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Tomografia computadorizada e ressonância magnética no Brasil: estudo epidemiológico sobre distribuição dos equipamentos, frequência de realização dos exames e comparação entre setores público e privado

Resumo

Objetivo:

Comparar informações sobre procedimentos radiológicos de alta complexidade – tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM) –, considerando o número de aparelhos e o quantitativo de exames nas esferas pública e privada nas cinco regiões brasileiras entre 2015 e 2021.

Materiais e Métodos:

Trata-se de um estudo descritivo de série temporal que utilizou dados secundários do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde, órgão do Ministério da Saúde (MS) responsável pela coleta e armazenamento das informações relacionadas à saúde no Brasil. Analisamos os números de aparelhos e de exames de TC e RM, considerando os tipos de aparelhos e exames, instituição (pública ou privada), região brasileira e ano (2015 a 2021).

Resultados:

Houve aumento de aparelhos e exames de TC e RM em todas as regiões ao longo dos anos. A esfera privada apresentou maior aquisição desses aparelhos e crescimento no número de exames. O sistema público não atingiu o número de aparelhos preconizado pelo MS, enquanto o sistema privado superou a recomendação. Observou-se maior número de exames na esfera privada quando comparada à pública.

Conclusão:

O sistema público não atendeu aos números de aparelhos e exames realizados preconizados pelo MS, diferentemente da esfera privada, em todas as regiões no período estudado.

Unitermos:
Tomografia computadorizada; Ressonância magnética; Sistemas de informação em saúde; Setor público; Setor privado

Abstract

Objective:

To compare information on highly complex radiological procedures—computed tomography (CT) and magnetic resonance imaging (MRI)—between the public and private health care systems, across the five regions of Brazil, in terms of the numbers of radiological devices and examinations performed, between 2015 and 2021.

Materials and Methods:

This was a descriptive time series analysis of secondary data in the public domain, available from the Information Technology Department of the Brazilian Unified Health Care System, an entity of the Brazilian National Ministry of Health (NMH) that is responsible for collecting and storing health-related information in Brazil. The analysis included the numbers of CT and MRI scanners; the volumes and types of examinations; the type of institution (public or private); the regions of the country; and the years (2015 to 2021).

Results:

Progressive increases in the numbers of CT and MRI devices, as well as in the volumes of examinations, were observed over the years in all regions of the country. The private sector showed higher rates of equipment acquisition and of growth in the number of examinations. However, the public health care system did not reach the equipment targets set by the NMH, whereas the private health care system surpassed those targets. A greater number of examinations were performed in the private sector than in the public sector.

Conclusion:

During the period evaluated, the public health care system did not meet the equipment or examination targets recommended by the NMH, in any of the regions of the country, unlike the private health care system, which exceeded both in all of the regions.

Keywords:
Tomography, X-ray computed; Magnetic resonance imaging; Health information systems; Public sector; Private sector

INTRODUÇÃO

A medicina diagnóstica é crucial no cuidado à saúde, englobando diversos exames, incluindo estudos radiológicos por imagem(11 Campana GA, Faro LB, Gonzalez CPO. Fatores competitivos de produção em medicina diagnóstica: da área técnica ao mercado. J Bras Patol Med Lab. 2009;45:295–303.). Embora os fundamentos dessa área remontem aos primórdios da ciência médica, foi graças aos avanços tecnológicos e ao aprofundamento de disciplinas como física, química e fisiopatologia que ela alcançou os atuais níveis de precisão e aplicabilidade. Assim, a medicina diagnóstica passou a representar uma parcela significativa do mercado de atuação dos profissionais de saúde, encontrando-se em franca expansão(22 Martins LO. O segmento da medicina diagnóstica no Brasil. Revista da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba. 2014;16:139–45.).

O Sistema Único de Saúde (SUS) visa garantir acesso integral, universal e gratuito aos cidadãos, incluindo serviços de medicina diagnóstica(33 Barbosa AP, Malik AM. Challenges in the organization of health public-private partnerships in Brazil. Analysis of projects designed between January 2010 and March 2014. Rev Adm Pública. 2015;49:1143–65.). Dessa forma, os exames radiológicos estão incluídos nas responsabilidades do SUS, sendo classificados em graus de complexidade: média (radiografia e ultrassonografia) e alta (tomografia computadorizada [TC] e ressonância magnética [RM])(44 Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Assistência de média e alta complexidade no SUS. Brasília, DF: CONASS; 2013.). Apesar de ser atribuição do governo federal, nem sempre o SUS consegue suprir a alta demanda por esses procedimentos(33 Barbosa AP, Malik AM. Challenges in the organization of health public-private partnerships in Brazil. Analysis of projects designed between January 2010 and March 2014. Rev Adm Pública. 2015;49:1143–65.). Por isso, houve a incorporação da saúde complementar, que une esforços do setor privado à esfera pública, e da saúde suplementar, referente aos serviços de planos de saúde, regulados e fiscalizados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)(55 Gerschman S, Ugá MAD, Portela M, et al. O papel necessário da Agência Nacional de Saúde Suplementar na regulação das relações entre operadoras de planos de saúde e prestadores de serviços. Physis. 2012;22:463–76.).

