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A fronteira do carvão: siderurgia e floresta em Minas Gerais (Brasil) no século XX

Resumo

Com foco na indústria siderúrgica a carvão vegetal no Vale do Rio Doce (leste de Minas Gerais), o artigo propõe compreender a relação entre as grandes siderúrgicas e a devastação da Mata Atlântica. Estudos sobre a indústria siderúrgica que destacam a pressão exercida sobre a Mata Atlântica pelas carvoarias são quase inexistentes. Nesse sentido, recorrendo a relatórios técnicos, estatísticas oficiais, periódicos e outras fontes de mídia e centrando à atenção na empresa Belgo-Mineira, destaca-se um conjunto de dados que nos permite mensurar os impactos da indústria siderúrgica a carvão vegetal sobre a floresta. O resultado principal são as estimativas de extração florestal para servir a indústria siderúrgica entre 1936 e 1954. Os dados desta pesquisa mostram que a indústria siderúrgica a carvão vegetal deu um aspecto distinto ao fenômeno da fronteira em razão da centralidade do carvão.

Palavras-chave:
Fronteira do carvão; Indústria siderúrgica; Mata Atlântica; Mineração; Carvoeiros

Abstract

Focusing on the charcoal-fired steel industry in the Doce River Valley (rural eastern Brazil), this article sets out to understand the relationship between industrial-scale mining and the transition from iron factories to large steel mills. At the same time, it addresses the further destruction of the Atlantic Forest. Studies on the steel industry that highlight the pressure exerted on the Atlantic Forest by charcoal plants are almost nonexistent, however. Turning to technical reports, official statistics, journals, and other media sources and centering attention on Belgo-Mineira company, it highlights a set of data that enables us to measure the impacts of the charcoal-fired steel industry on forests. In order to get a deep insight, the main aim was to estimate the amount of forest extraction to serve the steel industry from 1936 to 1954. The data from this research show that the charcoal-fired steel industry gave a distinctive cast to the phenomenon of the agricultural frontier.

Keywords:
Charcoal frontier; Steel industry; Atlantic Forest; Mining; Charcoal workers

Resumen

Centrándose en la industria siderúrgica a carbón en el Valle del Río Doce (este de Minas Gerais), este artículo propone comprender la relación entre la minería a escala industrial y la transición de las fábricas de hierro a las grandes acerías y el proceso de devastación de la Mata Atlántica. Los estudios sobre la industria siderúrgica que destaquen la presión ejercida por las centrales de carbón sobre la Mata Atlántica son casi inexistentes. Utilizando en particular informes técnicos, estadísticas oficiales, publicaciones periódicas y centrándonos en la empresa Belgo-Mineira, presentamos un conjunto de datos que nos permiten medir los impactos de la industria siderúrgica sobre el bosque. Para obtener una visión más profunda, el objetivo principal fue estimar la cantidad de extracción forestal para servir a la industria del acero entre 1936 y 1954. Los datos de esta investigación muestran que la industria del acero al carbón dio un aspecto distinto al fenómeno de frontera.

Palabras-clave:
Frontera del carbón; Industria metalúrgica; Mata Atlántica; Minería; Trabajadores del carbón

Introdução

Esta pesquisa contextualiza a experiência de fronteira no Vale do Rio Doce (doravante VRD), no leste de Minas Gerais, na primeira metade do século XX. Com base em estudos anteriores, coordenados por Strauch (1955STRAUCH, Ney. A bacia do Rio Doce: estudo geográfico. Rio de Janeiro: Conselho Nacional de Geografia, 1955.), pode-se demonstrar que os últimos cinquenta anos foram marcados pelo impacto da implantação do parque mineral e metalúrgico no estado de Minas Gerais (MG). A configuração socioespacial da fronteira do Rio Doce foi condicionada pelas siderúrgicas associadas às redes de abastecimento de carvão vegetal e lenha. A expansão siderúrgica a carvão vegetal está ligada diretamente à concentração de investimentos no setor metalúrgico na região central de Minas Gerais, especialmente a capital Belo Horizonte, dando origem a chamada “Zona Metalúrgica”, a partir da década de 1930 (DINIZ,1981DINIZ, Clélio Campolina. Estado e capital estrangeiro na industrialização mineira. Belo Horizonte: Imprensa da UFMG, 1981., p. 20). Esse processo não apenas integra o estado de Minas Gerais (MG) ao processo de industrialização brasileiro, como consolida a posição política de Belo Horizonte, ao associar à centralidade política a primazia de centro econômico do estado (DULCI, 1999DULCI, Otávio Soares. Política e Recuperação Econômica em Minas Gerais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.). Para que esse projeto de industrialização vinculado a geopolítica das elites mineiras se viabilizasse, foi necessário converter a Mata Atlântica (ainda pouco alterada em amplas áreas da Bacia Hidrográfica do Rio Doce) em agente redutor/combustível/energia (BRITO et al., 1997BRITO, Fausto R. A. (ed.); OLIVEIRA, Ana Maria H. C. de; JUNQUEIRA, André C. A ocupação do território e a devastação da Mata Atlântica. In: PAULA, João Antônio de. (ed.) Biodiversidade, população e economia: uma região de Mata Atlântica. Belo Horizonte: UFMG/CEDEPLAR/ECMXC/PADCT/CIAMB, 1997, p.48-89.).

Em nossa pesquisa se buscou compreender a conjunção de interesses que possibilitaram a implantação da siderurgia no VRD; além de estimar a devastação da floresta para produzir carvão e lenha; e refletir sobre as interações socioambientais no processo de apropriação da floresta pelos interesses siderúrgicos, com ênfase no papel dos carvoeiros. Os carvoeiros e a produção do combustível estão profundamente ligados à história de MG, como escreve o folclorista Marcel Thiéblot (1984THIÉBLOT, Marcel Jules. Escuros artesãos de uma valiosa energia - carvoeiros e carvão de lenha. São Paulo: Escola de Folclore, 1984., p. 53):

Das florestas vem o carvão que percorre todas as estradas do estado: caminhões e caminhonetes que, dos pontos mais distantes, convergem em direção às siderúrgicas. Ver os caminhões de carvão passando torna-se tão natural que os habitantes locais não prestam atenção, mas os de fora ficam maravilhados!

A cena descrita por Thiéblot ainda é comumente encontrada por qualquer visitante atento que transita pelas estradas de MG. Na verdade, nas regiões Norte e Nordeste do estado hoje, essa é a norma - o que não surpreende, visto que MG é o maior estado produtor de carvão vegetal do Brasil, atingindo “quase 83% da produção nacional total” (MINAS GERAIS, 2021). E a extração ilegal ainda é intensa, com constantes apreensões de carregamentos de carvão (ALVES, 2021ALVES, Paula. Cargas de carvão transportadas em 5 caminhões são apreendidas no Norte de MG. G1 - Grande Minas, 09/06/2021. Available at: https://g1.globo.com/mg/grande-minas/noticia/2021/06/09/cargas-de-carvao-transportadas-em-5-caminhoes-sao-apreendidas-no-norte-de-mg.ghtml. Accessed on: 30/11/2021.
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).

Pereira e Carneiro (2021PEREIRA, Bárbara Luísa Corradi; CARNEIRO, Angélica de Cássia Oliveira. O impacto da densidade na qualidade do carvão vegetal. Revista Opiniões: Ribeirão Preto, n. 85, p. 40-42, Sep./Nov. de 2021. Available at: https://issuu.com/opinioesbr/docs/opcp65-210918?fr=sMDkwYTIyMzIzOTk.
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, p. 40) defendem que “não há dúvidas sobre a importância do setor do carvão vegetal para a indústria florestal e a sua contribuição para o PIB nacional. Isto é especialmente verdadeiro em MG, já que é o maior produtor e o consumo ocorre dentro das fronteiras de MG também.” Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, 2017), o Brasil é o maior produtor mundial de carvão vegetal. Por sua vez, o estado de MG destaca-se como o maior produtor e consumidor de carvão vegetal do país. O principal impulsionador é a demanda das siderúrgicas instaladas na região central do estado.

