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Bastide e o sincretismo: formação e desenvolvimentos de um conceito

Bastide and the genesis and development of the concept of syncretism

Resumos

Resumo: Este artigo, escrito na perspectiva de uma história da antropologia das religiões afro-brasileiras, debruça-se sobre o pensamento de Roger Bastide acerca do sincretismo. Parte do carácter móvel e incerto da sua reflexão sobre o tema, para se centrar nas linhas de continuidade e de descontinuidade que, ao longo do tempo, ela apresenta. Sem deixar de enfatizar a importância do olhar africanista que Bastide deita sobre o sincretismo, o artigo coloca particular ênfase nas mutações que a reflexão de Bastide sobre o tema conhece, respeitantes tanto à argumentação conceptual do sincretismo como à atitude valorativa que o antropólogo francês adotou perante os cenários sincréticos que passou em revista. Temas como o princípio do corte, a distinção entre um sincretismo por justaposição e por fusão, o contraponto entre sincretismo religioso e sincretismo mágico, são abordados ao longo do artigo, que põe em evidência pontos comuns e divergências na análise que deles propõe Bastide.

Roger Bastide; Religiões afro-brasileiras; Sincretismo; História da antropologia


Abstract: This article, written from the perspective of a history of the anthropology of African-Brazilian religions, focuses on Roger Bastide's thought on syncretism. It emphasizes the mobile and uncertain characteristics of Bastide's thematization of syncretism and seeks to highlight its lines of continuity and discontinuity. While stressing the importance of Bastide's Africanist view of syncretism, the article places particular emphasis on the mutations of Bastide's thematization of the topic, concerning both the conceptual argumentation of syncretism and the evaluative stance that the French anthropologist adopted towards the syncretic scenarios he reviewed. Issues such as the compartmentalization principle, the distinction between syncretism by juxtaposition and by fusion, the counterpoint between religious syncretism and magical syncretism, are addressed throughout the article, which emphasize common points and divergences in the analysis proposed by Bastide.

Roger Bastide; African-Brazilian religions; syncretism; history of anthropology


De todos os cientistas sociais estrangeiros que frequentaram o Brasil entre os anos 1930 e os anos 1950, Roger Bastide (1898-1974) foi o que manteve uma relação mais longa e cientificamente mais produtiva com o país. 1 1 Agradeço aos/às pareceristas deste artigo os seus comentários e sugestões que muito ajudaram a melhorar os meus argumentos. Agradeço a Lucas Bártolo a revisão atenta do artigo. Todas as traduções de passagens de livros e artigos de Roger Bastide originalmente escritos em francês são de minha autoria. Não só ensinou na Universidade de São Paulo (USP) entre 1937 e 1954, como escreveu insistentemente sobre temas brasileiros. Mesmo depois do seu regresso a França, os resultados das suas pesquisas no Brasil continuaram a fazer-se presentes em muitos dos seus múltiplos escritos. Entre os temas que o interessaram no Brasil contam-se a arte e a literatura brasileiras - analisadas do ponto de vista da relação entre o sistema cultural europeu e o negro (Peixoto 2000PEIXOTO, Fernanda. (2000), Diálogos brasileiros. Análise da obra de Roger Bastide. São Paulo: UNESP.:45-92) - e a sociologia do folclore ou das relações raciais (Peixoto 2000:167-197). Mas é a sua pesquisa sobre as religiões de matriz africana no Brasil - em particular sobre o candomblé da Bahia - que avulta como a mais destacada. Como escreveu Maria Isaura Pereira de Queiroz, foi essa “a tarefa que mais o atraiu durante sua permanência entre nós” (1983QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. (1983), “Nostalgia do outro e do alhures: a obra sociológica de Roger Bastide”. In: M. I. P. Queiroz (ed.). Roger Bastide. São Paulo: Editora Ática.:17).

Nesse interesse de Bastide pelas religiões de matriz africana no Brasil pesam vários fatores. Ele é o reflexo da importância deste tema na antropologia brasileira da época. Na sequência da obra pioneira de Nina Rodrigues, as religiões afro-brasileiras ocuparam, a partir dos anos 1930, um lugar de destaque no Brasil, graças nomeadamente às pesquisas de Arthur Ramos, Edison Carneiro e Gonçalves Fernandes e, a partir dos anos 1940, graças aos estudos de Octávio Eduardo, René Ribeiro, Nunes Pereira e Ruth Landes. Fora do Brasil, as religiões e culturas de matriz africana nas Américas tinham também um lugar de destaque, designadamente nas pesquisas de Melville Herskovits, Fernando Ortiz, Jean Price-Mars, Lydia Cabrera ou Zora Neale Hurston.

Para além da influência que essa conjuntura intelectual pode ter tido na opção de Bastide pelo estudo das religiões afro-brasileiras, esta terá sido também influenciada por fatores mais pessoais. Entre eles tem sido particularmente sublinhada a importância da sua duradoura amizade pessoal e intelectual com Pierre Verger (Lühning 2002LÜHNING, Angela (ed.) (2002), Verger-Bastide. Dimensões de uma amizade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.; Bastide & Verger 2017BASTIDE, Roger e Pierre VERGER . (2017), Diálogo entre filhos de Xangô. Correspondência 1947-1974. São Paulo. EDUSP - Fundação Pierre Verger.). Mas outros fatores devem ser levados em conta. Por um lado, o fato de Bastide ser originário de uma família protestante francesa parece tê-lo sensibilizado para o estudo de uma religião minoritária e perseguida. O seu interesse pelo candomblé também tem sido relacionado à sua atitude de comprometimento com “as camadas mais pobres da população brasileira e, nelas, principalmente as duplamente desfavorecidas - os negros” (Monteiro 1978MONTEIRO, Douglas. (1978), “Roger Bastide: religião e ideologia”. Religião e Sociedade nº 3: 11-24.:12; ver também Queiroz 1983QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. (1983), “Nostalgia do outro e do alhures: a obra sociológica de Roger Bastide”. In: M. I. P. Queiroz (ed.). Roger Bastide. São Paulo: Editora Ática.:21). E, por fim, deve ser sublinhado o modo como as religiões afro-brasileiras lhe permitiam articular o seu antigo interesse pelo tema da religião - sobre a qual tinha escrito dois livros ainda na França (Bastide 1931BASTIDE, Roger. (1931), Les problémes de la vie mystique. Paris: PUF., 1947 [1937]BASTIDE, Roger. (1947 [1937]). Éléments de sociologie religieuse. Paris: Armand Colin.) - com o seu gosto, adquirido já no Brasil, por aquilo a que ele próprio chamaria mais tarde de processos de “interpenetração das civilizações” (evidente, por exemplo, nos seus estudos sobre arte e literatura brasileiras dos anos 1940).

São várias as contribuições que Bastide deu para o estudo das religiões afro-brasileiras. A mais insistentemente sublinhada prende-se com a sua valorização da matriz africana dessas religiões. Trata-se de um tema ao qual não foram indiferentes outros antropólogos brasileiros que o antecederam (com particular destaque para Nina Rodrigues), mas foi com Bastide, em intenso diálogo com Pierre Verger, que ele atingiu a sua mais relevante expressão. Dada a sua importância na arquitetura global da obra de Bastide, esse “africanismo” suscitou reações desencontradas. Bem-recebido entre muitos afro-religiosos (Agier 2001AGIER, Michel. (2001), “Distúrbios identitários em tempos de globalização”. Mana vol. 7, nº 2: 7-33.; Serra 1995SERRA, Ordep. (1995), Águas do rei. Petrópolis-Rio de Janeiro: Vozes-Koinonia. ), suscitou e suscita reações mais desencontradas entre pesquisadores. Ao lado daqueles que seguiram as suas ideias, muitos - como afirmou Marcio Goldman (2011GOLDMAN, Marcio, (2011), “Cavalo dos Deuses: Roger Bastide e as transformações das religiões de matriz africana no Brasil”. Revista de Antropologia vol. 54 nº 1: 407-432.) - distanciaram-se delas. Simultaneamente tem sido sublinhado o modo como Bastide foi um dos primeiros autores a colocar as bases para uma interpretação sociológica das religiões afro-brasileiras, em larga medida apoiada no diálogo insistente que travou com a sociologia e a antropologia francesas de influência durkheimiana (Goldman 2011). Finalmente, vários autores - como sublinharei adiante - têm destacado o seu importante papel na tematização do sincretismo. É justamente sobre este último tema que este artigo se debruça.

O sincretismo em Bastide: introdução

Antes de Bastide, o tema do sincretismo ocupava já um lugar importante na antropologia das religiões afro-brasileiras. Foi por seu intermédio que - em detrimento de outros eventuais ângulos de análise - vários autores tentaram compreender as transformações das religiões de matriz africana nas Américas. Ele transformou-se assim num dos principais “gate keeping concepts” (Fardon 1990FARDON, Richard. (1990), “Localizing Strategies. The Regionalization of Ethnographic Accounts”. In: R. Fardon (ed.). Localizing Strategies. Regional Traditions of Ethnographic Writing. Edinburgh-Washington: Scottish Academic Press e Smithsonian Institution Press.) dos estudos afro-americanos entre 1930 e 1970.

No Brasil, embora não usasse ainda o conceito, foi Nina Rodrigues o primeiro antropólogo a debruçar-se sobre o tema (Leal 2020LEAL, João. (2020), “Nina Rodrigues e as religiões afro-brasileiras”. In: Bérose - Encyclopédie internationale des histoires de l'anthropologie. Paris: IIAC-LAHIC, UMR 8177.). Arthur Ramos foi, entre os brasileiros, pioneiro no uso da expressão de "sincretismo", na década de 1930. Edison Carneiro e Gonçalves Fernandes trataram também o tópico (Leal 2021a). A partir dos anos 1940 - com a academização dos estudos sobre religiões afro-brasileiras - o sincretismo volta a ocupar um lugar de relevo, tanto na obra de Octávio Eduardo, como na de René Ribeiro (Leal 2022LEAL, João. (2022), “Octávio Eduardo, René Ribeiro e Melville Herskovits. Religiões afro-brasileiras, aculturação e sincretismo”. Horizontes Antropológicos, vol. 28 nº 62: 145-177.).