O Departamento de Informática do SUS (DATASUS) é um órgão da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde (MS) responsável por coletar, processar, armazenar e difundir os dados sobre os serviços de saúde no Brasil, incluindo os procedimentos radiológicos de alta complexidade. Essa entidade obtém as informações provenientes de sistemas e instituições de saúde associados ao SUS, sendo disponível para toda a população e servindo não apenas como um repositório de informações, mas também como uma ferramenta valiosa para análise e entendimento da saúde pública no País(33 Barbosa AP, Malik AM. Challenges in the organization of health public-private partnerships in Brazil. Analysis of projects designed between January 2010 and March 2014. Rev Adm Pública. 2015;49:1143–65.,66 Sousa AF, Stadulni ARP, Costa LBA. Uso de dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) em pesquisas científicas. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. 2021;11:171–85.,77 Pozzo L, Coura Filho G, Osso Júnior JA, et al. O SUS na medicina nuclear do Brasil: avaliação e comparação dos dados fornecidos pelo Datasus e CNEN. Radiol Bras. 2014;47:141–8.,). Esses dados influenciam decisões dos gestores e profissionais de saúde, permitindo a identificação de demandas específicas, detecção de tendências, planejamento estratégico, alocação de recursos e avaliação dos resultados das políticas implementadas. Ademais, o acesso aberto e gratuito às informações possibilita que pesquisadores e a sociedade em geral conduzam estudos, contribuindo para o conhecimento científico e monitoramento do sistema de saúde brasileiro(88 Coelho Neto GC, Chioro A. Afinal, quantos Sistemas de Informação em Saúde de base nacional existem no Brasil? Cad Saúde Pública. 2021;37:e00182119.).

Apesar de o SUS fornecer gratuitamente a maioria dos procedimentos radiológicos, estima-se que exista uma desigualdade na distribuição dos equipamentos e oferta de exames entre as regiões do Brasil, assim como entre os setores público e privado(99 Cambota JN, Rocha FF. Determinantes das desigualdades na utilização de serviços de saúde: análise para o Brasil e regiões. Pesquisa e planejamento econômico. 2015;45:219–43.). Diante desse contexto, o presente estudo teve como objetivo comparar as informações disponíveis no DATASUS referentes aos procedimentos radiológicos de alta complexidade (TC e RM), considerando a distribuição e a quantidade dos equipamentos radiológicos em uso, bem como o volume de exames realizados nas esferas pública e privada nas cinco regiões brasileiras no período compreendido entre 2015 e 2021.

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo que utiliza dados secundários do DATASUS. A análise por comitê de ética em pesquisa foi dispensada, pois foram empregados dados de domínio público, sem informações pessoais ou identificáveis dos indivíduos envolvidos. O estudo abrangeu todo o território nacional, incluindo as Regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste, no período de 2015 a 2021.

Sistemas de informação

Foram considerados equipamentos de alta complexidade os aparelhos de TC e de RM em funcionamento por região, registrados no Centro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. Os dados referentes ao número de exames foram coletados do Sistema de Informação Ambulatorial e do Sistema de Informação Hospitalar do SUS. Os dados referentes à saúde suplementar também foram analisados.

As informações do Centro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, do Sistema de Informação Ambulatorial do SUS e do Sistema de Informação Hospitalar do SUS estão disponíveis no DATASUS (https://datasus.saude.gov.br/) e os dados sobre a saúde suplementar estão disponíveis no site da ANS (https://www.gov.br/ans/pt-br). Para calcular proporções e coeficientes, foram utilizadas estimativas populacionais do período de 2015 a 2021 fornecidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)(1010 IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estimativas de população. [cited 2022 Feb 20]. Available from: https://www. ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9103-estimativas-de-populacao.html.
https://www. ibge.gov.br/estatisticas/so...
).

Análise de dados

O processamento, a análise e a organização dos dados, bem cómo a confecção de gráficos e tabelas, foram executados por dois pesquisadores — uma estudante de medicina do quinto ano e uma radiologista com 17 anos de experiência –, utilizando o programa Microsoft Office Excel versão 10.

Para analisar a distribuição geográfica dos aparelhos de TC e RM e a quantidade de exames realizados no SUS anualmente, foram utilizados como referência a recomendação da Portaria MS/GM N° 1.631 de 1o de outubro de 2015 (Portaria 1.631/2015)(1111 Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria no 1.631, de 1º de outubro de 2015. Aprova critérios e parâmetros para o planejamento e programação de ações e serviços de saúde no âmbito do SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2015.) e o Caderno 1 - Parâmetros para programação das ações e serviços de saúde de média e alta complexidade(1212 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Regulação, Avaliação e Controle. Critérios e parâmetros para o planejamento e programação de ações e serviços de saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde. Parâmetros SUS. 1ª ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2015.).