A estreita associação entre o setor do carvão vegetal e a indústria siderúrgica se consolidou na primeira metade do século XX. Inevitavelmente, isso teve um enorme impacto no bioma da Mata Atlântica na zona leste de MG. A “fome” de carvão dos altos-fornos das siderúrgicas transformou toda a paisagem do estado. Este processo está diretamente ligado ao VRD, onde a procura de lenha e carvão vegetal se tornou o principal agente de mobilização da economia regional. Dessa forma, as “florestas do Rio Doce” transformaram-se em recurso estratégico para promoção do desenvolvimento industrial de MG (BRITO et al., 1997BRITO, Fausto R. A. (ed.); OLIVEIRA, Ana Maria H. C. de; JUNQUEIRA, André C. A ocupação do território e a devastação da Mata Atlântica. In: PAULA, João Antônio de. (ed.) Biodiversidade, população e economia: uma região de Mata Atlântica. Belo Horizonte: UFMG/CEDEPLAR/ECMXC/PADCT/CIAMB, 1997, p.48-89.). Mesmo assim, a importância do carvão vegetal para a economia mineira, especialmente para a indústria siderúrgica, praticamente não recebeu atenção na historiografia. Tendo isto em mente, a presente pesquisa pretende contribuir para a nossa compreensão dos efeitos da indústria siderúrgica a carvão vegetal na Mata Atlântica.

Em muito pouco tempo, a “fome de carvão” produziu a fronteira do carvão e alterou a paisagem (SOLÓRZANO et al., 2009SOLÓRZANO, A., OLIVEIRA, R. R. de ., & GUEDES-BRUNI, R. R. Geografia, história e ecologia: criando pontes para a interpretação da paisagem. Ambiente & Sociedade, 12(1), 49-66, 2009. https://doi.org/10.1590/S1414-753X2009000100005
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) do VRD - essa é a hipótese aqui sustentada. Um depoimento recolhido por Rita Cosenza (2005, p. 64) apoia esta ideia: “Essa fome de carvão. Aquela fome de madeira. Trabalho e mais trabalho… Aquela fome, aquela ganância, ganância de madeira…” (Entrevista 6).

O termo paisagem é aqui entendido como o resultado das “relações das populações com seu ambiente” (OLIVEIRA; ENGEMANN, 2011OLIVEIRA, Rogério Ribeiro; ENGEMANN, Carlos. História da paisagem e paisagens sem história: a presença humana na Floresta Atlântica do Sudeste Brasileiro. Revista Esboços, Florianópolis, v. 18, n. 25, p. 9-31, ago. 2011, p. 10). Mas também como um “legado”, resultante de sucessivos processos históricos - antigos e mais recentes - envolvendo interações entre grupos sociais e o ambiente natural (AB’SÁBER, 2003AB’SÁBER, Aziz Nacib. Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003., p. 9). Todavia, justifica-se a importância da abordagem proposta, uma vez que a maior parte dos estudos sobre a siderurgia aborda questões políticas e econômicas, particularmente a questão da industrialização de MG.

Para a compreensão do tema, o procedimento metodológico utilizado foi fundamentalmente a pesquisa documental alicerçada numa abordagem interdisciplinar. O texto está dividido em três seções. A primeira apresenta as conexões entre a fronteira do carvão vegetal no VRD e os interesses regionais, nacionais e globais envolvidos. Aqui a ênfase está na importância das jazidas minerais para a cadeia internacional do ferro e do aço. Na segunda seção é examinada a implantação da siderúrgica no VRD, destacando a centralidade da floresta na concretização deste empreendimento, enfatizando o caso da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira (doravante CSBM). Finalmente, são explorados dados sobre a produção de ferro gusa e aço para estimar o consumo de carvão vegetal durante a primeira metade do século XX; bem como os impactos socioambientais da siderurgia a carvão vegetal na experiência da fronteira do carvão.

A revolução siderúrgica e a construção da fronteira do carvão no Vale do Rio Doce

O desenvolvimento da indústria siderúrgica em MG está intimamente ligado às grandes jazidas de minério de ferro conhecidas desde o final do século XIX. Durante muito tempo, a região central do estado foi chamada de “zona metalúrgica” e concentrou as primeiras forjas (MATOS; COSTA, 2019MATOS, Ralfo; COSTA, Alfredo (org.). Luzes e forjas: o lugar da modernidade na formação socioespacial de Minas Gerais. Belo Horizonte: Quixote+Do Editoras Associadas, 2019.; MARINHO JUNIOR; ESPINDOLA, 2021MARINHO JÚNIOR, Lenício Dutra; ESPINDOLA, Haruf Salmen. Minas de Ferro, Florestas e Rios: Impactos Ambientais da Metalurgia do Ferro no Brasil do século XIX. História Ambiental da América Latina e Caribe (HALAC) Revista Solcha, v. 11, nº. 3, pág. 93-117, 2021. DOI: 10.32991/2237-2717.2021v11i3. Available at: https://www.halacsolcha.org/index.php/halac/article/view/577. Accessed on: 15/12/2021.
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). Na primeira metade do século XX, a mesma região foi palco da chegada dos primeiros altos-fornos com a implantação da grande siderurgia a carvão. A partir deste ponto de partida, a área de influência das siderúrgicas deslocou-se gradativamente para leste, descendo o médio curso do VRD e ao longo do trajeto percorrido pela Estrada de Ferro Vitória a Minas (doravante EFVM). Esses deslocamentos atingiram a confluência do rio Suaçuí Grande, a jusante da cidade de Governador Valadares. Seguindo esse caminho, o VRD tornou-se estratégico para a implantação da siderurgia. Este local estava perfeitamente situado entre as jazidas de minério das encostas da Serra do Espinhaço (conhecida como “Quadrilátero Ferrífero”) e as reservas florestais da bacia do Rio Doce. A presença da Mata Atlântica foi fundamental para o fornecimento de carvão vegetal às siderúrgicas.

As atividades de mineração e siderurgia foram estabelecidas nesta parte da antiga província de MG, a leste da região aurífera explorada no século XVIII e das cidades coloniais de Vila Rica (Ouro Preto) e Vila do Príncipe (Serro), abrangendo Sabará, Caeté e Itabira do Mato Dentro, onde as novas indústrias puderam aproveitar o minério de ferro, a floresta e os recursos hídricos locais (GORCEIX, 1880GORCEIX, H. O ferro e os mestres de forja na província de Minas Gerais. s.i: s.n, 1880, tomo 5.). As forjas domésticas e comerciais se espalharam, produzindo ferro para autoabastecimento ou para atender a demanda do mercado local. No século seguinte, esses estabelecimentos seguiram o mesmo caminho, contando com insumos locais como minério, floresta e água (BAETA, 1973BAETA, Nilton. A Indústria Siderúrgica em Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1973.). Porém, os ventos mudaram e no século XX se estabeleceu uma nova fase da metalurgia do ferro, parte de um projeto maior de desenvolvimento de MG e do Brasil de forma mais ampla (BASTOS, 1959BASTOS, Humberto. A Conquista Siderúrgica no Brasil. São Paulo: Livraria Martins, 1959.).