Era também grande a sua importância na obra de autores não brasileiros que se debruçaram sobre religiões de matriz africana nas Américas (Leal 2021LEAL, João (2021b), “Between Europe, Africa and the Americas: Transatlantic Transformations of Syncretism”, Comunicação apresentada ao colóquio “Anthropological Pathways and Crossings”, organizado pelo History of Anthropology Network (EASA), 21 e 22 de julho.b). Entre eles merecem destaque Jean Price-Mars e Melville Herskovits. Price-Mars, na sua análise do voudou haitiano (2009PRICE-MARS, Jean. (2008 [1928]), Ainsi Parla l’Oncle. Montréal: Mémoire d’Encrier. [1928]), foi o primeiro autor a utilizar o conceito de sincretismo no quadro das religiões afro-americanas. Quanto a Herskovits, embora sempre fiel ao conceito de aculturação - de que foi um dos principais teorizadores - passou também a recorrer ao conceito de sincretismo a partir do seu famoso artigo “African Gods and Catholic Saints” (1966,HERSKOVITS, Melville. (1966 [1937]), “African Gods and Catholic Saints in New World Negro Belief”. In: M. Herskovits. The New World Negro. Indiana: Minerva Press. [1937]). No decurso dos anos 1940 e 1950 foram vários os autores que usaram o conceito. Em Cuba, por exemplo, ele foi importante nos trabalhos de Rómulo Lachatañeré e Lydia Cabrera. E no caso do vodu haitiano, o conceito de sincretismo foi também usado por Alfred Métraux, assim como nos trabalhos, talvez menos conhecidos, de Milo Rigaud (Leal 2021b).

Foi, entretanto, na obra de Roger Bastide que o sincretismo teve o seu tratamento mais exaustivo e de maior ressonância nacional e internacional. Em consequência da sua importância, a bibliografia secundária sobre o sincretismo em Bastide é considerável. André Mary (1999MARY, André. (1999), Le défi du syncrétisme. Le travail symbolique de la religion d’Egoba (Gabon). Paris: Éditions de l’EHESS.; 2000MARY, André. (2000), Le bricolage africain des héros chrétiens. Paris: Éditions du Cerf.) aborda o tema em vários dos seus livros, que é também tratado em contribuições mais gerais sobre a obra de Bastide (Queiroz 1983QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. (1983), “Nostalgia do outro e do alhures: a obra sociológica de Roger Bastide”. In: M. I. P. Queiroz (ed.). Roger Bastide. São Paulo: Editora Ática.; Ravelet 1996RAVELET, Claude (ed.). (1996), Études surRoger Bastide . De l’acculturation à la psychiatrie sociale. Paris: L’Harmattan .; Peixoto 2000PEIXOTO, Fernanda. (2000), Diálogos brasileiros. Análise da obra de Roger Bastide. São Paulo: UNESP.; Despland 2008DESPLAND, Michel. (2008), Bastide on Religion. The Invention of Candomblé. London-Oakland: Equinox.). Está também presente em artigos consagrados a Bastide ou, mais especificamente, ao tema do conceito de sincretismo na sua obra. Stefania Capone tem sido uma das autoras que tem escrito sobre o tema (Capone 2007CAPONE, Stefania. (2007), “Transatlantic Dialogue: Roger Bastide and the African American Religions”. Journal of Religion in Africa, vol. 37, nº 3: 1-35.; ver também Bernand et al 2001BERNAND, Carmen; CAPONE, Stefania; LENOIR, Frédéric & CHAMPION, Françoise. (2001), “Regards croisés sur le bricolage et le syncrétisme”. Archives de Sciences Sociales des Religions, nº 114: 61-66.). Mas, anteriormente, outros autores - com destaque para Sérgio Ferretti (1995FERRETTI, Sérgio. (1995), Repensando o sincretismo. Estudo sobre a Casa das Minas. São Paulo: EDUSP - FAPEMA. ) e Denys Cuche (1994CUCHE, Denys. (1994), “Le concept de ‘principe de coupure’ et son évolution dans la pensée de Roger Bastide”. In: Ph. Laburthe-Tolra (ed.). Roger Bastide ou le réjouissement de l’âbime. Paris: L’Harmattan .) - tinham-no tratado. Este conjunto de contribuições tem ajudado a esclarecer o pensamento de Bastide sobre o sincretismo.

É também essa a ambição deste artigo. O seu ponto de partida é o carácter incerto e móvel do pensamento bastidiano. Sublinhado por vários autores (e.g. Queiroz 1983QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. (1983), “Nostalgia do outro e do alhures: a obra sociológica de Roger Bastide”. In: M. I. P. Queiroz (ed.). Roger Bastide. São Paulo: Editora Ática.; Fry 1986FRY, Peter. (1986), “Gallus africanus e, ou, como Roger Bastide se tornou africano no Brasil”. In: O. V. Simson (ed.). Revisitando a Terra de Contrastes. A atualidade da obra de Roger Bastide. Rio de Janeiro: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.; Motta 2005MOTTA, Roberto. (2005), “Roger Bastide et les hésitations de la modernité”.Bastidiana , nº 49-50: 95-115.), essa mobilidade incerta reencontra-se na sua reflexão sobre o sincretismo, expressando-se com particular clareza no incessante trabalho de elaboração e reelaboração conceitual que encontramos em sua obra.

Nela podem-se distinguir três grandes momentos. O primeiro é representado pelas aproximações iniciais ao tema e compreende - para além do livro Imagens do nordeste místico em branco e preto (Bastide 1945BASTIDE, Roger. (1945), Imagens do nordeste místico em branco e preto. Rio de Janeiro: Empresa Gráfica “O Cruzeiro”.), em que o conceito de sincretismo é, pela primeira vez, aplicado às religiões afro-brasileiras - três artigos publicados entre 1946 e 1955, escritos antes do regresso de Bastide a França, em 1954. O segundo momento coincide com a publicação de Les religions africaines au Brésil (Bastide 1960), resultante da tese que, em complemento a O candomblé da Bahia (Bastide 2005BASTIDE, Roger. (2005 [1958]), O candomblé da Bahia. São Paulo: Companhia das Letras. [1958]), Bastide apresentou na Sorbonne. O antropólogo e sociólogo francês propõe aí uma das suas mais completas abordagens ao tema, incluída numa visão de conjunto das religiões afro-brasileiras. Esta, para além do candomblé da Bahia, contempla ainda o catimbó, o xangô, o tambor de mina, a macumba e a umbanda. Nesse sentido, Les religions africaines au Brésil pode ser visto como o reverso de O candomblé da Bahia. Bastide passa aí da monografia para o estudo de síntese, ou - como escreve Goldman (2011GOLDMAN, Marcio, (2011), “Cavalo dos Deuses: Roger Bastide e as transformações das religiões de matriz africana no Brasil”. Revista de Antropologia vol. 54 nº 1: 407-432.) - da etnografia para a interpretação sociológica. Enquanto a etnografia sublinha “a capacidade de resistência das religiões de matriz africana no Brasil, a perspectiva sociológica” impele-o a estudar a mudança (Goldman 2011:417). Talvez por essa razão, enquanto O candomblé da Bahia deixa de lado o tema do sincretismo, é em Les religions africaines au Brésil que Bastide procede a um dos mais completos e sistemáticos tratamentos do tema.

A Les religions africaines au Brésil, segue-se um terceiro momento na reflexão de Bastide sobre o sincretismo, marcado pela publicação de vários artigos que se estendem de 1963 até 1973, mas sobretudo pela publicação de Les Amériques noires (Bastide 1967). Esse livro possui a mesma ambição generalizadora do anterior, mas estende-a agora à escala continental, abordando não apenas a religião, mas outras facetas das culturas afro-americanas. Tanto os artigos como o livro regressam, retocam e por vezes reveem algumas ideias anteriormente propostas sobre o sincretismo, ao mesmo tempo que abrem novas direções de trabalho.

Ao longo desses três momentos, Bastide foi dialogando com diferentes interlocutores. Do ponto de vista etnográfico é relevante o seu recurso à bibliografia brasileira sobre religiões de matriz africana e, mais tarde, sobre religiões e culturas afro-americanas - de que tinha um muito completo conhecimento. Do ponto de vista teórico, são particularmente relevantes os seus diálogos com antropólogos e sociólogos franceses, desde os clássicos da Escola Sociológica Francesa - Durkheim, Mauss, Lévy-Bruhl, Halbwachs - até autores mais “recentes”, como Griaule, Balandier ou Lévi-Strauss (Peixoto 2000PEIXOTO, Fernanda. (2000), Diálogos brasileiros. Análise da obra de Roger Bastide. São Paulo: UNESP.:99-116). É igualmente importante a sua interlocução com Melville Herskovits, que liderou o campo dos estudos afro-americanos entre os anos 1930 e 1950. Dialogando com estes diferentes autores e amadurecendo o seu pensamento próprio sobre o perfil sincrético das religiões de matriz africana no Brasil e nas Américas, Bastide foi adotando diferentes aproximações ao tema, que muitas vezes não são tratadas na bibliografia disponível.

Um dos objetivos deste artigo é justamente o de acompanhar o desenvolvimento da reflexão de Bastide sobre o sincretismo, sublinhando aspetos comuns, mas também descontinuidades. Estas interessar-me-ão particularmente, na medida em que contrariam a imagem frequentemente monolítica que é dada da tematização do sincretismo em Bastide. Veremos que essas descontinuidades se reportam não apenas aos diferentes interlocutores ou às sucessivas abordagens conceptuais ao sincretismo, mas também ao tom em que o tema é abordado, marcado por adjetivações que vão variando ao longo dos tempos.

Bastide tem sido objeto de avaliações contraditórias. É, por um lado, um autor de culto, particularmente em França. A continuada existência - entre 1993 e 2005 - da revista Bastidiana, inteiramente consagrada à sua obra, ilustra essa tendência, que não pode ser dissociada do modo como Bastide - à semelhança de Georges Balandier ou Jean Duvignaud - foi visto por muitos antropólogos e intelectuais franceses como uma alternativa à dominância do estruturalismo na cena intelectual francesa. É também um autor cujas tematizações repercutiram no campo afro-religioso brasileiro (Agier 2001AGIER, Michel. (2001), “Distúrbios identitários em tempos de globalização”. Mana vol. 7, nº 2: 7-33.; Serra 1995SERRA, Ordep. (1995), Águas do rei. Petrópolis-Rio de Janeiro: Vozes-Koinonia. ). Podemos designadamente encontrar ecos da sua tematização do sincretismo no Manifesto Antissincretismo de 12 de agosto de 1983, subscrito por conhecidas mães e pais de santo da Bahia. Simultaneamente, Bastide é um autor cujas contribuições continuam a suscitar avaliações críticas, ancoradas em discussões do presente (e.g. Ferretti 1994; Capone 2007CAPONE, Stefania. (2007), “Transatlantic Dialogue: Roger Bastide and the African American Religions”. Journal of Religion in Africa, vol. 37, nº 3: 1-35.). Este artigo tenta fazer uma abordagem simultaneamente menos hagiográfica e mais historicista (Stocking 1982STOCKING, George W.,JR . (1982 [1965]), “On the Limits of “Presentism” and “Historicism” in the Historiography of the Behavioural Sciences”. In: G. W. Stocking Jr. Race, Culture and Evolution. Essays in the History of Anthropology. Chicago: The University of Chicago Press.) à reflexão de Bastide sobre o sincretismo.