Os cálculos para determinar a quantidade de equipamentos de TC e RM necessários para atender a população, bem como a quantidade de exames de RM, estão expostos nas equações 1, 4 e 5. A Portaria 1.631/2015(1111 Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria no 1.631, de 1º de outubro de 2015. Aprova critérios e parâmetros para o planejamento e programação de ações e serviços de saúde no âmbito do SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2015.) não define parâmetro para o número de exames de TC necessários. Essa informação também não foi encontrada em outros documentos do MS.

Eq. 1 T = ( 10 × e s t i m a t i v a d e h a b i t a n t e s d a r e g i ã o e m d e t e r m i n a d o a n o ) / 1 × 10 6
Eq. 2 X = ( t o t a l d a p o p u l a ç ã o × 30 ) / 1000
Eq. 3 U = n e c e s s i d a d e d e r e s s o n â n c i a / 5000
Eq. 4 R = ( n ° d e h a b i t a n t e s d a r e g i ã o × 6 ) / 1 × 10 6
Eq. 5 E N = ( e s t i m a t i v a d o n ú m e r o d e h a b i t a n t e s d a r e g i ã o n o a n o × 30.000 ) / 1 × 10 6

Número de tomógrafos necessários por ano e região

Com base na Portaria 1.631/2015(1111 Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria no 1.631, de 1º de outubro de 2015. Aprova critérios e parâmetros para o planejamento e programação de ações e serviços de saúde no âmbito do SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2015.), que preconiza 10 tomógrafos por um milhão de habitantes, foi utilizada a seguinte equação:

Número de equipamentos necessários de RM por ano e região

Para essa definição, a Portaria 1.631/2015(1111 Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria no 1.631, de 1º de outubro de 2015. Aprova critérios e parâmetros para o planejamento e programação de ações e serviços de saúde no âmbito do SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2015.) fornece um cálculo exposto na equação 2. Com base nela, são necessários seis equipamentos de RM por um milhão de habitantes. A produtividade do equipamento de RM é de 5.000 exames por ano e a estimativa de necessidade de exames (X) é de 30 exames para cada 1.000 habitantes:

A equação 3 define o cálculo do número de equipamentos de RM necessários:

Assim, culminamos na equação 4, referente à quantidade de equipamentos de RM necessários por região brasileira, em que R é o número de equipamentos:

Número de exames necessários de TC por ano e região

A Portaria 1.631/2015(1111 Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria no 1.631, de 1º de outubro de 2015. Aprova critérios e parâmetros para o planejamento e programação de ações e serviços de saúde no âmbito do SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2015.) não traz informação sobre número de exames necessários de TC por ano e região para atender a população, impossibilitando o nosso estudo de realizar uma análise comparativa com esses parâmetros.

Número de exames necessários de RM por ano e região

A Portaria 1.631/2015(1111 Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria no 1.631, de 1º de outubro de 2015. Aprova critérios e parâmetros para o planejamento e programação de ações e serviços de saúde no âmbito do SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2015.) estima a necessidade de 30.000 exames de RM por um milhão de habitantes. Assim, para o cálculo do número de exames necessários (EN) de RM por ano e região utilizamos a equação 5:

Variação porcentual ano a ano

A variação porcentual ano a ano (VPA) foi calculada para a população, número de exames de alta complexidade e de equipamentos de TC e RM. Esse cálculo foi realizado de acordo com a equação 6:

Eq. 6 V P A = [ ( v a l o r n o s e g u n d o a n o v a l o r n o p r i m e i r o a n o ) / ( v a l o r n o p r i m e i r o a n o ) ] × 100

Porcentual médio de crescimento

O porcentual médio de crescimento (PMC) no período de 2015–2021 foi realizado para população, número de exames de alta complexidade e de equipamentos de TC e RM. Esse cálculo foi obtido com base na equação 7.

Eq. 7 P M C = ( p o r c e n t u a i s a n u a i s d e c r e s c i m e n t o / n ú m e r o d e p o r c e n t u a i s ) × 100

RESULTADOS

Estimativa populacional por região segundo o IBGE

Foi observado um aumento populacional em todas as regiões brasileiras ao longo dos anos, com um porcentual médio de crescimento durante o período 2015–2021 correspondendo a 0,72% (Tabela 1).

Tabela 1
Estimativa da população residente por região e ano (2015 a 2021).

Número de equipamentos de TC e de RM necessários em cada região brasileira

O número necessário de aparelhos de TC para atender de forma satisfatória a população de cada região brasileira e a estimativa do número exigido de exames de RM estão demonstrados na Tabela 2. Foi observado um aumento na quantidade de equipamentos de TC e de RM ao longo dos anos em todas as regiões, acompanhando a tendência do aumento populacional (Tabela 2).

Tabela 2
Número total de equipamentos de TC e de RM necessários por região brasileira, de 2015 a 2021.