O contexto político local foi influenciado pelo poder econômico das nações que dominavam a indústria siderúrgica. Isto fica claro no período anterior à Primeira Guerra Mundial (1914-1919). Existia assim uma interligação entre os domínios regional, nacional e global, relacionados com a cadeia global do ferro e do aço, reunindo empresários, cientistas, investidores e o Estado. Georg Fischer (2013FISCHER, Georg. Minério de ferro, geologia econômica e redes de experts entre Wisconsin e Minas Gerais, 1881-1914. História, Ciências, Saúde − Manguinhos, Rio de Janeiro, 2013. Accessed on: http://www.scielo.br/hcsm.
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), argumenta que os governos nacionais e estrangeiros lidam com “redes” de especialistas que se estendem entre Wisconsin (EUA) e MG.

A influência e a importância da indústria siderúrgica na “era dos impérios” antes da Primeira Guerra Mundial (HOBSBAWN, 2005) foram vitais para o posicionamento do VRD num contexto global. Potenciais reservas de minério de ferro em MG já haviam sido identificadas em pesquisas de professores e alunos da Escola de Minas de Ouro Preto (EMOP) ainda no final do século XIX. Contudo, sua dimensão contemporânea remonta aos estudos realizados por Luiz Felipe Gonzaga de Campos para o Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil (SGMB), que iniciou suas atividades em 1907.

Em 1910, durante o XI Congresso de Geologia realizado em Estocolmo, o chefe do SGMB, Orville Derby, apresentou um estudo. Seu título era “Os minérios de ferro do Brasil”, que continha os dados coletados por Gonzaga de Campos (DERBY, 2010DERBY, Orville A. The iron ores of Brazil. Revista da Escola de Minas, Ouro Preto: v. 63, n. 2, p. 473-479, Jul. Sep. 2010.; SILVA, 2010SILVA, Haroldo Zeferino. Comentário sobre: The iron ores of Brazil. Revista da Escola de Minas, Ouro Preto: v. 63, n. 2, p.: 481-482, Jul. Sep. 2010.; FISCHER, 2013FISCHER, Georg. Minério de ferro, geologia econômica e redes de experts entre Wisconsin e Minas Gerais, 1881-1914. História, Ciências, Saúde − Manguinhos, Rio de Janeiro, 2013. Accessed on: http://www.scielo.br/hcsm.
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). Fischer (2013FISCHER, Georg. Minério de ferro, geologia econômica e redes de experts entre Wisconsin e Minas Gerais, 1881-1914. História, Ciências, Saúde − Manguinhos, Rio de Janeiro, 2013. Accessed on: http://www.scielo.br/hcsm.
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, p. 9) argumenta que as jazidas de minério de ferro em MG “fascinaram cientistas, investidores e políticos por muitos anos”. Naturalmente, isto provocou uma “corrida para adquirir estas reservas minerais subterrâneas”. A partir dessa época, “empresas estrangeiras têm se esforçado para obter concessões de jazidas de minérios essenciais para a indústria siderúrgica” (COELHO, 2011COELHO, Marco Antônio Tavares. Rio Doce: a espantosa evolução de um vale. Belo Horizonte: Autêntica, 2011., p. 69). Além disso, “as maiores jazidas de minério de ferro estavam nas mãos de grandes sindicatos estrangeiros dispostos a explorá-las” (PEDRO NOLASCO citado por BASTOS, 1959BASTOS, Humberto. A Conquista Siderúrgica no Brasil. São Paulo: Livraria Martins, 1959., p. 107).

Diniz (1981DINIZ, Clélio Campolina. Estado e capital estrangeiro na industrialização mineira. Belo Horizonte: Imprensa da UFMG, 1981., p. 19) mostra que “o capital estrangeiro se interessou por MG apenas para atividades relacionadas ao uso de recursos naturais”. Na verdade, durante este período a exploração das reservas minerais e florestais acelerou em muitos países periféricos como o Brasil. O VRD tornou-se um dos centros de atenção das principais economias ocidentais. Inevitavelmente, esse interesse se consolidaria também no estado de MG, alimentando o projeto de industrialização da elite estadual e, no mesmo movimento, o projeto dos líderes políticos nacionais que viam nas exportações uma oportunidade para abastecer o mercado mundial e enriquecer o Brasil. A corrida pelo minério de ferro obrigou as elites de MG a formularem políticas para proteger as riquezas minerais e incentivar o desenvolvimento da indústria siderúrgica no estado (DULCI, 1999DULCI, Otávio Soares. Política e Recuperação Econômica em Minas Gerais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.).

Portanto, foi nesse contexto envolvendo interesses internacionais, nacionais e regionais, que o parque siderúrgico do VRD se estabeleceu. Tendo como um dos marcos iniciais a criação da CSBM (1921) na cidade histórica de Sabará. O projeto de industrialização da elite mineira estava fundamentado no processo de industrialização então em curso na Era Vargas (1930-1945). Obviamente, esses abundantes recursos minerais e florestais estavam em consonância com a relação do Brasil com o contexto internacional da época, fortemente marcada pelas duas Guerras Mundiais. Este entrelaçamento das esferas estatal, nacional e internacional forneceu as bases para uma experiência original, nomeadamente a fronteira do carvão no VRD. (BASTOS, 1959BASTOS, Humberto. A Conquista Siderúrgica no Brasil. São Paulo: Livraria Martins, 1959.; ESPINDOLA, 2015ESPINDOLA, Haruf Salmen. Vale do Rio Doce: Fronteira, industrialização e colapso socioambiental. Fronteiras: Journal of Social, Technological and Environmental Science. v.4, nº.1, Jan.-Jul. 2015, p. 160-206. Available at: http://revistas.unievangelica.edu.br/index.php/fronteiras/. Accessed on: 10/01/2022.
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)

Contudo, quando se iniciou a extração de minério de ferro em larga escala - para exportação - e instalou-se o parque siderúrgico de MG, o VRD tornou-se o lócus de modernização e dinamismo econômico de MG e do Brasil de forma mais geral (DINIZ, 1981DINIZ, Clélio Campolina. Estado e capital estrangeiro na industrialização mineira. Belo Horizonte: Imprensa da UFMG, 1981.; COELHO 2011COELHO, Marco Antônio Tavares. Rio Doce: a espantosa evolução de um vale. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.). Nessa conjuntura, o potencial da madeira da Mata Atlântica tornou-se estratégico para a industrialização de MG, à época alicerçada na siderurgia: “essa região é a mais abundantemente capaz de fornecer o carvão de madeira para a ‘fome’ dos pequenos altos-fornos” (O VALLE..., 1940, p. 52).

Por outro lado, a utilização do carvão vegetal para redução do minério de ferro nas siderúrgicas recém-construídas, bem como nas dezenas de usinas de ferro gusa instaladas no VRD, resultou em enorme intervenção na Mata Atlântica. Na opinião de Strauch (1955STRAUCH, Ney. A bacia do Rio Doce: estudo geográfico. Rio de Janeiro: Conselho Nacional de Geografia, 1955., p. 95), mais complexa e extensa que a produção de ferro, a indústria de carvão e lenha ultrapassou todos os limites geográficos: “Quase todos os municípios da bacia [do Rio Doce] são produtores de carvão e lenha; no entanto, aqueles que abastecem as empresas siderúrgicas e as ferrovias da região são os mais proeminentes.”