O sincretismo e o princípio do corte

A primeira referência ao sincretismo na obra de Bastide ocorre em 1937 no livro Éléments de sociologie religieuse (1947 [1937]). Inspirado em Henri Hubert (1904HUBERT, Henri. (1904), “Introduction á la Traduction Française”. In: P. D. Chantepie De La Saussaye (ed.), Manuel d’Histoire des Religions. Paris: Armand Colin .), Bastide afirma aí ser a “lei do sincretismo (…) uma das leis fundamentais da evolução religiosa” (1947 [1937]:197). Não obstante esta primeira referência ao tema, será sobretudo no Brasil que o conceito de sincretismo, no quadro do interesse de Bastide pelas religiões de matriz africana, será intensamente tematizado.

Os primeiros tratamentos dados ao tema por Bastide operam num quadro marcado já por um dos traços centrais da sua reflexão sobre as religiões afro-americanas: o africanismo.

Esse africanismo é particularmente evidente em Imagens do nordeste místico em branco e preto (Bastide 1945BASTIDE, Roger. (1945), Imagens do nordeste místico em branco e preto. Rio de Janeiro: Empresa Gráfica “O Cruzeiro”.), que regista o primeiro encontro de Bastide com o Nordeste. Situado “entre poesia e ciência” (Bastide 1945:9), o livro reserva ao candomblé da Bahia e ao xangô do Recife um lugar central, cruzando impressões e informações recolhidas pelo próprio Bastide com material empírico que o antropólogo francês vai buscar a outros autores que haviam escrito sobre estas religiões afro-brasileiras: Nina Rodrigues, Manuel Querino, Arthur Ramos, Edison Carneiro e Ruth Landes no caso do candomblé; Gonçalves Fernandes no caso do xangô. Emerge aqui uma faceta da reflexão de Bastide que se tornará mais visível na sua obra posterior, com destaque para Les religions africaines au Brésil (1960): a sua atenção à bibliografia brasileira (Queiroz 1983QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. (1983), “Nostalgia do outro e do alhures: a obra sociológica de Roger Bastide”. In: M. I. P. Queiroz (ed.). Roger Bastide. São Paulo: Editora Ática.; Motta 1994MOTTA, Roberto. (1994), “L’apport brésilien dans l’oeuvre de Roger Bastide sur le candomblé de Bahia”. In: Ph. Laburthe-Tolra (ed.). Roger Bastide ou le réjouissement de l’âbime . Paris: L’Harmattan .; Capone 2007CAPONE, Stefania. (2007), “Transatlantic Dialogue: Roger Bastide and the African American Religions”. Journal of Religion in Africa, vol. 37, nº 3: 1-35.).

Embora as referências a África sejam mais escassas no caso do xangô (trata-se de um tema que não tinha interessado Gonçalves Fernandes, mais atento ao sincretismo), África é a protagonista central das páginas que Bastide consagra ao candomblé. Falando do recolhimento das filhas de santo durante a iniciação, Bastide escreve: “É a escola das selvas, transportada das florestas africanas para a cidade da Bahia” (1945:55). Mais à frente, depois de evocar a iniciação de um ogã na Casa de Oxumaré, afirma que “poderia acreditar que se encontrava em plena África” (Bastide 1945:80). E, na sequência, são várias as referências às “sobrevivências africanas” no candomblé.

Simultaneamente, é em Imagens do nordeste místico em branco e preto que é possível encontrar as primeiras referências explícitas ao sincretismo nas religiões afro-brasileiras na obra de Bastide. Não é que o tema mais geral da interpenetração cultural não estivesse já presente na sua reflexão anterior, focada no estudo da arte e da literatura brasileiras (Peixoto 2000PEIXOTO, Fernanda. (2000), Diálogos brasileiros. Análise da obra de Roger Bastide. São Paulo: UNESP.: 45-92, Capone 2007CAPONE, Stefania. (2007), “Transatlantic Dialogue: Roger Bastide and the African American Religions”. Journal of Religion in Africa, vol. 37, nº 3: 1-35.). Nessa obra, igualmente, as impressões iniciais sobre o barroco das igrejas baianas dialogam - por vezes criticamente - com as teses de Gilberto Freyre sobre essa temática.

Mas é quando Bastide se debruça sobre o candomblé, que o sincretismo faz a sua entrada em cena. A sua primeira aparição no texto faz-se a propósito do sincretismo inter-africano (Bastide 1945:62), tema ao qual Bastide regressará episodicamente na sua obra posterior. De fato, é sobretudo o sincretismo afro-católico que o interessa. Este é entendido - no seguimento de uma tendência presente em autores brasileiros anteriores (Leal 2020LEAL, João. (2020), “Nina Rodrigues e as religiões afro-brasileiras”. In: Bérose - Encyclopédie internationale des histoires de l'anthropologie. Paris: IIAC-LAHIC, UMR 8177., 2021aLEAL, João. (2021a), “Tematizações do sincretismo na antropologia das religiões de matriz africana no Brasil (1930-1940)”. Sociologia & Antropologia, vol. 11 nº 2: 623- 649., 2022) - como sendo sobretudo relativo às equivalências entre santos e orixás, ou, como escreve Bastide, “ao sincretismo dos deuses africanos com os santos da igreja” (1945: 70).

Ao mesmo tempo que constata a importância do sincretismo, Bastide coloca algumas reticências relativamente ao seu alcance, assentes em argumentos que prenunciam o famoso princípio do corte (Queiroz 1983QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. (1983), “Nostalgia do outro e do alhures: a obra sociológica de Roger Bastide”. In: M. I. P. Queiroz (ed.). Roger Bastide. São Paulo: Editora Ática.; Cuche 1994CUCHE, Denys. (1994), “Le concept de ‘principe de coupure’ et son évolution dans la pensée de Roger Bastide”. In: Ph. Laburthe-Tolra (ed.). Roger Bastide ou le réjouissement de l’âbime. Paris: L’Harmattan .; Capone 2007CAPONE, Stefania. (2007), “Transatlantic Dialogue: Roger Bastide and the African American Religions”. Journal of Religion in Africa, vol. 37, nº 3: 1-35.). Assim, questionando o significado das equivalências entre orixás e entidades espirituais católicas, Bastide sublinha que “o altar católico (…) existe ao lado do ‘peji’ (…) mas não há uma função verdadeiramente cultural [cultual?], o culto é sempre prestado aos próprios fetiches” (1945:70).2 2 Fetiches e fetichismo são expressões recorrentes nos escritos iniciais de Bastide sobre as religiões de matriz africana no Brasil. Mais tarde, atento à carga negativa associada a estes termos, Bastide vai deixar de os usar. Mais à frente, a propósito do candomblé de caboclo, Bastide escreve que “os espíritos dos caboclos não são adorados nos mesmos lugares que os orixás” (1945:189), sendo também diferentes as datas da sua celebração. “Em resumo - conclui ele - há uma justaposição dos dois cultos, mais do que a absorção de um pelo outro” (1945:189; os itálicos são meus).

Preocupações com o sincretismo fazem-se também presentes na análise hierarquizada que Bastide consagra às religiões brasileiras de matriz africana (que retomará noutros textos ulteriores). Esta obedece, entre outros aspetos, a uma oposição entre autenticidade (Monteiro 1987) e mistura. Assim o xangô, o catimbó e, na Bahia, o candomblé de caboclo são objeto de comparações desfavoráveis com o candomblé iorubá. Essa menor autenticidade dever-se-ia - entre outros fatores - a influências sincréticas. A influência do catimbó sobre o xangô seria uma das responsáveis pela sua “degradação” (Bastide 1945:164). Quanto ao candomblé de caboclo, teria entrado no “caminho escorregadio que conduz à magia secreta dos terríveis catimbozeiros” (Bastide 1945:192; os itálicos são meus). Em ambos os casos, seria a influência do catimbó, colocado do lado da magia - avaliada negativamente - que enfraqueceria a autenticidade dessas religiões afro-brasileiras.

Pesem embora as características próprias de Imagens do nordeste místico em branco e preto, podemos, portanto, aí detectar alguns temas que serão retomados - uns - e revistos - outros - em escritos posteriores de Bastide. Entre eles, o mais importante prende-se com a distinção entre um sincretismo por justaposição e um sincretismo por absorção ou, como escreve Capone, entre um “bom” e um “mau sincretismo” (Capone 2007CAPONE, Stefania. (2007), “Transatlantic Dialogue: Roger Bastide and the African American Religions”. Journal of Religion in Africa, vol. 37, nº 3: 1-35.; Bernand et al 2001BERNAND, Carmen; CAPONE, Stefania; LENOIR, Frédéric & CHAMPION, Françoise. (2001), “Regards croisés sur le bricolage et le syncrétisme”. Archives de Sciences Sociales des Religions, nº 114: 61-66.).

No imediato, entretanto - isto é, até 1955 - aquilo que parece preocupar Bastide é sobretudo uma caracterização conceitualmente mais elaborada do sincretismo e, em particular, da equivalência entre santos e orixás. Em 1946, no artigo “Contribution à l’étude du syncrétisme catholico-fétichiste”, o problema é colocado como sendo prioritário: “o sincretismo - escreve ele - vai muito longe” (Bastide 2002 [1946]:201). E não se aplicaria apenas à relação entre santos e orixás, como compreenderia outras formas de “penetração do candomblé no ritual católico” e, inversamente, de “penetração do catecismo no candomblé” (Bastide 2002 [1946]: 196). Um exemplo das primeiras seria a festa da lavagem da igreja de Nosso Senhor do Bonfim. Um exemplo das segundas seria a existência de altares e imagens católicas em muitos terreiros.