Número de equipamentos de TC e de RM em uso em cada região brasileira nos sistemas público e privado

A Tabela 3 mostra um aumento na distribuição espacial dos aparelhos de TC e de RM em uso em todas as regiões, sendo mais acentuado na esfera privada. Essa última detém, em todas as regiões e anos, o maior porcentual de equipamentos em uso, somando mais de 60% dos recursos de alta complexidade.

Tabela 3
Distribuição espacial de equipamentos de TC e de RM em uso nas administrações pública e privada, por região brasileira, de 2015 a 2021.

As porcentagens de tomógrafos em uso foram maiores nas entidades privadas, variando de 63,4% (Sul, em dezembro de 2015) a 83,6% (Centro-Oeste, dezembro de 2019). Em todas as regiões, a porcentagem de tomógrafos da esfera pública variou de 6,8% (Sul, dezembro de 2016) a 20,8% (Nordeste, dezembro de 2021).

A Região Sudeste teve o maior número de equipamentos de RM em uso, tanto na esfera pública quanto na esfera privada. As porcentagens de aparelhos de RM em uso de cada esfera jurídica em relação ao total foram sempre maiores nas entidades privadas, variando de 73% (Sul, em dezembro de 2015) a 90,3% (Centro-Oeste, dezembro de 2019). Em todas as regiões, a porcentagem de aparelhos de RM da esfera pública variou de 1,8% (Centro-Oeste, dezembro de 2016) a 12,6% (Norte, dezembro de 2019), conforme exposto na Figura 1, que compara a quantidade de equipamentos de TC e de RM nos sistemas público e privado na Região Sudeste.

Figura 1
Quantidade de equipamentos de TC e de RM nos sistemas público e privado na Região Sudeste

Quanto à variação de crescimento anual, o sistema público apresentou porcentual médio de 7,6% para os tomógrafos e de 10,8% para os equipamentos de RM, enquanto o sistema privado apresentou um porcentual médio de 7% para os tomógrafos e de 7,8% para os aparelhos de RM. No entanto, apesar de o crescimento anual ter sido maior no setor público, a porcentagem da meta definida pela Portaria 1.631/2015(1111 Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria no 1.631, de 1º de outubro de 2015. Aprova critérios e parâmetros para o planejamento e programação de ações e serviços de saúde no âmbito do SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2015.) não foi atingida em nenhuma região durante o período do estudo nesta esfera.

Numa análise baseada nas regiões brasileiras, a porcentagem da meta definida pela Portaria 1.631/2015(11) foi alcançada em todas as regiões para os tomógrafos no âmbito privado, ocorrendo o oposto no setor público (Tabela 4). As médias porcentuais dos tomógrafos foram muito parecidas na esfera pública, sendo menor na Região Sul, diferentemente do setor privado, que apresentou menores números nas Regiões Norte e Nordeste. No que diz respeito aos aparelhos de RM, na administração privada a Região Nordeste foi a única que não cumpriu a meta definida pela Portaria 1.631/2015(1111 Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria no 1.631, de 1º de outubro de 2015. Aprova critérios e parâmetros para o planejamento e programação de ações e serviços de saúde no âmbito do SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2015.). Já na esfera pública, nenhuma das regiões efetivou o objetivo da Portaria, com menores números observados nas Regiões Sul e Centro-Oeste.

Tabela 4
Porcentagem da meta definida para tomógrafos e equipamentos de RM das administrações pública e privada, segundo os parâmetros da Portaria 1631/2015, e a média dessa porcentagem no período (2015–2021).

Número de exames de TC e de RM necessários

O número de exames de TC previstos para atender a população não foi obtido por falta de informações na Portaria 1.631/2015(1111 Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria no 1.631, de 1º de outubro de 2015. Aprova critérios e parâmetros para o planejamento e programação de ações e serviços de saúde no âmbito do SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2015.). As quantidades de equipamentos de RM necessários por região brasileira e por ano estão demonstradas na Tabela 5.

Tabela 5
Número de exames de RM necessários para atender a população de cada região brasileira.

Número de exames de TC e de RM realizados nos sistemas público e privado

As Tabelas 6 e 7 mostram um aumento anual no número de exames de TC e de RM nos sistemas público e privado. Contudo, foi observado que o sistema privado produziu, durante todo o período analisado, cerca de 20% a 80% tomografias (a depender do ano de análise) a mais do que o sistema público.

Tabela 6
Exames de TC e de RM na esfera pública, de 2015 a 2021.
Tabela 7
Exames de TC e RM na esfera privada, de 2015 a 2021.

A quantidade de exames de RM realizados anualmente pelo sistema privado também foi maior quando comparada à do sistema público, notando-se que, neste, o total de exames de RM não atendeu à demanda estipulada pela Portaria 1.631/2015(1111 Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria no 1.631, de 1º de outubro de 2015. Aprova critérios e parâmetros para o planejamento e programação de ações e serviços de saúde no âmbito do SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2015.). Quanto aos exames de TC, apesar de o MS não abordar os parâmetros, é possível perceber que o sistema privado realizou mais tomografias do que o setor público em todos os anos estudados, conforme exposto na Figura 2. O número de exames de RM necessários não foi alcançado pelo sistema público em nenhuma região brasileira, porém, o sistema privado ultrapassou esta necessidade em todos os anos analisados, como indicado na Figura 3.