Assim, nos primeiros cinquenta anos do século XX, a mineração e a siderurgia sentiram os impactos da influência nos cenários nacional, regional e local do Brasil, e também da esfera internacional, marcada por crises econômicas, revoluções políticas e duas guerras mundiais. MG foi o epicentro do desenvolvimento da indústria siderúrgica no Brasil e a CSBM foi a materialização deste projeto. Tudo isso se manifestou na construção de uma fronteira singular: a fronteira do carvão. Esse foi o pano de fundo da crescente “intensidade de exploração dos recursos naturais: inclusive extratos florestais e minerais” (BRITO, 1997BRITO, Fausto R. A. (ed.); OLIVEIRA, Ana Maria H. C. de; JUNQUEIRA, André C. A ocupação do território e a devastação da Mata Atlântica. In: PAULA, João Antônio de. (ed.) Biodiversidade, população e economia: uma região de Mata Atlântica. Belo Horizonte: UFMG/CEDEPLAR/ECMXC/PADCT/CIAMB, 1997, p.48-89., p. 33).

A Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira e o desenvolvimento da fronteira do carvão vegetal no médio Vale do Rio Doce

Informações disponíveis no site do Sindifer (Sindicato da Indústria do Ferro do Estado de Minas Gerais) dão uma boa ideia da importância da indústria siderúrgica em MG. O número de usinas de ferro gusa no estado supera o total de todas as outras unidades da federação brasileira somadas, representando 75% da produção nacional. Seu parque industrial abrange 63 plantas de ferro gusa.

A primeira metade do século XX, testemunhou o surgimento da fronteira do carvão e sua expansão em direção ao bioma da Mata Atlântica, avançando especialmente pelo médio VRD (BRITO et al., 1997BRITO, Fausto R. A. (ed.); OLIVEIRA, Ana Maria H. C. de; JUNQUEIRA, André C. A ocupação do território e a devastação da Mata Atlântica. In: PAULA, João Antônio de. (ed.) Biodiversidade, população e economia: uma região de Mata Atlântica. Belo Horizonte: UFMG/CEDEPLAR/ECMXC/PADCT/CIAMB, 1997, p.48-89.). Em 1917, um grupo de engenheiros brasileiros lançou a Companhia Siderúrgica Mineira, a semente da CSBM na cidade de Sabará. Em 11 de dezembro de 1921, em assembleia geral realizada com o objetivo de aumentar o capital social, o capital estrangeiro de Luxemburgo e Bélgica foi subscrito pelas Aciéries Réunies de Burbach-Eich-Dudelange (ARBED). Daí surgiu a CSBM, hoje ArcelorMittal. A usina de Sabará foi útil para a ARBED adquirir experiência local e instalar posteriormente uma grande siderúrgica. A mesma oportunidade permitiu-lhe adquirir o controle das matérias-primas e do pessoal treinado necessário à sua expansão planejada (MOYEN, 2007MOYEN, François. A história da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira: uma trajetória de crescimento consistente (1921-2005). Belo Horizonte: Arcelor Brasil S/A, 2007.).

Figura 1:
CSBM (vista aérea), Sabará - MG

Em 1927, a ARBED enviou Louis Ensch, engenheiro luxemburguês, para Sabará. Ele desempenharia um papel central na expansão planejada da siderúrgica. O projeto ganhou vida em 1937 com a inauguração da grande siderúrgica no município de Rio Piracicaba, no local denominado João Monlevade (MOYEN, 2007MOYEN, François. A história da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira: uma trajetória de crescimento consistente (1921-2005). Belo Horizonte: Arcelor Brasil S/A, 2007.). Esta localidade era estratégica não só porque proporcionava um ambiente saudável - principalmente em termos de estar livre da malária - mas também porque permitia o acesso a matérias-primas essenciais: minério de ferro a montante e carvão vegetal da Mata Atlântica a jusante da bacia do Rio Doce. Três décadas depois, outras grandes siderúrgicas e dezenas de usinas de ferro-gusa seriam instaladas ao longo do VRD (ESPINDOLA, 2015ESPINDOLA, Haruf Salmen. Vale do Rio Doce: Fronteira, industrialização e colapso socioambiental. Fronteiras: Journal of Social, Technological and Environmental Science. v.4, nº.1, Jan.-Jul. 2015, p. 160-206. Available at: http://revistas.unievangelica.edu.br/index.php/fronteiras/. Accessed on: 10/01/2022.
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).

A referência à fronteira do carvão necessita de alguma explicação: aqui a fronteira é entendida como o processo de integração de novas áreas no mercado ou na sociedade nacional. Isto começa com o movimento de frentes (demográficas e pioneiras) com interesses diversos, visando promover uma experiência única envolvendo um encontro entre o mundo natural e o homem (FOWERAKER, 1982). Nesse sentido, a fronteira também é percebida como local de encontros e desencontros entre diferentes grupos sociais. Isto decorre do controle assimétrico do poder e das relações econômicas presentes e que envolvem conflitos políticos e sociais pela posse da terra e pelo controle dos recursos naturais e, neste caso particular, os recursos florestais (MARTINS, 1996MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão e da frente pioneira. Tempo Social; Revista de Sociologia USP, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 25-70, 1996.; SILVA, 1982SILVA, José Graziano. A modernização dolorosa: estrutura agrária, fronteira agrícola e trabalhadores rurais no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.). A fronteira ainda é um espaço fluido onde as frentes se fundem com a geografia supostamente natural, dando origem a novos territórios e paisagens (FREITAG, 2009FREITAG, Liliane. Fronteiras: espaços simbólicos e materialidades. In: OLINTO, Beatriz Anselmo; MOTTA, Márcia Menendes; OLIVEIRA, Oséias de (org.). História Agrária: propriedade e conflito. Guarapuava: Unicentro, 2009.).

Neste cenário, pode-se argumentar que a CSBM desempenhou um papel significativo na experiência da fronteira do médio VRD. O surgimento da empresa derivou de diversas condições que convergiam desde o final do século XIX: experiências com forjas e fundições; os estudos geológicos e mineralógicos com a identificação da área onde estavam localizadas as jazidas de minério de ferro - desde então denominado Quadrilátero Ferrífero. Isto, é claro, atraiu fortemente a indústria siderúrgica. Paralelamente, equipes técnicas, especificamente engenheiros de minas e metalurgistas, estavam sendo treinadas na EMOP. Esses foram os principais traços do cenário emergente para a siderurgia, também fortemente influenciado pelos ventos modernos da industrialização do governo brasileiro a partir da década de 1930 (BAETA, 1973BAETA, Nilton. A Indústria Siderúrgica em Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1973.; GOMES, 1983GOMES, Francisco de Assis Magalhães. História da siderurgia brasileira. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1983.; BRITO, 1997BRITO, Fausto R. A. (ed.); OLIVEIRA, Ana Maria H. C. de; JUNQUEIRA, André C. A ocupação do território e a devastação da Mata Atlântica. In: PAULA, João Antônio de. (ed.) Biodiversidade, população e economia: uma região de Mata Atlântica. Belo Horizonte: UFMG/CEDEPLAR/ECMXC/PADCT/CIAMB, 1997, p.48-89.; ESPINDOLA, 2015ESPINDOLA, Haruf Salmen. Vale do Rio Doce: Fronteira, industrialização e colapso socioambiental. Fronteiras: Journal of Social, Technological and Environmental Science. v.4, nº.1, Jan.-Jul. 2015, p. 160-206. Available at: http://revistas.unievangelica.edu.br/index.php/fronteiras/. Accessed on: 10/01/2022.
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).

A construção da CSBM de fato deu um enorme impulso à produção de ferro e aço em MG. Seu ponto de partida foi a inauguração da Usina Siderúrgica de Monlevade, em 1937 (BAETA, 1973BAETA, Nilton. A Indústria Siderúrgica em Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1973.). Contudo, é impossível dissociar o desenvolvimento da empresa da rápida extração de madeira na Mata Atlântica. Desde o início, uma enorme base de carvão vegetal foi necessária para a sobrevivência da indústria; essa indústria era profundamente dependente do carvão vegetal.