Para esta abordagem mais conceitual do sincretismo, Bastide começa por evocar Nina Rodrigues que, em O animismo fetichista dos negros baianos, estabelecera a distinção entre “associações híbridas” por “justaposição” e por “fusão” (Rodrigues 2006NINA RODRIGUES, Raimundo. (2006 [1896-1897]), O animismo fetichista dos negros baianos. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional/Editora UFRJ. [1896-1897]:108). Mas a sua reação parece ser de alguma insatisfação perante essa proposta. Depois de passar em revista interpretações sociológicas e psicanalíticas do sincretismo, concentra-se nas conceitualizações “nativas” sobre o tema por ele recolhidas, às quais dedica cerca de três páginas. Mas estas parecem-lhe também ser racionalizações a posteriori. Bastide ainda concorda com algumas delas, com relevo para a “teoria da máscara” (que aparece aqui pela primeira vez na sua obra e que será decisiva, muitos anos depois, no Manifesto Antissincretismo de 1983). Como ele escreve, “a explicação sociológica é (…) a mais justa. Os africanos tiveram que mascarar as suas crenças debaixo de um catolicismo de empréstimo e a fusão dos orixás com os santos manteve-se depois por tradição” (Bastide 2002 [1946]:206).

Mas esta seria também uma explicação incompleta. Antes disso, “seria preciso que o sincretismo encontrasse uma justificação num certo tipo de mentalidade do negro” (Bastide 2002BASTIDE, Roger. (2002 [1946]), “Contribution à l’étude du syncrétisme catholico-fétichiste”. In: R. Bastide . Poètes et Dieux. Études Afro-Brésiliennes, Paris: L’Harmattan . [1946]:206; os itálicos são meus). Mentalidade - conceito caro a Lucien Lévy-Bruhl, que havia escrito La mentalité primitive (1922LÉVY-BRUHL, Lucien. (1922), La mentalité primitive. Paris: P.U.F. ) - é aqui a palavra-chave. Apoiado em Levy-Bruhl, mas também no Durkheim e Mauss de “De quelques formes primitives de classifications” (1901DURKHEIM, Émile & MAUSS, Marcel. (1901-1902), “De quelques formes primitives de classifications”. L'Année Sociologique, nº 6: 1-72.-1902), Bastide vai enraizar o sincretismo numa mentalidade que opera por meio de “participações (…), analogias, correspondências” (2002 [1946]:206). Tal permitiria explicar não apenas a equivalência entre santos e orixás, mas, antes dela, a equivalência entre diferentes divindades africanas. Isto dito, estas correspondências operam no interior de sistemas classificatórios caraterizados por “compartimentos estanques”. Não se poderia, portanto, falar de identidade entre santos e orixás, mas de um “sistema de equivalências funcional de uma religião com outra” (Bastide 2002 [1946]:210). Não havendo identificação mística (Bastide 2002 [1946]: 215) - isto é, nos termos de Nina Rodrigues, fusão - este sistema de equivalências guardaria intacta a religião africana (Bastide 2002 [1946]: 221). Diferente seria o caso do sincretismo mágico, que procederia por acumulação. Como escreve Bastide,

o feiticeiro ensaia tudo o que conhece com o objetivo de atingir mais seguramente o seu fim. É a lei da acumulação, característica do pensamento mágico, ligada à natureza mesma do desejo que se encontra na base da ação mágica, que conduz necessariamente ao sincretismo (2002 [1946]:217).

Tendo começado por citar Nina Rodrigues e a sua distinção entre “associações híbridas” por justaposição e fusão, é a ela que Bastide regressa no final do seu artigo. Os termos em que ela é retomada são, porém, diferentes dos empregues por Nina Rodrigues. A aproximação deste último autor desenhava uma tipologia de tipo sociológico: a associação por justaposição seria dominante entre os negros “africanos” (i.e., nascidos em África) e a associação por fusão seria predominante entre os negros crioulos (i.e., nascidos já no Brasil) e entre os mulatos. A aproximação de Bastide é intelectualista - no sentido em que Evans-Pritchard (1965EVANS-PRITCHARD, Edward Evan. (1965), Theories of Primitive Religion. Oxford: Clarendon Press.) utilizou esta expressão em história da antropologia. O que interessa a Bastide são os processos intelectuais subjacentes a dois tipos de sincretismo: um, religioso, outro mágico. Um procedendo por “participações (…), analogias, correspondências” (Bastide 2002 [1946]:206), operando no interior de sistemas classificatórios compartimentados, outro por acumulação. Já esboçado em Imagens do nordeste místico em branco e preto, este contraste entre sincretismo religioso e sincretismo mágico ganha aqui uma maior centralidade, que conservará - embora transformada - em textos posteriores.

Após um texto mais curto publicado em 1953BASTIDE, Roger. (1953), “Contribution à l’étude de la participation”. Cahiers Internationaux de Sociologie, nº 14: 30-40. - “Contribution á l’étude de la participation” - em que insiste de novo na coexistência de participações com equivalências organizadas em compartimentos estanques, será em 1955, no artigo “Le principe de coupure et le comportement Afro-Brésilien”, que Bastide regressa mais decisivamente ao tema do sincretismo. Embora latente em textos anteriores é de fato nesse artigo que Bastide formula explicitamente o princípio do corte.

Como nos artigos anteriores, o autor começa por relembrar a importância das correspondências e analogias no candomblé e o modo como estas se estabelecem no interior de sistemas classificatórios compartimentados. Sublinha mesmo a esse respeito, como referiu Capone (2007CAPONE, Stefania. (2007), “Transatlantic Dialogue: Roger Bastide and the African American Religions”. Journal of Religion in Africa, vol. 37, nº 3: 1-35.), ser essa a sua contribuição para ultrapassar as diferenças entre Levy-Bruhl, por um lado, e Durkheim e Mauss, por outro. De acordo com esta sua ideia, “nem tudo participa em tudo” (Bastide 1955BASTIDE, Roger. (1955), “Le principe de coupure et le comportement afro-brésilien”. In: Anais do 31º Congresso Internacional de Americanistas, Vol. I. São Paulo: 493-503.:6). É justamente para designar o modo como “as participações se estabelecem no interior de um sistema classificatório” (Bastide 1955:6) organizado em compartimentos estanques que surge “aquilo que nós chamamos de princípio do corte” (Bastide 1955:6). De acordo com este, entre os elementos pertencentes a diferentes compartimentos classificatórios seriam estabelecidas, não participações místicas, mas correspondências ou analogias. Seria o que se passaria com as equivalências entre santos e orixás.

No artigo de 1946, ao listar diferentes concepções nativas sobre as equivalências entre santos e orixás, Bastide começava por citar, como referi antes, vários interlocutores para quem a distinção entre santos e orixás não era pertinente. Para um deles, “um português espírita, simpatizante dos candomblés” (Bastide 2002 [1946]:202), os nomes dados às entidades espirituais do candomblé, “sejam católicos ou nagô, não têm importância, porque se trata simplesmente de forças espirituais” (Bastide 2002 [1946]:202). Para uma mãe pequena branca de um antigo terreiro jeje, “o espírito de Iansã (…) e o de Santa Bárbara são absolutamente o mesmo espírito, que recebe dois nomes diferentes” (Bastide 2002 [1946]:203). Uma ekedi do Engenho Velho (um dos mais famosos terreiros nagô da Bahia) respondeu assim a Bastide: “nós não somos mais africanos, nós somos brasileiros, e temos, portanto, a obrigação de adorar os santos brasileiros, tanto mais que são os mesmos espíritos com nomes diferentes” (Bastide 2002 [1946]:204). O último depoimento, recolhido por Bastide no Recife, vai no mesmo sentido: “o espírito do orixá e o espírito do santo são um só e mesmo espírito; é por isso que nós dizemos que o nome do santo é a tradução portuguesa do nome do orixá” (Bastide 2002 [1946]:205). Estes depoimentos sugerem uma relação mais estreita entre santos e orixás do que aquela indicada por Bastide. Não obstante, não foi essa a escolha do antropólogo francês, para quem estas identificações seriam equivalências regidas pelo princípio do corte.

Fundamental para a caracterização das correlações entre santos e orixás, o princípio do corte seria ainda central para a análise de alguns aspetos de natureza mais sociológica das religiões afro-brasileiras. Estas assentariam, por um lado, no corte entre sagrado e profano - que permitiria a simultânea participação dos fiéis no candomblé e na vida secular - e prolongar-se-iam, por outro lado, no corte que possibilita a dupla pertença - afro-religiosa e católica - dos adeptos do candomblé. Como escreve Bastide, o princípio do corte seria um contributo tanto para “a Antropologia Cultural e a Sociologia da Interpenetração das Civilizações, como para [o estudo] da aculturação e do sincretismo” (1955:7). Este último conceito, acrescenta Bastide, seria “correto, mas sem explicação [i.e., sem o princípio do corte] arrisca a prestar-se a confusões. Não se trata de mistura” (Bastide 1955:11).

Considerado no seu conjunto, este primeiro momento da reflexão de Bastide sobre o sincretismo é, pois, marcado por uma aproximação intelectualista ao tema, largamente influenciada por Lévy-Bruhl e por Durkheim e Mauss, que culmina na formulação do princípio do corte. Este, no seu enunciado final, abre também para uma aproximação mais sociológica às religiões afro-brasileiras, que passará mais tarde a ocupar um lugar importante nos escritos de Bastide (Goldman 2011GOLDMAN, Marcio, (2011), “Cavalo dos Deuses: Roger Bastide e as transformações das religiões de matriz africana no Brasil”. Revista de Antropologia vol. 54 nº 1: 407-432.). Em ambos os casos, as reticências ao impacto do sincretismo sobre o candomblé, vincando a sua matriz africana, parecem ser a sua principal preocupação.