Figura 2
Exames de TC nos sistemas público e privado, de 2015 a 2021.

Figura 3
Exames de RM nos sistemas público e privado, de 2015 a 2021.

DISCUSSÃO

Este estudo comparou a disponibilidade de equipamentos e exames de TC e RM nos setores público e privado em todas as regiões brasileiras entre 2015 e 2021. Destaca-se por ressaltar a falta de conformidade do sistema público em relação às diretrizes governamentais, com o setor privado apresentado maior número de equipamentos e exames em todas as regiões do País.

Estudos prévios discorrem exclusivamente sobre um método de imagem(1313 Santos DL, Leite HJD, Rasella D, et al. Capacidade de produção e grau de utilização de tomógrafo computadorizado no Sistema Único de Saúde. Cad Saúde Pública. 2014;30:1293–304.), abrangem um Estado específico – mesmo que abordem os métodos de TC e RM(1414 Silva JGF, Santos GV, Nascimento IC, et al. Distribuição dos equipamentos de TC e RM no Estado de Alagoas. Braz J Hea Rev. 2020; 3:13686–95.) –, comparam apenas a distribuição de equipamentos(1515 Silva Santos EE, Gomes Batista CJO, Moura JR, et al. Distribuição de equipamentos de diagnóstico por imagem no âmbito do SUS: um panorama do Estado da Bahia. Rev Bras Pesq Saúde, Vitória. 2019;21:75–83.), incluem somente o sistema público(1313 Santos DL, Leite HJD, Rasella D, et al. Capacidade de produção e grau de utilização de tomógrafo computadorizado no Sistema Único de Saúde. Cad Saúde Pública. 2014;30:1293–304.,1515 Silva Santos EE, Gomes Batista CJO, Moura JR, et al. Distribuição de equipamentos de diagnóstico por imagem no âmbito do SUS: um panorama do Estado da Bahia. Rev Bras Pesq Saúde, Vitória. 2019;21:75–83.) ou restringem-se tanto a um método quanto a uma unidade federativa específica(1616 Silva RBOS, Cavalcante DR, Leal EMM. Distribuição espacial dos equipamentos de tomografia computadorizada nas macrorregiões de saúde do Estado de Pernambuco. [cited 2023 Oct 3]. Available from: https://www.editorarealize.com.br/index.php/artigo/visualizar/ 29249.
https://www.editorarealize.com.br/index....
). No entanto, esses trabalhos apresentaram resultados semelhantes ao presente estudo, seja ao revelarem uma distribuição desigual de equipamentos e exames entre os setores público e privado, com predomínio da rede privada(1313 Santos DL, Leite HJD, Rasella D, et al. Capacidade de produção e grau de utilização de tomógrafo computadorizado no Sistema Único de Saúde. Cad Saúde Pública. 2014;30:1293–304.,1414 Silva JGF, Santos GV, Nascimento IC, et al. Distribuição dos equipamentos de TC e RM no Estado de Alagoas. Braz J Hea Rev. 2020; 3:13686–95.,1717 Amorim AS, Pinto Junior VL, Shimizu HE. O desafio da gestão de equipamentos médico-hospitalares no Sistema Único de Saúde. Saúde Debate. 2015;39:350–62.), ou mesmo ao destacarem que, na maioria das regiões, o sistema público não cumpre os parâmetros recomendados pelo MS tanto para TC quanto para RM(1414 Silva JGF, Santos GV, Nascimento IC, et al. Distribuição dos equipamentos de TC e RM no Estado de Alagoas. Braz J Hea Rev. 2020; 3:13686–95.,1515 Silva Santos EE, Gomes Batista CJO, Moura JR, et al. Distribuição de equipamentos de diagnóstico por imagem no âmbito do SUS: um panorama do Estado da Bahia. Rev Bras Pesq Saúde, Vitória. 2019;21:75–83.,1616 Silva RBOS, Cavalcante DR, Leal EMM. Distribuição espacial dos equipamentos de tomografia computadorizada nas macrorregiões de saúde do Estado de Pernambuco. [cited 2023 Oct 3]. Available from: https://www.editorarealize.com.br/index.php/artigo/visualizar/ 29249.
https://www.editorarealize.com.br/index....
). Assim, o nosso estudo conseguiu fornecer um panorama atualizado de todas as regiões brasileiras sobre a distribuição de equipamentos e da quantidade de exames dos métodos de TC e RM nos sistemas público e privado, comparando-os com os valores estabelecidos na Portaria 1.631/2015(1111 Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria no 1.631, de 1º de outubro de 2015. Aprova critérios e parâmetros para o planejamento e programação de ações e serviços de saúde no âmbito do SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2015.).