Para a CSBM, era “um fato aceito que, sendo a floresta uma riqueza nacional, a sua exploração racional é tão justificável como a exploração dos recursos minerais do país” (CSBM, 1955, sp.). Esta afirmação não era meramente retórica: refletia o pensamento das autoridades políticas, dos técnicos e, em certa medida, da sociedade como um todo. Como afirmou Warren Dean (1996DEAN, Warren. A Ferro e Fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.), a conversão da floresta em combustível, em reservas de carvão, era vista como uma forma de substituir a depredação dos recursos nacionais através de uma forma “racional” de exploração. Esta ideia também não era nova: os engenheiros da EMOP defendiam esta utilização dos recursos naturais desde o final do século XIX.

A opção pela utilização do carvão vegetal como combustível e redutor é resultado de vários fatores: 1) não havia carvão mineral disponível e seus custos de importação eram extremamente elevados; 2) o apelo nacionalista, característica fundamental da política brasileira na primeira metade do século XX, impulsionou a busca pela independência industrial e a utilização dos recursos nacionais; 3) as grandes oscilações dos preços dos combustíveis fósseis no mercado internacional; 4) grandes conflitos militares em escala global e a política de nacionalismo e intervencionismo, que gerou insegurança no setor empresarial; 5) e finalmente, claro, a disponibilidade de enormes reservas florestais próximas às jazidas de minério, ligadas por ferrovia.

Figura 2
Usina Siderúrgica Belgo-Mineira de Tibor Jablonsky e Ney Strauch, 1952.

Houve, assim, uma convergência de recursos na região denominada “Zona Metalúrgica”, inclusive pelo fato de as florestas estarem em terrenos devolutos (pertencentes ao Estado), que foram objeto de políticas específicas implementadas pelos governos estaduais de MG para favorecer as siderúrgicas. Segundo Strauch (1959, p. 170), citando dados do início da década de 1950, as 10 maiores siderúrgicas ocuparam 402.650 hectares, controlando sozinha a CSBM 235.610 hectares (58,5%). Em suas terras, a CSBM estabeleceu uma espécie de processo racional centrado na produção de carvão vegetal e no reflorestamento, agora com eucaliptos1 1 - O plantio em grande escala de eucalipto, introduzido no VRD na década de 1940 pela siderúrgica Belgo-Mineira, cujo projeto deixa claro que serão aproveitadas áreas desmatadas e, ao mesmo tempo, será promovida a conservação das florestas existentes, que têm desde então tratadas e defendidas, e das matas ciliares em cursos d’água, que receberam os mesmos cuidados (OSSE, 1961, pág. 758), está relacionado com a noção de “modernização ecológica”. Sobre esta noção e a de transição florestal de eucalipto, ver Farinaci et al. (2013). . Mesmo assim, a rede de fornecedores estabelecida pela empresa no médio VRD funcionava de forma diferenciada. Segundo Strauch (1958), em 1948, o município de Governador Valadares, por exemplo, a 250 km de João Monlevade, produziu 6.250 toneladas de carvão vegetal para as siderúrgicas. A demanda por carvão vegetal crescia tanto que no mesmo ano de 1948 a CSBM adquiriu carvão vegetal de fornecedores privados no município de Pirapora, no Vale do São Francisco (bioma Cerrado), distante de sua base.

Como as operações da CSBM eram profundamente dependentes das florestas do médio VRD, a empresa procurou controlar a “terra com floresta” e desta forma transformar a floresta em reservas de carvão vegetal. Os planos iniciais de reflorestamento foram adiados devido à necessidade imediata de desmatamento, uma vez que os altos-fornos precisavam ser alimentados imediatamente (POLANCSYK, 2017; ARAÚJO, 1952ARAÚJO, Jayme Benedito de. Carvão vegetal para alto-forno: alguns dados nacionais e estrangeiros. Ministério da Agricultura, Departamento Nacional da Produção Mineral, Laboratório da Produção Mineral. Rio de Janeiro, Boletim 36, 1952.). Gomes (1983GOMES, Francisco de Assis Magalhães. História da siderurgia brasileira. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1983., p. 192) argumenta que “a maior ‘tentação’ foi a bacia do Rio Doce, com sua inigualável abundância de minério e suas notáveis ​​possibilidades em termos de florestas e energia hidráulica”. Dada esta situação, pode-se dizer que após a construção da usina de Monlevade, o VRD tornou-se o epicentro da indústria siderúrgica a carvão de MG (e possivelmente do Brasil como um todo). A partir deste momento, a fronteira do carvão foi o “motor” impulsionador de uma rápida transformação da paisagem; também provocou a migração de grupos humanos e influenciou a legislação fundiária estadual na organização de políticas para novos territórios no médio VRD.

A preocupação da CSBM com a compra de terras florestais fica clara nas declarações do seu ex-presidente:

Quando a Usina Siderúrgica Sabará iniciou suas operações não havia plano de reflorestamento; nem nós sabíamos o que plantar. A expectativa então era que a floresta cortada voltasse a crescer. O carvão era comprado de agricultores que produziam carvão em suas terras. Com o aumento do consumo, comprar terras com floresta e produzir carvão passou a ser uma atividade essencial. (POLANCZYK, 2017POLANCZYK, Antonio. Belgo Mineira. Belo Horizonte: 3i Editora, 2017., p. 185)

A opção pelo carvão vegetal estava, portanto, diretamente ligada à grande disponibilidade de biomassa representada pela Mata Atlântica. Somam-se a este fator as distâncias relativamente curtas envolvidas, a oferta de mão-de-obra barata, que não estava sob o controlo estrito da legislação existente. Além disso, o estímulo governamental também desempenhou um papel importante, visando promover o crescimento da economia e, ao mesmo tempo, integrar novas áreas fronteiriças ao mercado. Em algumas décadas, a paisagem do VRD mudaria drasticamente, em grande parte - embora não exclusivamente - como resultado das ações da CSBM.

Strauch (1958STRAUCH, Ney. Zona metalúrgica de Minas Gerais e vale do Rio Doce. Rio de Janeiro: Conselho Nacional de Geografia, 1958., p. 167) destaca três efeitos socioambientais do uso do carvão vegetal na siderurgia:

  • 1) Desmatamento generalizado, prejudicial às populações locais devido aos desequilíbrios paisagísticos causados.

  • 2) Grandes propriedades pertencentes a siderúrgicas como garantia do fornecimento de carvão vegetal.

  • 3) Aumento dos preços da lenha e do carvão vegetal devido as crescentes distâncias de onde os combustíveis são produzidos.

O ferro, a floresta e os carvoeiros: impactos socioambientais na zona de fronteira do carvão

No início do século XX, a atividade siderúrgica em MG viveu um período de transição, passando da “Era das Forjas” para a “Era das Usinas” (BAETA, 1973BAETA, Nilton. A Indústria Siderúrgica em Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1973.). Por um lado, isto significou a transformação das técnicas de fundição, passando das forjas para os altos-fornos; por outro, uma mudança nas técnicas de produção de carvão vegetal, de fornos de covas para fornos meda. Um censo industrial realizado em 1920 mostra que existiam 76 metalúrgicas em MG, das quais 32 se dedicavam exclusivamente à “fundição e laminação de ferro”. A maior parte das siderúrgicas estava situada na “Zona Metalúrgica”, especialmente entre os municípios do Rio Piracicaba, Santa Bárbara e Itabira. Esses centros industriais concentravam juntos 17 siderúrgicas. Contudo, entre todos os estabelecimentos metalúrgicos cujos dados foram incluídos no censo industrial de 1920, aproximadamente 42% eram empresas de fundição e laminação de ferro - ou seja, eram indústrias siderúrgicas (MINAS GERAIS, 1925).