É isso que vai permitir que Bastide publique em 1958 O candomblé da Bahia, no tom africanista em que este livro foi escrito. Uma vez afirmado o corte entre os terreiros de candomblé e o Brasil, entre religiões de matriz africana e catolicismo, entre orixás e santos, aquilo que o vai interessar nesse livro são os terreiros, a matriz africana e os orixás. Por essa razão, não é possível encontrar nele referências às equivalências entre orixás e santos, ou a outros aspectos - como as influências do calendário católico sobre o ciclo anual de festas do candomblé - que permitiriam a Bastide regressar ao sincretismo. Como ele escreve, “neste trabalho, não nos preocupa a busca da origem africana ou não-africana deste ou daquele traço, nem o possível sincretismo deles com os da civilização luso-brasileira” (Bastide 2005 [1958]:24; os itálicos são meus). Se a última afirmação é verdadeira - não há sincretismo em O candomblé da Bahia - já a primeira - acerca do desinteresse de Bastide pela origem africana do candomblé - não é, como se sabe, adequada. África - designadamente a África de Marcel Griaule - é, como tem sido sublinhado (Peixoto 2000PEIXOTO, Fernanda. (2000), Diálogos brasileiros. Análise da obra de Roger Bastide. São Paulo: UNESP.; Brumana 2005BRUMANA, Fernando Giobelina. (2005), “Bastide au-delà des cultes africains”. Bastidiana, nº 49-50: 69-81.), a personagem principal de O candomblé da Bahia

Les religions africaines au Brésil: a sistematização do sincretismo

Evitado em O candomblé da Bahia, o sincretismo não pode, entretanto, ser ignorado e as contas de Bastide com ele não ficam ajustadas nessa monografia. É nesse quadro que pode ser interpretado Les religions africaines au Brésil (1960). Este livro é, em conjunto com O candomblé da Bahia, uma das contribuições mais relevantes de Bastide para o estudo das religiões afro-brasileiras. Concebido simultaneamente a O candomblé da Bahia, trata-se de um livro que não poderia ser - como antes ficou sugerido - mais contrastante. Bastide passa nele do estudo de caso para a monografia de síntese. De uma análise do candomblé da Bahia como sistema simbólico transita para uma aproximação mais sociológica às religiões afro-brasileiras (Goldman 2011GOLDMAN, Marcio, (2011), “Cavalo dos Deuses: Roger Bastide e as transformações das religiões de matriz africana no Brasil”. Revista de Antropologia vol. 54 nº 1: 407-432.). De Griaule - a influência francesa mais relevante de O candomblé da Bahia - passa a Maurice Halbwachs e a Georges Balandier. E, sobretudo, transita do silêncio em relação ao sincretismo para uma das abordagens mais completas que fará ao tema. De fato, em Les religions africaines au Brésil, não apenas um dos capítulos - “Les problèmes du syncrétisme religieux” - é dedicado expressamente ao tema, como se trata de um tópico pontualmente abordado ao longo do livro, em particular no capítulo “Géographie des religions africaines au Brésil” e em “Conclusions”.

O livro divide-se em três partes. A primeira - “Le double héritage” - visa fornecer um quadro geral da condição negra no Brasil, com particular foco na religião. A segunda - “Étude sociologique des religions afro-brésiliennes” - propõe uma abordagem mais específica às religiões afro-brasileiras. Na terceira parte - “Conclusions” - ao mesmo tempo que Bastide regressa a pontos anteriormente tratados, desenvolve um conjunto de novas linhas interpretativas sobre os processos de aculturação religiosa no Brasil.

Ao longo do livro, Bastide está atento à matriz africana das culturas e das religiões afro-brasileiras. Mas aquilo que caracteriza Les religions africaines au Brésil - sobretudo por confronto com O candomblé da Bahia - é uma atenção maior às descontinuidades e transformações que as religiões de matriz africana conheceram no Brasil.

Essa atenção coloca-se, sobretudo na primeira parte do livro e nas conclusões, sob o signo do conceito de aculturação, que Bastide toma de empréstimo de Melville Herskovits. Este, entre os anos 1930 e 1950, tinha sido não apenas a figura central na reflexão antropológica sobre as culturas e religiões afro-americanas, como a organizou em torno do conceito de aculturação (Leal 2011LEAL, João. (2011), “’The Past is a Foreign Country’? Acculturation Theory and the Anthropology of Globalization”. Etnográfica, vol. 15 nº 2: 313-336., 2022). Foi, por isso, um autor com quem Bastide manteve uma persistente interlocução, situada a meio caminho entre proximidade e afastamento crítico. Assim, dialogando com a teoria da aculturação, Bastide propõe uma aproximação mais sociológica ao tema, que, em Herskovits, teria alegadamente sido objeto de um tratamento excessivamente culturalista. A sua atenção aos aspetos políticos dos processos de aculturação é também contrastada com a suposta indiferença que Herskovits teria a seu respeito e expressa-se designadamente na abordagem das resistências que os processos aculturativos não deixaram de encontrar entre os grupos afrodescendentes.

Na segunda parte do livro, é com recurso a um conjunto mais vasto de categorias que Bastide procura dar conta dos processos de transformação das religiões afro-brasileiras. Entre essas categorias encontram-se as relativas à memória e ao esquecimento - importadas de Halbwachs e presentes no capítulo intitulado “Les problèmes de la mémoire collective” - desagregação - no capítulo “Les deux désagrégations” - ou criatividade - categoria que Bastide não usa expressamente, mas sob cujo signo se coloca o capítulo dedicado à umbanda. É no interior deste quadro que surge o capítulo consagrado ao sincretismo.

Nele, Bastide aprofunda o esforço de sistematização iniciado em 1955BASTIDE, Roger. (1955), “Le principe de coupure et le comportement afro-brésilien”. In: Anais do 31º Congresso Internacional de Americanistas, Vol. I. São Paulo: 493-503. e propõe a sua mais completa análise do sincretismo, depois retocada em textos posteriores. A sua abordagem centra-se no sincretismo afro-católico e destaca - como antes - as equivalências entre santos católicos e deuses africanos. Das três facetas que caracterizariam o sincretismo, duas reportar-se-iam a essas equivalências. A primeira prende-se com “a aproximação estrutural entre a teologia católica da intercessão dos santos junto da Virgem, da Virgem junto de Jesus, de Jesus junto de seu Pai, e a cosmologia africana dos orixás considerados como os intercessores do homem junto de Oloroun” (Bastide 1960:365). Quanto à segunda, corresponderia

a uma aproximação cultural da conceção funcional dos santos, que presidem, cada um deles, a uma atividade humana, ou que estão encarregues de curar tal ou tal tipo de doença, e a conceção igualmente funcional dos voduns e dos orixás, que dirigem um setor da natureza ou que são, como os santos, protetores de profissões, como caçador, ferreiro, curador, etc. (Bastide 1960BASTIDE, Roger. (1960), Les religions africaines au Brésil. Paris: P.U.F.: 265).

Bastide retoma aqui um tema já anteriormente tratado por Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Octávio Eduardo e René Ribeiro: o das compatibilidades entre catolicismo e religiões africanas como base do sincretismo afro-católico (Leal 2020LEAL, João. (2020), “Nina Rodrigues e as religiões afro-brasileiras”. In: Bérose - Encyclopédie internationale des histoires de l'anthropologie. Paris: IIAC-LAHIC, UMR 8177., 2021a, 2022).

No seguimento do artigo de 1955, Bastide (1960BASTIDE, Roger. (1960), Les religions africaines au Brésil. Paris: P.U.F.:377) considera, entretanto, essa aproximação como insuficiente - porque feita “de fora” - e procura completá-la com uma aproximação “de dentro”, apoiada, como em 1955, sobre as conceitualizações nativas que havia apresentado nesse artigo. Na sequência, distingue os planos principais em que se desdobra o sincretismo: o plano espacial; o plano dos rituais; o plano das representações coletivas. O primeiro diz respeito à organização do espaço dos terreiros, com destaque para o lugar que neles ocupam o altar e as estátuas e litografias católicas. O segundo relaciona-se com as interferências do catolicismo na organização do calendário ritual dos terreiros, a participação das filhas de santo em rituais católicos, como a missa, ou nalgumas festas católicas (mais uma vez com destaque para a festa da lavagem do Senhor do Bonfim). O terceiro, por fim, prende-se com as representações coletivas que subjazem às equivalências entre santos e orixás e regressa ao tema das compatibilidades entre catolicismo e religiões africanas. Essas representações assentariam em mecanismos de tradução já operantes nas equivalências estabelecidas entre os diferentes panteões das religiões africanas. Seria “no interior destas classificações analógicas que o catolicismo se vai enquadrar” (Bastide 1960:386). Quando duas religiões se encontram, um dos desfechos possíveis seria a tentativa “de estabelecer equivalências entre os deuses, e colocá-los num mesmo nível de valorização” (Bastide1960:387). É no interior dessas representações - que reconhecem “a diversidade das religiões”, mas “também as suas semelhanças” (Bastide 1960:387) - que poderia ser entendido o sincretismo afro-católico.

Neste seu enunciado dos planos principais do sincretismo afro-católico, há formulações que dão continuidade às aproximações anteriores de Bastide ao tema. É o que se passa com a distinção entre o sincretismo religioso - baseado em equivalências - e o sincretismo mágico - baseado em adições (Bastide 1960:387-390). A maior suscetibilidade banto - em comparação com as religiões de matriz iorubá ou daomeana - à magia e ao sincretismo mágico é também evidenciada (Bastide 1960:391).

Mas aquilo que é talvez mais relevante na abordagem que Bastide propõe em Les religions africaines au Brésil é o modo como põe de lado - ou coloca entre parêntesis - alguns aspetos da sua aproximação anterior ao sincretismo afro-católico

Assim, não é agora possível encontrar uma utilização explícita do princípio do corte enquanto princípio epistemológico a partir da qual se estabelecem equivalências - mas não participações - entre deuses africanos e entidades espirituais católicas. Não é que não se possa detectar a sua sombra, em particular na discussão dos vários planos do sincretismo, sobretudo quando estes acentuam as separações e as coexistências sem interpenetração. Mas não só a palavra “corte” não aparece no capítulo, como não há regresso às formulações adotadas por Bastide até 1955BASTIDE, Roger. (1955), “Le principe de coupure et le comportement afro-brésilien”. In: Anais do 31º Congresso Internacional de Americanistas, Vol. I. São Paulo: 493-503., baseadas na lei da participação de Lévy-Bruhl corrigida por “De quelques formes primitives de classifications”, de Durkheim e Mauss.

As razões para este menor protagonismo do princípio do corte não são totalmente claras. Mas creio que talvez possam ser relacionadas com o facto de Bastide trabalhar agora com um conhecimento muito completo da bibliografia brasileira sobre religiões de matriz africana. Isso faz com que, a par dos casos em que o sincretismo afro-católico opera com base em coexistências sem interpenetração, Bastide esteja atento aos casos em que a separação entre catolicismo e religiões de matriz africana não é tão pronunciada e, em certos casos, dá mesmo origem a fenômenos de fusão. Falando, por exemplo, do sincretismo espacial, Bastide escreve que “os graus de sincretismo manifestam-se aqui pelo maior ou menor grau de aproximação ou de afastamento entre aquilo que podemos chamar de regiões católicas e regiões africanas de um mesmo espaço sagrado” (1960:380). Mais à frente, acrescenta, de forma mais explícita, que, em certos terreiros “os dois espaços teoricamente separados, tendem mesmo assim a interpenetrar-se” (Bastide 1960:381). Noutros casos, ainda, a tendência vai no sentido da fusão dos dois espaços, “tornando assim possível, na sensibilidade e na imaginação dos fiéis, a confusão (…) total entre o orixá e o santo” (Bastide 1960:381).