Estudos prévios à Portaria 1.631/2015(1111 Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria no 1.631, de 1º de outubro de 2015. Aprova critérios e parâmetros para o planejamento e programação de ações e serviços de saúde no âmbito do SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2015.) mencionam que a oferta de equipamentos na rede privada era superior à da rede pública(1313 Santos DL, Leite HJD, Rasella D, et al. Capacidade de produção e grau de utilização de tomógrafo computadorizado no Sistema Único de Saúde. Cad Saúde Pública. 2014;30:1293–304.,1515 Silva Santos EE, Gomes Batista CJO, Moura JR, et al. Distribuição de equipamentos de diagnóstico por imagem no âmbito do SUS: um panorama do Estado da Bahia. Rev Bras Pesq Saúde, Vitória. 2019;21:75–83.,1717 Amorim AS, Pinto Junior VL, Shimizu HE. O desafio da gestão de equipamentos médico-hospitalares no Sistema Único de Saúde. Saúde Debate. 2015;39:350–62.), ressaltando que a rede pública não atingiu o número de aparelhos recomendados pelo MS na maioria das regiões brasileiras(1414 Silva JGF, Santos GV, Nascimento IC, et al. Distribuição dos equipamentos de TC e RM no Estado de Alagoas. Braz J Hea Rev. 2020; 3:13686–95.). Nesse contexto, cabe a reflexão de que quanto maior a complexidade do procedimento de saúde a ser realizado, menor é a sua acessibilidade pelo sistema público(1717 Amorim AS, Pinto Junior VL, Shimizu HE. O desafio da gestão de equipamentos médico-hospitalares no Sistema Único de Saúde. Saúde Debate. 2015;39:350–62.). O presente estudo corrobora esses dados ao demonstrar que mesmo após a implantação da referida Portaria 1.631/2015(1111 Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria no 1.631, de 1º de outubro de 2015. Aprova critérios e parâmetros para o planejamento e programação de ações e serviços de saúde no âmbito do SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2015.), foi observada a persistência de déficits no sistema público em relação aos exames radiológicos de alta complexidade.

O acesso geográfico limitado a serviços essenciais de saúde no SUS e a concentração de renda são desafios no Brasil(1818 Oliveira APC, Gabriel M, Dal Poz MR, et al. Challenges for ensuring availability and accessibility toin health care services under Brazil’s Unified Health System (SUS). Cien Saude Colet. 2017;22: 1165–80.). Muitos usuários do SUS residem em áreas desassistidas, sendo necessário deslocamento para acessar recursos de saúde(1414 Silva JGF, Santos GV, Nascimento IC, et al. Distribuição dos equipamentos de TC e RM no Estado de Alagoas. Braz J Hea Rev. 2020; 3:13686–95.,1818 Oliveira APC, Gabriel M, Dal Poz MR, et al. Challenges for ensuring availability and accessibility toin health care services under Brazil’s Unified Health System (SUS). Cien Saude Colet. 2017;22: 1165–80.). Nossos dados reforçam essa desigualdade ao demonstrar maior concentração de equipamentos e exames na Região Sudeste. Ademais, a maior parte da população brasileira não participa do sistema privado(1919 Carvalho M, Santos NR, Campos GWS, et al. “As instituições privadas poderão participar de forma complementar do Sistema Único de Saúde...” ou será o contrário? Saúde Debate. 2012;36:11–20.), no qual há uma concentração de equipamentos e de exames realizados, agravando a desigualdade entre os setores(1717 Amorim AS, Pinto Junior VL, Shimizu HE. O desafio da gestão de equipamentos médico-hospitalares no Sistema Único de Saúde. Saúde Debate. 2015;39:350–62.,2020 Albuquerque MSV, Lyra TM, Farias SF, et al. Acessibilidade aos serviços de saúde: uma análise a partir da Atenção Básica em Pernambuco. Saúde Debate. 2014;38(n. especial):182–94.,2121 Oliveira do Ó DMS, Santos RC, Souza FOS, et al. Barreiras de acessibilidade à atenção básica em assentamento em Pernambuco, Brasil, sob a ótica de camponeses, profissionais de saúde e gestão. Cad Saúde Pública. 2022;38:e00072322.). Ficou evidente no presente trabalho que a maioria dos equipamentos de TC e RM pertence ao setor privado. Assim, a maior parte da população enfrenta dificuldades de acesso a exames de alta complexidade, seja pelas questões das distâncias geográficas no SUS, seja pela falta de recursos financeiros para recorrer ao setor privado (complementar ou suplementar).