Infelizmente, nos anos que se seguiram ao censo de 1920 até 1955, os órgãos de estatística do Estado de MG geralmente tratavam do número de estabelecimentos metalúrgicos sem qualquer especificação. Isto torna difícil elencar um número preciso de estabelecimentos dedicados exclusivamente à fundição de ferro. Contudo, considerando a siderurgia a atividade mais importante na conjuntura econômica mineira da primeira metade do século XX, o percentual de estabelecimentos desse tipo de metalurgia foi sempre maior. O Gráfico 1 mostra a evolução quantitativa dos estabelecimentos metalúrgicos de MG no período em questão.

Gráfico 1
Evolução numérica das indústrias metalúrgicas mineiras

No gráfico acima podemos observar um aumento no número de estabelecimentos metalúrgicos a partir de 1937, ano em que a CSBM iniciou suas atividades em João Monlevade. A década de 1930 poderia ser caracterizada como um período marcado pela convergência das aspirações industriais da elite mineira - evidentes desde o Congresso Agrícola, Industrial e Comercial de MG (1903) organizado por João Pinheiro em Belo Horizonte - e pelo projeto nacional de modernização e industrialização lançado após a chegada de Getúlio Vargas no centro do poder. Focando numa escala espacial menor, a década de 1930 também pode ser vista como o ponto em que a devastação florestal no médio VRD começou a acelerar, impulsionada pela expansão do setor metalúrgico.

Recorde-se que o principal combustível até meados do século XX era a lenha, utilizada tanto nas atividades domésticas como nas empresariais. Consultando os dados econômicos disponíveis no Anuário Estatístico, a lenha equivalia a 19,4% de toda a produção extrativista de MG em 1923, mostrando que era o principal produto extraído no Estado, superando até mesmo a mineração. Contudo, a questão aqui é estimar a quantidade de lenha convertida em carvão vegetal para abastecer o setor metalúrgico, especialmente as siderúrgicas.

Neste contexto, a siderurgia e a floresta são indissociáveis. Brito et al. (1997BRITO, Fausto R. A. (ed.); OLIVEIRA, Ana Maria H. C. de; JUNQUEIRA, André C. A ocupação do território e a devastação da Mata Atlântica. In: PAULA, João Antônio de. (ed.) Biodiversidade, população e economia: uma região de Mata Atlântica. Belo Horizonte: UFMG/CEDEPLAR/ECMXC/PADCT/CIAMB, 1997, p.48-89., p. 50) argumenta que “nossas maiores riquezas não eram apenas as ‘jazidas de ferro’, mas também as densas florestas”. Desenvolveu-se então uma paisagem peculiar, sofrendo profundamente com o impacto da siderurgia a carvão vegetal, já que “todas as usinas trabalham com carvão vegetal” (ANNUÁRIO…, 1925, p. 482).

A produção de carvão vegetal para as usinas utilizava predominantemente fornos do tipo meda (ou balões), que, embora utilizassem de técnica rudimentar, atendia às necessidades das siderúrgicas. As usinas apresentaram elevados coeficientes de consumo de carvão vegetal em relação às demais matérias-primas. Até a década de 1950, por exemplo, a carga de carvão de um alto-forno na CSBM era de 4 a 6 vezes maior que o restante da carga, como minério sinterizado, calcário e outros fundentes. Isso representa, em média, o consumo de 475 kg de carvão por tonelada de ferro gusa (C/t) (SIDERURGIA..., 1953, p. 133).

O consumo de carvão vegetal por tonelada de ferro gusa (relação coque) diminuiu, é claro, à medida que foram desenvolvidas inovações nos processos técnicos de fundição e carvoaria. Diversas fontes consultadas na pesquisa especificam a proporção de coque para o período e contexto a que se referem: segundo ABM (1975), por exemplo, até 1937, o consumo de carvão vegetal por tonelada de ferro gusa era em média de 5 m³. O engenheiro Amaro Lanari Jr., em debate realizado no Instituto de Engenharia da USP (São Paulo) em 1948, reclamando da falta de estudos sobre o consumo de carvão vegetal, afirmou que “corresponde a cerca de 4 metros cúbicos de carvão vegetal por tonelada de ferro gusa” (O PROBLEMA..., 1948). Na outra ponta da escala, o professor da EMOP, Clodomiro de Oliveira, afirmou que nas décadas de 1920 e 1930 eram utilizados 3,5 m³ de carvão vegetal para cada tonelada de ferro gusa (GOMES, 1983GOMES, Francisco de Assis Magalhães. História da siderurgia brasileira. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1983.). Araújo (1952ARAÚJO, Jayme Benedito de. Carvão vegetal para alto-forno: alguns dados nacionais e estrangeiros. Ministério da Agricultura, Departamento Nacional da Produção Mineral, Laboratório da Produção Mineral. Rio de Janeiro, Boletim 36, 1952.), por sua vez, apresentou os mesmos coeficientes de Clodomiro de Oliveira.

Apesar disso, o presente estudo adota a relação de 4 m³ de carvão vegetal por tonelada de ferro gusa, informada pela própria CSBM (CSBM, 1955), para estimar a extração florestal. Alerta-se o leitor, portanto, que os cálculos de consumo de carvão vegetal e lenha, bem como de áreas devastadas para obtenção de carvão vegetal para a siderurgia, feitos nesta pesquisa são os menores níveis de consumo estimados e, portanto, podem realmente ter sido maiores, mas não inferior aos descritos.

Já ao considerar a produção de carvão vegetal por hectare de “floresta”, recorremos a Araújo (1952ARAÚJO, Jayme Benedito de. Carvão vegetal para alto-forno: alguns dados nacionais e estrangeiros. Ministério da Agricultura, Departamento Nacional da Produção Mineral, Laboratório da Produção Mineral. Rio de Janeiro, Boletim 36, 1952.), que utilizou diversas estimativas compiladas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral para calcular que cada hectare de “floresta” fornecia 90 m³ de carvão vegetal (22,5 toneladas). Isso é suficiente para produzir 25 toneladas de ferro gusa. É preciso considerar, porém, que os números apresentados por Labouriau (GOMES, 1983GOMES, Francisco de Assis Magalhães. História da siderurgia brasileira. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1983.), Lanari (O PROBLEMA..., 1948) e Araújo (1952) devem ser considerados em relação a vários fatores: a diversidade dos ecossistemas da Mata Atlântica presente no VRD; as espécies arbóreas utilizadas na operação; a estrutura física e química dos solos; diferenças de altitude e clima; variação de umidade em cada período do ano; o tipo de registro envolvido; a habilidade do carvoeiro; e o transporte do carvão; para listar apenas algumas variantes.

Dessa forma, levando em consideração o exposto, a tabela abaixo apresenta estimativas das áreas de floresta devastadas considerando a quantidade de ferro gusa produzida por ano.

Tabela 1
Relação produção de ferro gusa versus desmatamento

Combinando vários coeficientes, a Tabela 1 mostra o desmatamento estimado, considerando que cada hectare da Mata Atlântica fornecia 90m³ de carvão vegetal, para uma produção de ferro gusa no período 1936-1954. E ainda, obedecendo a proporção de coque de 4 m³ de carvão vegetal para uma tonelada de ferro gusa (4 mCV/1tFG). Também é preciso lembrar que nos anos anteriores a produção de ferro gusa, embora menos significativa, consumiu áreas consideráveis ​​de floresta - ainda mais se ponderarmos que a relação coque foi ainda maior (5 mCV/tFG). Contudo, a região onde a carbonização se concentrou ainda era a zona metalúrgica.