É em resultado da diversidade de cenários sincréticos inscrita na bibliografia brasileira, que pode ser entendido um segundo aspeto da sua nova aproximação em relação ao sincretismo afro-católico: a atenção prestada à distribuição desigual do sincretismo. Este aumentaria “à medida que passamos dos sacerdotes supremos aos filhos e filhas dos deuses, e depois aos membros dos candomblés ainda mal ligados a eles” (Bastide 1960BASTIDE, Roger. (1960), Les religions africaines au Brésil. Paris: P.U.F.:390). Aumentaria também “à medida que passamos das seitas tradicionais às seitas bantos (…) e destas à macumba do Rio” (Bastide 1960:391). Por fim, a maior ou menor intensidade do sincretismo dependeria “do grau de enquistamento ou de integração das pessoas em relação à sociedade global” (Bastide 1960:393). À visão algo uniformizadora do sincretismo presente nas suas abordagens anteriores, sucede agora uma imagem que leva em conta a diversidade de situações sincréticas existentes nas religiões afro-brasileiras.

Em resumo: se os textos anteriores de Bastide eram de alguma forma marcados por reticências - vindas sobretudo do princípio do corte - em relação à importância do sincretismo nas religiões afro-brasileiras, em Les religions africaines au Brésil, a abordagem parece ser mais prudente. Não só o princípio do corte, no seu desenho intelectualista, aparece enfraquecido, como há uma maior abertura aos casos em que a separação se articula com uma maior interpenetração e pode dar mesmo lugar à fusão.

É verdade que, se sairmos do capítulo que Bastide consagra expressamente ao sincretismo, esta imagem de prudência sai algo prejudicada. Como ficou antes sugerido, alguns dos capítulos da II parte de Les religions africaines au Brésil colocam-se sob o signo de tropos de declínio e perca, como o esquecimento ou a desagregação. Por seu intermédio é a proximidade - avaliada positivamente - ou a distância - avaliada negativamente - em relação a África, que está em causa. E tanto uma como outra são por vezes relacionadas com a permeabilidade das religiões afro-brasileiras em relação a outras influências religiosas. Como Bastide sugere a propósito das casas de tambor de mina dos arredores de São Luís - que contrasta desfavoravelmente com a Casa das Minas -, a “degradação” é sinónimo de “sincretismo” (1960:304).

Essa faceta do pensamento de Bastide é particularmente clara no capítulo “Géographie des religions africaines au Brésil”, que abre a segunda parte do livro Trata-se de um dos mais ambiciosos capítulos de Les religions africaines au Brésil. O seu objetivo é fornecer uma cartografia o mais completa possível das religiões afro-brasileiras. Essa cartografia não é, entretanto, meramente descritiva, mas atravessada por juízos de valor. De fato, um dos aspetos que nela avulta é a preocupação em hierarquizar modalidades das religiões afro-brasileiras que seriam mais fiéis a África - ou menos afetadas pelo sincretismo - e modalidades em que essa fidelidade seria posta em causa - e mais suscetíveis ao sincretismo. No primeiro caso estariam o tambor de mina - em particular a Casa das Minas - e o candomblé iorubá, pelos quais Bastide não esconde as suas preferências. No segundo caso estariam o catimbó e a macumba, olhadas de forma mais turva. No catimbó, seriam as influências indígenas o fator de “empobrecimento” (Bastide 1960:244) desta religião. Na macumba, seria a influência do espiritismo. De qualquer modo, aquilo a que assistimos neste capítulo é a uma espécie de desmentido do tom mais sóbrio usado por Bastide no tratamento dado ao sincretismo afro-católico no capítulo “Les problèmes du syncrétisme religieux”.

Já relativamente à umbanda - tratada no capítulo “Naissance d’une religion” - é diferente a apreciação de Bastide. Juntando influências diversas - da macumba, do espiritismo, do candomblé e do catolicismo - a umbanda seria uma religião “em vias de se fazer, que ainda não encontrou as suas formas” (Bastide 1960:444) e pela qual o autor tem admiração. A umbanda faria parte “de um processo de valorização do homem de cor, em reação a uma sociedade feita pelos brancos e para os brancos” (Bastide 1960:445). Nela, apesar das influências heterogéneas presentes na sua formação, seria evidente “a sombra de África [que] projeta sobre a umbanda uma grande mancha negra” (Bastide 1960: 462). E conclui, que não há “Nada de mais emocionante para um sociólogo que ver nascer diante dos seus olhos uma nova religião” (Bastide 1960:470).

É também num tom mais otimista que Bastide termina Les religions africaines au Brésil. Construído em torno de um diálogo crítico com Herskovits e com dois dos seus conceitos centrais - aculturação e reinterpretação - o capítulo conclusivo recupera - depois do seu silenciamento no capítulo sobre o sincretismo afro-católico - o princípio do corte.

Mas este já não é aplicado, na sua acepção intelectualista, aos processos sincréticos observáveis nas religiões afro-brasileiras. Designa, no seguimento da abordagem proposta no final do artigo de 1955, a pertença simultânea dos afrodescendentes brasileiros a dois universos distintos: o mundo dos candomblés e a sociedade brasileira. Como Bastide escreve, logo no início do capítulo,

o descendente do Africano, com efeito, faz simultaneamente parte de dois mundos, diferentes e mesmo opostos: o dos candomblés, que continua a conter, numa terra estrangeira, bocados inteiros das civilizações originais desses negros, e o universo da comunidade brasileira mais vasta (Bastide 1960BASTIDE, Roger. (1960), Les religions africaines au Brésil. Paris: P.U.F.:519).

Seria justamente “o que nós chamámos de princípio do corte [que] permite [aos descendentes de africanos] viver em dois mundos diferentes” (Bastide 1960BASTIDE, Roger. (1960), Les religions africaines au Brésil. Paris: P.U.F.:521).

Mas, mais do que pela reafirmação - sociológica - do princípio do corte, o capítulo conclusivo de Les religions africaines au Brésil é importante pela distinção que Bastide (1960BASTIDE, Roger. (1960), Les religions africaines au Brésil. Paris: P.U.F.:536) propõe entre aculturação material - relativa às práticas e representações religiosas concretas presentes nas religiões afro-brasileiras - e aculturação formal - relativa aos sistemas de valores, mais importantes e significativos. No primeiro caso, a aculturação designaria “os traços ocidentais tomados de empréstimo pelos africanos para melhor mascararem as suas seitas ou para se adaptarem melhor à sociedade” (Bastide 1960:536). Mas esta far-se-ia de acordo “com a mentalidade africana” e não penetraria “no interior das mentalidades”; “a reinterpretação faz-se (…) sempre através dos valores, das normas e dos ideais africanos” (Bastide 1960:536). Isto é, mesmo quando a aculturação material funciona, ela não significa necessariamente que a mais importante aculturação - a formal - se verifique. Mais do que isso: é a sua inexistência que garante a reinterpretação africana das práticas e representações religiosas que relevam do sincretismo. Nesse sentido, mesmo quando não parece, a África continua no Brasil (Bastide 1960:539). É também nesse sentido que, apesar da forte presença - na segunda parte do livro - de tropos como o esquecimento ou a desagregação, a conclusão final de Les religions africaines au Brésil é otimista.

Adendas ao sincretismo

Depois de 1960, Bastide irá alargar os seus interesses para temas - como a teoria da religião, a antropologia aplicada ou a psicanálise - que não têm necessariamente uma relação explícita com os seus “anos brasileiros”. Isso não significa, entretanto, que o sincretismo não deixe de figurar na agenda científica de Bastide, que trata o tema em Les Amériques noires (1967) e num conjunto de quatro artigos que se estendem de 1963 a 1973.

No primeiro desses artigos - “L’acculturation formelle” (Bastide 2000BASTIDE, Roger. (2000b [1965]), “Le syncrétisme mystique en Amérique Latine”. In: R. Bastide . Le prochain et le lointain . Paris: L’Harmattan .a [1963]) - o antropólogo francês regressa à distinção entre aculturação material e formal que havia proposto em Les religions africaines au Brésil, tema ao qual voltará igualmente - embora mais de passagem - em Les Amériques noires. A aculturação material é aí definida como “aquela que se inscreve nos factos perceptíveis: difusão de um traço cultural, mudança de um ritual, propagação de um mito” (Bastide2000aBASTIDE, Roger. (2000a [1963]). “L’Acculturation formelle”, In : R. Bastide. Le prochain et le lointain. Paris: L’Harmattan. [1963]:137). Quanto à aculturação formal designaria as “transformações e metamorfoses da forma de sentir, de apreender [da] consciência [psíquica]” (Bastide 2000a [1963]:137). É neste quadro que o autor se propõe revisitar o sincretismo. Do ponto de vista da aculturação material, este far-se-ia de acordo com um continuum balizado por um polo africano e um polo ocidental: “entre esses terminais, teríamos todas as misturas possíveis, que substituem progressivamente um por um os traços africanos pelos traços ocidentais” (Bastide 2000a [1963]::147). A ideia de uma pluralidade de situações sincréticas presente em Les religions africaines au Brésil é, pois, aqui, retomada.

Quanto à aculturação formal, é objeto de um longo exposé, alimentado por diversas considerações de Bastide acerca da ideologia da negritude. Esta é vista como “uma tomada de consciência em relação a África por sensibilidades e inteligências desafricanizadas” e por aí diferente do que se passaria com “os camponeses ou os sacerdotes animistas, que, apesar da colonização, que pouco os tocou, continuaram africanos” (Bastide 2000a [1963]:141). A negritude seria, portanto, “o primeiro e o mais típico dos exemplos que se podem dar de uma aculturação formal” (Bastide 2000a [1963]::141). Afetando a ideologia da negritude, a aculturação formal também teria impactado o candomblé, por intermédio de processos que conduziram à sua comercialização e turistificação (Bastide 2000a [1963]:143). Mas essa não seria a tendência dominante. Como Bastide insiste, “materialmente uma cultura pode ter desaparecido mais ou menos totalmente (…), entretanto as estruturas profundas podem ficar inabaladas, as formas de organização podem não ter sido tocadas” (2000a [1963]::147). Isto é, a aculturação material pode ser muito forte, mas coexistir com a inexistência de aculturação formal. Em última análise, tal garantiria - no caso das religiões afro-brasileiras (e afro-americanas, em geral) - que, por mais significativo que fosse o sincretismo, este poderia deixar intactas formas de pensar e sentir africanas. Stefania Capone (2007CAPONE, Stefania. (2007), “Transatlantic Dialogue: Roger Bastide and the African American Religions”. Journal of Religion in Africa, vol. 37, nº 3: 1-35.) sugeriu - como vimos antes - a importância que no pensamento inicial de Bastide tinha a distinção entre um bom sincretismo - baseado no princípio do corte - e um mau sincretismo - baseado na fusão. O mesmo se passaria com a aculturação: a uma boa aculturação - a material - opor-se-ia uma má aculturação - a formal.