Ressalte-se que apenas 28,5% da população brasileira possui plano de saúde(2222 Souza Júnior PRB, Szwarcwald CL, Damacena GN, et al. Health insurance coverage in Brazil: analyzing data from the National Health Survey, 2013 and 2019. Cien Saude Colet. 2021;26(suppl 1):2529–41.). No entanto, como observado na presente pesquisa, o sistema privado detém a maioria dos equipamentos e realiza a maior parte dos exames de TC e RM. Este fato mostra que menos de 30% da população brasileira está sendo contemplada pela maior parte dos recursos disponíveis, de modo que a maioria dos brasileiros depende do sistema de saúde, que possui menor porcentagem de recursos. Nota-se, então, uma discrepância entre a demanda dos exames e a capacidade real de acesso ao procedimento. Segundo a Lei nº 8080, cabe ao SUS a formulação da política de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e outros insumos de interesse para a saúde e a participação na sua produção(2323 Brasil. Lei nº 8080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 20/09/1990. p. 18055.). Porém, apesar do investimento governamental na saúde pública, é provável que este não seja suficiente(2424 Carvalho ALB, Jesus WLA, Senra IMVB. Regionalization in the SUS: implementation process, challenges and perspectives in the critical view of system managers. Cien Saude Colet. 2017;22:1155–64.), especialmente com as recentes reduções nos investimentos públicos em todos os setores sociais, incluindo a saúde(2525 Vieira FS. Gasto federal com políticas sociais e os determinantes sociais da saúde: para onde caminhamos? Saúde Debate. 2020;44: 947–61.). A gestão financeira do SUS, influenciada pela política econômica neoliberal, bem como o aumento das privatizações e apoio a grandes empresas, têm contribuído para a redução do capital social(2626 Martins da Silva SC, Santana MACS, Latorraca ERA. Os impactos da redução de investimento público no SUS na pandemia de COVID 19 no Brasil. SCIAS Direitos Humanos e Educação. 2021;4:47–65.). Mesmo observando crescimento do número de tomógrafos e equipamentos de RM, assim como do número de exames realizados de TC e RM, o sistema público não acompanhou o ritmo do sistema privado. O setor público, de forma isolada, não conseguiu suprir as demandas dos procedimentos de alta complexidade no período estudado, segundo as recomendações da Portaria 1.631/2015(1111 Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria no 1.631, de 1º de outubro de 2015. Aprova critérios e parâmetros para o planejamento e programação de ações e serviços de saúde no âmbito do SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2015.).

De acordo com o IBGE, em saúde, os brasileiros desembolsaram per capita R$ 2.035,60 por despesas familiares e institucionais, majoritariamente em serviços privados, e R$ 1.349,60 por gastos governamentais(1010 IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estimativas de população. [cited 2022 Feb 20]. Available from: https://www. ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9103-estimativas-de-populacao.html.
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). Em 2019, a despesa média per capita em saúde nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) excedeu US$ 4.000/pessoa. Os Estados Unidos lideraram com US$ 11.000/cidadão. A Suíça gastou dois terços desse valor, enquanto Noruega e Suécia ultrapassaram metade do gasto americano, cada. O Brasil figura entre os menores investidores da OCDE, tendo investido menos da metade dessa média, mas superando nações como Indonésia e Índia(2727 Organisation for Economic Co-operation and Development. Health at a glance 2021: OECD indicators. Paris, France: OECD Publishing; 2021.). Os gastos brasileiros em saúde atingiram 9,6% do produto interno bruto, com 5,8% destinados ao setor privado, mais que o dobro da média da OCDE, que foi 2,3%. Em relação aos gastos públicos em saúde, o Brasil figura quase no final da lista da OCDE, alocando 3,8% do seu produto interno bruto para este setor. O país fica à frente do México, mas atrás de nações europeias e outros países latino-americanos como Colômbia e Chile(1010 IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estimativas de população. [cited 2022 Feb 20]. Available from: https://www. ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9103-estimativas-de-populacao.html.
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,2727 Organisation for Economic Co-operation and Development. Health at a glance 2021: OECD indicators. Paris, France: OECD Publishing; 2021.). Embora nosso estudo não avalie diretamente os gastos com saúde nos setores público e privado, a análise do aumento no número de equipamentos e do total de exames realizados ao longo dos anos permite constatar a discrepância entre essas esferas administrativas.