Seguindo essa análise, a afirmação de Araújo (1952ARAÚJO, Jayme Benedito de. Carvão vegetal para alto-forno: alguns dados nacionais e estrangeiros. Ministério da Agricultura, Departamento Nacional da Produção Mineral, Laboratório da Produção Mineral. Rio de Janeiro, Boletim 36, 1952., p. 24) de que o consumo de carvão vegetal para a siderurgia “pode ser responsabilizado pelo desmatamento de 1.870 km²” entre 1901 e 1950 pode estar errada. Na verdade, o número seria muito maior. Strauch (1958STRAUCH, Ney. Zona metalúrgica de Minas Gerais e vale do Rio Doce. Rio de Janeiro: Conselho Nacional de Geografia, 1958.) também sugere um consumo anual de 100 km² de floresta, o que corresponderia a 5.000 km² de desmatamento no mesmo período citado por Araújo. No entanto, este é um número exagerado pelo fato de o cálculo considerar apenas os coeficientes da década de 1950.

Pode-se concluir que durante a “Era das Usinas”, o desmatamento foi relativamente pequeno quando comparamos com a área geográfica total do Estado de Minas Gerais, mesmo se considerarmos apenas o VRD (86.715 km2). Contudo, quando tomamos uma escala de nível maior, especialmente o médio VRD, torna-se evidente que o impacto da carbonização foi profundo e teve uma influência drástica na paisagem e também na experiência da fronteira.

A literatura especializada sustenta que a localização de uma indústria siderúrgica é fundamental para a sua existência e deve ser orientada pela disponibilidade de matéria-prima. Claro que o ponto principal é estar “próximo da matéria-prima que mais pesa nos custos totais dos insumos” (BAER, 1970BAER, Werner. Siderurgia e Desenvolvimento Brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1970., p. 38). Neste caso, a localização da CSBM e de outras siderúrgicas foi influenciada pelas fontes de carvão vegetal. O combustível foi fundamental para o funcionamento dos altos-fornos, constituindo 60% de sua carga até 1950 (LANARI, 1951). Assim, a necessidade do carvão para saciar a fome da siderurgia - e, consequentemente, a abertura de frentes de exploração florestal para a produção do material - permite definir a fronteira do Rio Doce como uma zona “carbonífera”. O carvão vegetal não foi o único motivo da incursão nas “florestas do Rio Doce”, mas as praças de carvão tiveram papel decisivo. O avanço das carvoarias abriu fronteiras econômicas e estas estiveram ligadas a múltiplos interesses, nomeadamente a agricultura e a indústria madeireira. Ligado à praça de carvão está o personagem central da fronteira, o carvoeiro, rotulado como “o fazedor de deserto”, como denunciou uma fonte na época (O VALLE..., 1940).

É um tanto surpreendente que um personagem tão central tenha recebido tão pouca atenção nas pesquisas. Quando consideramos a fronteira do Rio Doce, predominou uma atividade essencialmente artesanal na produção de carvão vegetal até a década de 1950, incluindo tanto as ferramentas de trabalho (machados, foices, ancinhos, pás, garfos e enxadas) quanto as técnicas de construção dos fornos utilizados no processo de carbonização. Segundo Lanari (1946), e também Louis Ensch (SIDERURGIA..., 1952), 70% do trabalho das siderúrgicas concentrava-se na produção de carvão vegetal, realizado dentro das florestas. Isto sublinha a enorme importância das praças de carvão abertas no meio da floresta, sem os quais as siderúrgicas não teriam conseguido funcionar. Na época, a Mata Atlântica era ocupada por milhares de carvoeiros, recrutados por grandes empresas que “no meio de imensas florestas nos mandam desenvolver sua técnica sem uma maneira clara” (THIÉBLOT, 1984THIÉBLOT, Marcel Jules. Escuros artesãos de uma valiosa energia - carvoeiros e carvão de lenha. São Paulo: Escola de Folclore, 1984., p. 50).

Na época, esses carvoeiros ocupavam-se de diversas tarefas nas carvoarias, exercendo “atividade intensa, sem interrupção e sem descanso” (SOUZA, 1946SOUZA, Elza Coelho de. Carvoeiro. Revista Brasileira de Geografia. Brasília (DF), v. 8, n. 4, p. 585-586, Oct.-Dec. 1946., p. 151). Nesse sentido, podemos sugerir que a floresta (e especificamente a carvoaria) representava o centro da vida social dos carvoeiros. O seu trabalho estava interligado com as tarefas domésticas e a vida familiar, devido ao fato de os fornos terem de ser mantidos sob constante vigilância. Assim, a presença de famílias nas carvoarias era a norma (GUIMARÃES; JARDIM, 1982). Aproximando-nos um pouco mais, fica claro que a dedicação dos carvoeiros às tarefas envolvidas na operação dos fornos de carvão os forçou - temporariamente, pelo menos - a construir suas moradias nas praças de carvão. Expostos a fumaça e fuligem resultante da combustão da lenha; sempre prontos para desmontar sua moradia provisória e partir para se instalar em novo local, acompanhando o avanço incessante das áreas exploradas.

Souza (1946SOUZA, Elza Coelho de. Carvoeiro. Revista Brasileira de Geografia. Brasília (DF), v. 8, n. 4, p. 585-586, Oct.-Dec. 1946.) explica que:

O carvoeiro vive sempre na floresta, na solidão, morando em cabanas pobres de pau-a-pique, cobertas de palha, sem qualquer conforto, para não falar da higiene. Alguns deles, quando o proprietário permite, possuem pequenas plantações e animais domésticos. Mesmo assim, é mais comum que não plantem nada e comprem tudo na cidade mais próxima. (SOUZA, 1946SOUZA, Elza Coelho de. Carvoeiro. Revista Brasileira de Geografia. Brasília (DF), v. 8, n. 4, p. 585-586, Oct.-Dec. 1946., p. 151)

Os fornos de carvão tinham que ser vigiados dia e noite. Enquanto um estava carbonizando, o outro já estava sendo montado e um mais antigo já estava em fase de resfriamento. O carvoeiro e sua família moviam-se assim incessantemente e ficavam totalmente dependentes do que a floresta oferecia, pois, como podemos perceber, ele não podia sair do local. Ao mesmo tempo em que derrubavam a floresta para obter lenha, desfrutavam do que a floresta remanescente tinha a oferecer: comida, água e meios para trabalhar e viver com o mínimo de conforto. O carvoeiro tinha uma relação contraditória com a floresta. Afinal, a moradia do carvoeiro e de sua família, assim como quase tudo que nela existia, veio da floresta. Por outro lado, a sua obra consistiu paradoxalmente na devastação das florestas. Embora não possa ser responsabilizado pela “devastação”, uma vez que trabalhava a serviço das siderúrgicas, também não pode ser admirado como se “vivesse em harmonia com a natureza” - como o carvoeiro de Thiéblot (1984THIÉBLOT, Marcel Jules. Escuros artesãos de uma valiosa energia - carvoeiros e carvão de lenha. São Paulo: Escola de Folclore, 1984., pp. 73-74).

O carvoeiro é alguém com pouca capacidade de atuação dentro do sistema econômico em que está inserido. Como argumentou Thiéblot (1984THIÉBLOT, Marcel Jules. Escuros artesãos de uma valiosa energia - carvoeiros e carvão de lenha. São Paulo: Escola de Folclore, 1984., p. 74), o carvoeiro “é o assalariado escravizado, que assume qualquer trabalho, vende sua força e seu suor, com machado e forno quente”. Contudo, os carvoeiros da fronteira não aparecem nas estatísticas. Os dados do censo de 1920, compilados pelo II Anuário Estatístico publicado em 1925, referem-se à mão de obra empregada na indústria. Este documento não menciona carvoeiros, lenhadores, carreiros ou carroceiros, nem mesmo outros trabalhadores ligados à carbonização da madeira - provavelmente ocultos na categoria agrícola - mas indica um total de 11.060 trabalhadores, exclusivamente homens, empregados na metalurgia no ano de 1920 ( MINAS GERAIS..., 1925, p. 70).