No segundo dos artigos escritos nos anos 1960 e 1970 - intitulado “Le Syncrétisme mystique en Amérique Latine” - Bastide regressa à distinção entre sincretismo mágico - baseado na acumulação e na justaposição - e sincretismo religioso - baseado em “identificações, ou, pelo menos, em correspondências místicas” (2000b [1965]:237). A distinção em si não é nova, mas aquilo que é inovador no artigo é o modo como ela dá origem à distinção entre “estruturas lineares” e “estruturas irradiantes” (Bastide 2000b [1965]:237-238). As primeiras seriam caracterizadas por uma lógica de adição e as segundas por uma lógica de identificação, que conduziria à “reinterpretação dos valores católicos em valores pagãos ou dos valores pagãos em valores católicos” (Bastide 2000b [1965]::238). Embora o artigo se inicie sob o signo das religiões afro-americanas, a sua parte mais substancial é consagrada às mitologias ameríndias e um dos objetivos de Bastide (2000b [1965]:237) parece ser o de encetar um diálogo entre as categorias de acumulação e correspondência e as “leis de transformação” propostas por Lévi-Strauss.

É a mesma vontade de diálogo com Lévi-Strauss - que Bastide conhecera no Brasil, mas que se situavam em campos opostos da antropologia francesa dos anos 1960 - que é possível reencontrar num artigo de 1970BASTIDE, Roger. (1970), “Mémoire collective et sociologie du bricolage”. L’Année Sociologique, nº 21: 65-108., intitulado “Mémoire collective et sociologie du bricolage”. Insistindo - no seguimento de Les religions africaines au Brésil - nas continuidades e nas descontinuidades das culturas afro-americanas em relação a África, Bastide volta a recorrer a Halbwachs para assinalar tanto a importância da memória coletiva na manutenção da matriz africana das religiões afro-americanas, como a relevância dos “buracos” dessa memória. Como ele escreve, a reconstituição religiosa é lacunar e torna-se, portanto, necessário preencher esses vazios. É nesse ponto que Lévi-Strauss, por intermédio do conceito de “bricolagem” é convocado. Para Bastide, a recriação das religiões africanas no Novo Mundo seria de fato tributária de processos de “bricolagem”. Que - como “Le syncrétisme mystique en Amérique Latine” - o artigo termine evocando as mitologias ameríndiasé um testemunho suplementar dessa vontade de diálogo com Lévi-Strauss. Esta, entretanto, não parece ter sido correspondida por Lévi-Strauss, que - de acordo com uma entrevista bastante lacônica que concederá a André Mary (1994MARY, André & RAVELET, Claude. (1994), “Entretien avec Claude Lévi-Strauss”.Bastidiana , nº 7-8: 53-62.) para a revista Bastidiana - não tinha tão boa opinião de Bastide.

Observados no seu conjunto, os artigos de Bastide que temos vindo a passar em revista dividem-se entre continuidade em relação a teses anteriores do sociólogo e antropólogo francês - como no caso da distinção entre aculturação material e aculturação formal - e inovações pontuais no tocante à abordagem do sincretismo - como no caso da distinção entre estruturas lineares e estruturas irradiantes ou da conceptualização do sincretismo como um trabalho de bricolagem. Independentemente dessas diferenças, o que parece unir esses artigos é o modo como Bastide adota uma visão menos crispada do sincretismo.

Mas será sobretudo em Les Amériques noires (1967) que ocorre o mais consistente regresso de Bastide ao tema do sincretismo. Como foi anteriormente sugerido, este livro prolonga e amplia a ambição sintética presente em Les religions africaines au Brésil. O seu objeto já não são apenas as religiões afro-brasileiras, mas as culturas de matriz africana à escala do continente americano. Bastide começa por evocar a importância da escravatura - como já o havia feito em Les religions africaines au Brésil, livro onde havia sublinhado, contra as teses de Freyre, o seu carácter “sistemático, brutal, interesseiro e contínuo” (Bastide 1960:88) - e o seu impacto na formação das culturas africanas na América. Procede de seguida a uma caracterização geral dessas culturas - nos capítulos “Sociétés africaines et (ou) sociétés Nègres” e “Les civilisations nègres marrrons” - em que sublinha como foram sendo formadas, nas Américas, culturas negras que, partindo de uma base cultural africana, envolveram processos de adaptação ao novo contexto sociocultural. Apesar disso, Bastide insiste que a sua atenção no livro estará preferencialmente orientada para os setores mais africanos das comunidades afro-americanas do que para os seus setores negros e só voltará a estes últimos nos capítulos finais - intitulados respetivamente “Les trois folklores” e “Les communautés nègres”.

Entre estes capítulos iniciais e finais mais abrangentes, situa-se um conjunto de quatro capítulos dedicados exclusivamente à religião. Esta é vista - no seguimento de ideias que já haviam sido defendidas por Herskovits - como um dos sectores mais africanos das “Américas negras”. Depois de abordar, no capítulo “La rencontre du noir et de l’indien”, aspetos do que hoje é chamado de contra-sincretismo (Goldman 2015GOLDMAN, Marcio. (2015), “’Quinhentos anos de contato’: para uma teoria etnográfica da (contra)mestiçagem”. Mana , vol. 21 nº 3: 641-659.) - com destaque para os caraíbas negras, para o candomblé de caboclo e a macumba - Bastide aborda sucessivamente as diferentes religiões africanas que migraram para as Américas - “Les Dieux em exil” - as adaptações que elas conheceram - “Religions en conserve et religions vivantes” - e o sincretismo e a mestiçagem religiosas - “Syncrétismes et métissages des religions”.

Este último tema, além de ser o foco exclusivo de um capítulo, é também abordado, embora de forma mais tangencial, noutros capítulos. No seu tratamento, Bastide, ao mesmo tempo que regressa a teses anteriormente formuladas - muitas vezes retocando-as ou revendo-as - abre, tal como nalguns dos artigos publicados nos anos 1960, para novas direções de trabalho.

Do lado da continuidade está por exemplo a reafirmação da pertinência da distinção entre sincretismo religioso e sincretismo mágico. Como Bastide escreve, “a regra para a religião é o estabelecimento de correspondências, a regra para a magia é a das acumulações” (1967:159). A teoria da máscara está também do lado das continuidades. A correspondência entre divindades africanas e santos católicos - afirma Bastide - resulta da dissimulação como estratégia africana: trata-se de “uma máscara dos brancos posta aos deuses negros” (1967:161). Também do lado das continuidades está a retomada do princípio do corte na sua acepção mais sociológica (Bastide 1967:234). Ou o regresso à tipologia do sincretismo proposta em Les religions africaines au Brésil, com a distinção entre espaço, temporalidades rituais e representações coletivas, com relevo para a equivalência entre santos e orixás (Bastide 1967:159).

Do lado das transformações está o conceito de culturas - ou de sincretismos - em mosaico. O conceito surge no capítulo “Les civilisations des nègres marrons” para designar, antes do mais, o sincretismo inter-africano e visa indicar o modo como no seio de comunidades “marrons”, ocorre a coexistência entre diferentes grupos étnicos de origem africana e as suas respetivas crenças e práticas religiosas. Pode haver um grupo étnico dominante, escreve Bastide, mas essa dominância “deixa coexistir bocados inteiros de outras civilizações” (1967BASTIDE, Roger. (1967), Les Amériques noires. Paris: Payot.:74). A constituição desses mosaicos religiosos seria facilitada, acrescenta, pela “existência de uma certa homologia entre diferentes crenças africanas” (Bastide 1967:74) e pelo modo, como, já em África, “uma etnia pode aceitar os deuses originários de outros lugares” (Bastide 1967:75). Mais tarde, o conceito de sincretismo em mosaico é retomado, mas agora para designar a dimensão espacial do sincretismo afro-católico. Segundo Bastide,

o que caracteriza o sincretismo espacial é que, pela natureza mesmo dos objetos que aí vão inserir-se e que são sólidos indeformáveis, o sincretismo não pode ser aqui fusão, ele situa-se no plano da coexistência de objetos diferentes. É o que nós chamámos antes de sincretismo em mosaico (1967:159; os itálicos são meus).

Embora não haja regresso explícito ao princípio do corte na sua formulação intelectualista, o resultado é idêntico: a ênfase está colocada do lado da separação.

Mas a mais relevante inovação no pensamento de Bastide passa sobretudo por uma reavaliação das condições que favorecem ou dificultam o sincretismo. Três aspetos são importantes a esse respeito. Primeiro, Bastide procede a uma explicitação ligeiramente diferente do continuum étnico do sincretismo. Se em Les religions africaines au Brésil, o sincretismo aumentaria “à medida que passamos das seitas tradicionais às seitas bantos (…) e destas à macumba do Rio” (Bastide 1960:391), em Les Amériques noires, Bastide explicita que as seitas tradicionais são, não apenas as iorubá, mas também as daomeanas, isto é, a Casa das Minas. Esta explicitação é significativa e revela algo que se perfilava já em Les religions africaines au Brésil: a importância que a descoberta da Casa das Minas teve na hierarquização africanista das religiões afro-brasileiras em Bastide. Tendo iniciado e desenvolvido grande parte da sua reflexão sobre religiões afro-brasileiras sob o signo da superioridade iorubá, o antropólogo francês - que chegou a deslocar-se a São Luís - deixou-se depois seduzir pela Casa das Minas e, apoiado nas monografias de Nunes Pereira (1979PEREIRA, Nunes. (1979 [1947]), A Casa das Minas. Contribuição ao Estudo das Sobrevivências do Culto dos Voduns do Panteão Daomeano, no Estado do Maranhão, Brasil. Petrópolis: Vozes. [1947]) e Octávio Eduardo (1948EDUARDO, Otávio da Costa. (1948), The Negro in Northern Brazil. A Study in Acculturation. Seattle - London: University of Washington Press.), fez dela a casa de culto que no Brasil melhor exemplificaria a fidelidade a África.

Outra nova variável introduzida por Bastide em relação às escalas do sincretismo tem a ver com o contraste rural/urbano. Novamente influenciado por Octávio Eduardo, Bastide considera que o sincretismo seria mais forte quando se passa das zonas urbanas para as zonas rurais, “onde a mestiçagem cultural é intensa” (1967:159).