Nos Estados Unidos, a maioria dos americanos tem seguro saúde por meio de empregadores ou seguros privados(2828 Smith-Bindman R, Kwan ML, Marlow EC, et al. Trends in use of medical imaging in US Health Care Systems and in Ontario, Canada, 2000-2016. JAMA. 2019;322:843–56.,2929 Zieff G, Kerr ZY, Moore JB, et al. Universal healthcare in the United States of America: a healthy debate. Medicina (Kaunas). 2020;56: 580.), e também por meio de programas governamentais para populações específicas, como idosos e indivíduos de baixa renda(2929 Zieff G, Kerr ZY, Moore JB, et al. Universal healthcare in the United States of America: a healthy debate. Medicina (Kaunas). 2020;56: 580.,3030 DeWalt DA, Oberlander J, Carey T, et al. Significance of Medicare and Medcaid programs for the practice of medicine. Health Care Financ Rev. 2005;27:79–90.). Já no Canadá, o sistema público garante acesso universal aos cuidados com a saúde para os cidadãos canadenses(3131 Martin D, Miller AP, Quesnel-Vallée A, et al. Canada’s universal health-care system: achieving its potential. Lancet. 2018;391:1718– 35.). Nesses países, o uso de métodos de imagem (como TC e RM) está aumentando, configurando um dos principais serviços pagos por seguros de saúde(2828 Smith-Bindman R, Kwan ML, Marlow EC, et al. Trends in use of medical imaging in US Health Care Systems and in Ontario, Canada, 2000-2016. JAMA. 2019;322:843–56.,3232 Canadian Agency for Drugs and Technologies in Health. The Canadian medical imaging inventory 2019–2020. Otawa, Canada: CADTH; 2021.,3333 NHS England. Diagnostic imaging dataset annual statistical release 2019/20. Version 1.0; 2020.). Apesar de essas técnicas auxiliarem no diagnóstico e tratamento, também podem gerar custos e riscos, como sobrediagnóstico(2828 Smith-Bindman R, Kwan ML, Marlow EC, et al. Trends in use of medical imaging in US Health Care Systems and in Ontario, Canada, 2000-2016. JAMA. 2019;322:843–56.,3434 Alves AR, Hanna MD, Jorge ICS, et al. Choosing wisely and its application in the context of health. Brazilian Journal of Development. 2021;7:12140–7.). Nesse aspecto, estima-se que 30% dos exames de imagem nos Estados Unidos e no Canadá sejam desnecessários(2828 Smith-Bindman R, Kwan ML, Marlow EC, et al. Trends in use of medical imaging in US Health Care Systems and in Ontario, Canada, 2000-2016. JAMA. 2019;322:843–56.,3535 Bouck Z, Pendrith C, Chen XK, et al. Measuring the frequency and variation of unnecessary care across Canada. BMC Health Serv Res. 2019;19:446.). No Brasil, com um sistema público de saúde semelhante ao do Canadá, essa tendência de exames excessivos é, também, uma realidade(3636 Olmos RD. Overdiagnosis: harming people in the name of health. Interface (Botucatu). 2021;25:e210636.). Nosso estudo demonstrou um número de exames realizados no setor privado muito superior ao do setor público, levantando o questionamento se esses valores estariam relacionados ao sobrediagnóstico, de forma similar ao que vem demonstrando o cenário internacional(2828 Smith-Bindman R, Kwan ML, Marlow EC, et al. Trends in use of medical imaging in US Health Care Systems and in Ontario, Canada, 2000-2016. JAMA. 2019;322:843–56.,3434 Alves AR, Hanna MD, Jorge ICS, et al. Choosing wisely and its application in the context of health. Brazilian Journal of Development. 2021;7:12140–7.,3535 Bouck Z, Pendrith C, Chen XK, et al. Measuring the frequency and variation of unnecessary care across Canada. BMC Health Serv Res. 2019;19:446.,3636 Olmos RD. Overdiagnosis: harming people in the name of health. Interface (Botucatu). 2021;25:e210636.). No entanto, as bases de dados utilizadas no presente estudo não fornecem informações sobre os motivos das solicitações, sendo necessários outros estudos para confirmar essa suposição.

Nosso estudo tem algumas limitações: a) ausência de dados no DATASUS acerca do número de participações público-privadas existentes no País e da quantidade de equipamentos e exames gerenciados por este recurso – apesar de isso não invalidar as análises realizadas; b) o MS não estabelece parâmetros em relação à quantidade de exames de TC necessários por ano para atender a população, bem como a ANS não disponibiliza o número de exames realizados no setor privado por região brasileira; c) a análise dos equipamentos abordada em nosso estudo é quantitativa, e não qualitativa, impossibilitando comparar fatores como tempo de uso e estado de conservação dos aparelhos; d) apesar de juridicamente as instituições filantrópicas serem pertencentes ao setor privado, elas devem destinar ao menos 60% dos seus atendimentos ao SUS(3737 Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão de Investimentos em Saúde. Rede hospitalar filantrópica no Brasil: perfil histórico-institucional e oferta de serviços. Ministério da Saúde; 2001.). No entanto, nem o DATASUS nem a ANS discriminam o porcentual de exames das instituições filantrópicas realizados no âmbito do SUS. Mesmo com essas limitações, este trabalho pode nortear os órgãos públicos na gestão da disponibilidade de recursos, além de demonstrar lacunas existentes no DATASUS que precisam ser aprimoradas, deixando como perspectivas futuras o incentivo à realização de outros estudos mais aprofundados sobre o tema.

CONCLUSÃO

Em todas as regiões brasileiras e durante todos os anos observados, a esfera pública apresentou menores números de equipamentos e de exames radiológicos de alta complexidade (TC e RM) que o setor privado, notando-se falta de cumprimento dos parâmetros recomendados pela Portaria 1.631/2015(1111 Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria no 1.631, de 1º de outubro de 2015. Aprova critérios e parâmetros para o planejamento e programação de ações e serviços de saúde no âmbito do SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2015.) do MS pelo sistema público.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    29 Ago 2023
  • Revisado
    30 Set 2023
  • Aceito
    06 Dez 2023
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