Contando o número de empregados na metalurgia, portanto, e utilizando a estimativa fornecida por Lanari (1946), havia em média sete vezes mais trabalhadores dedicados à carbonização do que à fundição. Daí podemos inferir que cerca de 70 mil trabalhadores estavam envolvidos na “indústria” do carvão vegetal em 1920, sem falar dos envolvidos no transporte do carvão. É um montante significativo, “invisibilizado”, porém, pelas estatísticas oficiais. Apesar de constituirem um importante contingente de trabalhadores da CSBM, viviam em condições precárias na floresta, sem contratos legalizados ou garantias. Ao contrário dos trabalhadores da fundição - que contavam com diversas formas de assistência da CSBM, que incluíam moradia, hospitais, escolas e até clubes de lazer - os carvoeiros ainda trabalhavam com o machado, em moradias precárias, enfrentando todo tipo de doenças e adversidades na floresta, trabalhando na linha de frente da indústria siderúrgica.

No Brasil, a profissão de carvoeiro é possivelmente uma das que menos mudou ao longo das décadas. Com efeito, a precariedade do trabalho pode ser observada ainda nos dias atuais. A escravidão na indústria do carvão ainda é uma realidade. Vários fatores explicam este fenômeno: a natureza isolada do trabalho, a fraca qualificação dos trabalhadores, o enorme contingente de mão de obra disponível e a escassez e pobreza das áreas onde funcionam as carvoarias. Tudo isso exemplifica a exploração do trabalho na sua forma mais indigna e devastadora pelos capitalistas (SAKAMOTO, 2007).

Como mostra o texto, a fronteira do carvão foi marcada de forma decisiva pela conversão de florestas em carvão vegetal. Da mesma forma, as siderúrgicas converteram camponeses, agricultores, madeireiros, comerciantes e todo tipo de trabalhadores em “criadores de deserto”. Citando uma de nossas fontes anteriores mencionadas:

E todos, mais ou menos, são carvoeiros. As tropas cargueiras na estrada carregam carvão, as clareiras da floresta estão cheias de carvão como um pátio de ferrovia, as crianças estão lambuzadas de carvão, a paisagem está carbonizada como um limpador de chaminés, os horizontes estão cheios de fumaça subindo dos sapêcos, os trens sobem carregando carvão. E tudo é carvão e lenha. (O VALE..., 1940, p. 63)

Conclusão

O estudo mostrou que ao abordar a história da indústria siderúrgica e a experiência da fronteira por meio das ferramentas teórico-metodológicas da história ambiental, podemos fornecer novas respostas à questão dos impactos socioambientais na fronteira do carvão vegetal. Ao mesmo tempo, isso traz à tona aspectos que os estudos da história da indústria siderúrgica têm negligenciado. Além disso, mensurar a devastação causada pela siderurgia contribui para emergir novos problemas para os estudos sobre a industrialização de MG e do Brasil. O caminho percorrido também foi traçado por aqueles que trazem uma história das florestas que outrora cobriram grande área do estado de MG, principalmente todo o VRD.

Vale ressaltar aqui que a abordagem teórica da história ambiental toma a natureza e a sociedade como dimensões indissociáveis. O que chamamos de ferramentas metodológicas da história ambiental compreende, portanto, o conjunto de meios analíticos e conceitos que esta perspectiva teórica oferece para articular processos sociais e ambientais. Essa abordagem confere uma dimensão socioambiental crítica à análise das fontes históricas. A pesquisa utilizou documentos produzidos na primeira metade do século XX, incluindo jornais, revistas, boletins informativos, relatórios técnicos, fotos, anuários estatísticos e, em especial, arquivos fundiários de MG. Também foi importante a pesquisa documental no Centro de Memória da ArcelorMittal (antiga Belgo-Mineira) onde tivemos acesso aos documentos internos da empresa.

O fenômeno da fronteira no Brasil converge com a formação histórica do território nacional como um todo, incluindo, portanto, o estado de MG. Porém, ao considerarmos a fronteira na bacia do Rio Doce, precisamos ir além da ideia de fronteira agrícola, uma vez que nesta região se constituiu uma fronteira mineiro-metalúrgica e carbonífera. Remontando ao século XVIII, esta especificidade já se percebe, uma vez que a exploração do ouro exigiu também a instalação de forjas e a produção de ferro. No século XIX, com o esgotamento das jazidas de ouro, a atividade agrícola e o custo dos transportes funcionaram como incentivo para aumentar o número de forjas na porção oeste da bacia do Rio Doce. Na primeira metade do século XX, já na era da industrialização e do crescimento da capital mineira, Belo Horizonte, as forjas rudimentares deram lugar às siderúrgicas e a dezenas de fábricas de ferro gusa.

Esse movimento de longa duração emergente da fronteira do carvão no VRD resultou na produção de uma paisagem marcada pela devastação florestal. O VRD contava com jazidas de minério, florestas e uma ferrovia (EFVM) cujo traçado, ligando o centro de MG, a Zona Metalúrgica e o porto do estado do Espírito Santo, criou um sistema sociotécnico que facilitou o desenvolvimento da fronteira do carvão. Fundada em 1921, o CSBM representou a síntese deste sistema sociotécnico: respondendo plenamente às intenções e ambições de desenvolvimento político dos diversos sucessivos governos de MG a partir de João Pinheiro. Obviamente, houve também a influência de vários setores econômicos e políticos que chegaram ao poder a nível nacional com a Revolução de 1930.

A pesquisa sobre a indústria siderúrgica a carvão vegetal do ponto de vista da história ambiental é essencial dada a longevidade espetacular das usinas em MG. Poucas destas siderúrgicas seguiram o caminho mais comumente seguido noutros países, nomeadamente a transição do carvão vegetal para o carvão mineral. É preciso considerar as melhorias ocorridas com a utilização do termorredutor de origem vegetal pelas siderúrgicas. Recentemente, graves problemas ambientais, particularmente a crise climática, apresentaram novas exigências à indústria siderúrgica. O elemento termorredutor de origem vegetal tornou-se uma fonte alternativa de energia renovável e redução na emissão de CO2. As florestas plantadas para a produção de carvão vegetal, ao absorverem dióxido de carbono para o seu crescimento, contribuem para mitigar as emissões de carbono geradas na produção de ferro e aço.

Esta pesquisa também é uma tentativa de demonstrar os impactos socioambientais da indústria siderúrgica a carvão sobre os carvoeiros que habitam a floresta e vivem em comunidades dispersas e isoladas, distantes dos centros urbanos e comerciais do Brasil. Na bacia do Rio Doce, as condições de trabalho eram - e no norte de MG ainda são - caracterizadas por técnicas rudimentares, laços sociais frágeis, relações de trabalho inseguras e não legalizadas, muitas vezes uma “forma contemporânea de escravidão”, como argumentado acima. Em suma, este estudo é uma contribuição para uma compreensão socioambiental integrada da indústria siderúrgica brasileira, levando em consideração aspectos que vão além de questões meramente econômicas.

Agradecimentos

Nossos sinceros agradecimentos às instituições que tornaram este trabalho possível: CAPES, FAPEMIG, IFMG, UNIVALE e UFSC.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    08 Dez 2022
  • Aceito
    20 Dez 2023
ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
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