moradores-da-comunidade-valparaiso-buscam-solucao-para-nao-perderem-terras-para-suposto-proprietario/

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    05 Nov 2021
  • Aceito
    20 Dez 2023
ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistaambienteesociedade@gmail.com