Mas a mais importante e nova variável tem a ver com a introdução de uma distinção até aí ausente na reflexão de Bastide: a oposição entre religiões em conserva e religiões vivas. Bastide dedica-lhe um dos capítulos mais importantes de Les Amériques noires. As religiões em conserva seriam caracterizadas pelo “caráter ferozmente conservador da dogmática e da prática africana na América” (Bastide 1967:133). Contra a pressão aculturativa da sociedade envolvente, “a cultura negra resiste, congelando-se e imobilizando-se, com medo que, se mudasse um pouco, seria o seu fim” (Bastide 1967:133). Pelo contrário, as religiões vivas seriam aquelas que evoluem e mudam no decurso do tempo, adaptando-se a novos constrangimentos (Bastide 1967:133). O melhor exemplo de uma religião em conserva seria, mais uma vez, a Casa das Minas, ao passo que o melhor exemplo de uma religião viva - também de origem daomeana - seria o vodu haitiano, que Bastide aborda a partir de uma bibliografia onde avultam os nomes de Alfred Métraux, Zora Neale Hurston ou Melville Herskovits. Neste caso, “o sincretismo é tanto mais forte quando se passa das religiões ‘em conserva’ às religiões vivas”, uma vez que - e esta frase é reveladora - “a vida de um organismo, social ou biológico, [consiste] em assimilar o que vem de fora” (Bastide 1967:159). Há aqui uma constatação da inevitabilidade da fusão, que deve ser sublinhada, tanto mais que é acompanhada - como noutros artigos anteriores - pela sua desadjetivação.

Nova é também a revisita que Bastide faz ao “encontro entre negros e índios” no capítulo 4, onde aborda sucessivamente os caraíbas negros - recorrendo para o efeito à monografia do antropólogo brasileiro Ruy Coelho (2002COELHO, Ruy. (2002 [1955]), Os Caraíbas Negros das Honduras. São Paulo: Editora Perspectiva. [1955]) (juntamente com Octávio Eduardo e René Ribeiro, um dos três discípulos brasileiros de Herskovits) - o catimbó, a pajelança, o candomblé de caboclo, a macumba e a umbanda. O que é mais relevante na abordagem proposta por Bastide é, por um lado, o abandono da adjetivação desqualificadora adotada em Les religions africaines au Brésil, e por outro, a sua abertura para diferentes desfechos sincréticos dos encontros religiosos entre negros e indígenas. Nuns casos é a fusão que predomina, como entre os caraíbas negros, na pajelança ou na umbanda - esta última caraterizada por um “sincretismo orientado” (Bastide 1967:92) - noutros casos - como no candomblé de caboclo - é o sincretismo em mosaico que é dominante. Como escreve Bastide, “aquilo que separa as diferentes manifestações religiosas” (candomblé de caboclo, macumba, umbanda)

são os campos mais ou menos extensos ou os processos mais ou menos avançados do sincretismo. Mas, basicamente, diríamos que no primeiro caso, há separação e autonomia das cerimónias africanas e índias, ao passo que nos dois outros casos, elas misturam-se (…) de formas diversas (1967:92).

Abordado no capítulo 4 de Les Amériques noires, o tema dos encontros religiosos entre negros e indígenas é retomado no artigo “La rencontre des dieux africains et des esprits indiens” (Bastide 1974BASTIDE, Roger. (1974 [1973]), “La rencontre des dieux africains e des esprits indiens”. In: R. Bastide. Le Sacré Sauvage et autres essais. Paris : Payot. [1973]) - o último que Bastide escreveu sobre o sincretismo. Mais uma vez, um dos aspetos que avulta no artigo é o abandono da terminologia desclassificadora que o autor havia adotado em Les religions africaines au Brésil. Esse movimento - já esboçado em Les Amériques noires - é tanto mais significativo quanto o artigo é dominado - invertendo as formulações de Les religions africaines au Brésil, que davam o primado aos indígenas nos sincretismos afro-indígenas - por uma tentativa de reabilitação da influência africana nessas modalidades sincréticas, em particular no candomblé de caboclo, na babassué (Pará), na macumba e na umbanda. O artigo inicia-se justamente pelo elogio da fidelidade a África das religiões afro-brasileiras, mas sublinha, ao mesmo tempo, “a extraordinária plasticidade das culturas africanas” (Bastide 1974 [1973]:186). Seria esta que explicaria os encontros religiosos entre negros e indígenas. Só que estes preservariam, na maioria dos casos a autonomia das crenças e práticas africanas. O ponto é repetidamente sublinhado por Bastide, mas o autor, em vez de recorrer - como em Les Amériques noires - ao conceito de sincretismo em mosaico, retoma o princípio do corte (1974 [1973]:191, 193). Essa leitura africanista dos encontros religiosos afro-indígenas não evita, entretanto, que Bastide não reconheça a importância das influências indígenas sucessivamente estudadas e, por isso, a parte final do artigo é uma tentativa de explicar as suas razões.

De qualquer modo, o que vale a pena sublinhar, mais uma vez, é o contraste entre esse artigo e a abordagem anteriormente proposta em Les religions africaines au Brésil. Neste sentido, “La rencontre des dieux africains et des esprits indiens” ilustra uma tendência mais geral presente no conjunto dos textos sobre sincretismo escritos por Bastide nos anos 1960BASTIDE, Roger. (1960), Les religions africaines au Brésil. Paris: P.U.F. e 1970. Se neles encontramos elementos de continuidade com as formulações “canónicas” de Les religions africaines au Brésil, são também evidentes as descontinuidades e as inovações.

Conclusões

No início deste artigo comecei por referir o carácter incerto e móvel do modo bastidiano de fazer sociologia e antropologia. Essa mobilidade verifica-se também em relação ao tratamento que Bastide deu ao tema do sincretismo. Nele podemos detectar algumas grandes constantes. Mas podemos igualmente surpreender inflexões e mudanças de rumo, bem expressas no seu constante e irrequieto trabalho de elaboração e reelaboração conceptual.

Comecemos pelas constantes. A mais óbvia prende-se com o modo como a obra de Bastide testemunha de uma atenção sustentada ao tema do sincretismo, que faz do antropólogo e sociólogo francês o principal teorizador do sincretismo nas religiões afro-americanas (com particular destaque para as religiões afro-brasileiras). Se este foi um tema recorrente na antropologia das religiões afro-americanas entre 1930 e 1970, foi Bastide quem lhe deu um tratamento mais aprofundado, que repercute ainda hoje na reflexão sobre religiões de matriz africana nas Américas e - como sublinhei no início deste artigo - na própria cena afrorreligiosa.

Pesem embora as referências a outras modalidades sincréticas (inter-africanas e afro-indígenas), essa permanente atenção ao sincretismo, irá priorizar - e esta é a segunda constante da reflexão de Bastide - o sincretismo afro-católico, com ênfase na equivalência entre entidades espirituais pertencentes aos dois universos religiosos.

A terceira constante do pensamento de Bastide prende-se com a sua vontade de construir uma teoria geral do sincretismo, privilegiando aspetos como a sua caracterização genérica e a identificação das suas principais modalidades; a relação do sincretismo com outros fenómenos de aculturação (designadamente religiosa); a identificação das razões do sincretismo; a análise de algumas condições sociológicas que o rodeiam.

Na construção desta teoria geral do sincretismo, há também aspetos comuns que se destacam. O mais importante tem a ver com o peso dado à contraposição entre dois desfechos possíveis para o sincretismo enquanto fenómeno ancorado na equivalência entre santos e orixás: a coexistência com separação e/ou a fusão. O outro prende-se com o relevo dado à “teoria da máscara” na explicação do sincretismo afro-católico. Outro ainda, relaciona-se com a distinção entre sincretismo religioso e sincretismo mágico.

Uma última e decisiva constante do pensamento de Bastide sobre o sincretismo prende-se com o ponto de vista africanista que o anima. Embora com expressões diversas, Bastide olhou preferencialmente para as religiões afro-brasileiras do ponto de vista da sua fidelidade à herança africana. O sincretismo era algo que poderia comprometer essa “autenticidade” africana das religiões afro-brasileiras (e afro-americanas). Ele não podia ser ignorado, mas sente-se que a argumentação de Bastide foi guiada por um esforço analítico que visava priorizar a África nas Américas. É aí que radica a importância que atribui à distinção entre sincretismo por separação e/ou por fusão, o primeiro configurando um sincretismo mais “africano” e o segundo um sincretismo menos “africano”. O primado inicial do princípio do corte, e, mais tarde, a distinção entre aculturação material e formal, ou o conceito de sincretismo em mosaico são algumas das formas que a preferência africanista de Bastide tomará. Em qualquer um dos casos, o que parece estar em questão é a conciliação das evidências sincréticas com o primado de África. Se é verdade - como assinalei no início deste artigo - que o sincretismo operava na antropologia das religiões afro-americanas dos anos 1930 a 1960 como chave analítica principal para entender as transformações das religiões de matriz africana nas Américas, poder-se-ia afirmar que, para Bastide, essas transformações eram limitadas e não punham em questão a continuidade de África nas Américas. Isso não o impediu, entretanto - como sublinhou Goldman (2011GOLDMAN, Marcio, (2011), “Cavalo dos Deuses: Roger Bastide e as transformações das religiões de matriz africana no Brasil”. Revista de Antropologia vol. 54 nº 1: 407-432.) - de revelar uma grande sensibilidade aos processos de aprofundada reformatação sociológica que as religiões africanas conheceram nas Américas.

Mas, para além destes traços comuns, ressalta também em Bastide o modo como a sua reflexão sobre o sincretismo é um work in progress, marcado por um conjunto de deslocações.

Essas deslocações podem ser surpreendidas, desde logo nas interlocuções que Bastide vai estabelecendo no decurso da sua reflexão. Do ponto de vista etnográfico, por exemplo, se as suas primeiras tematizações do sincretismo dialogam sobretudo com Nina Rodrigues, a sua obra vai-se progressivamente abrindo para outros antropólogos brasileiros ativos nos anos 1930 e 1940, com destaque para Octávio Eduardo e Nunes Pereira, que se revelarão decisivos para alguns dos argumentos propostos em Les religions africaines au Brésil e Les Amériques noires. É neste último livro que se torna também mais evidente o conhecimento que Bastide tem da bibliografia de autores não brasileiros que se debruçaram sobre as religiões e culturas afro-americanas. Do ponto de vista teórico, se é constante a sua fidelidade à sociologia e à antropologia francesas, esta desdobra-se em dois grandes momentos. Até Les religions africaines au Brésil, são os clássicos da Escola Sociológica Francesa - Lévy-Bruhl, Mauss, Durkheim - os que se fazem mais presentes na sua reflexão. A partir de 1960, são outros os autores convocados, com destaque para Halbwachs, mas sobretudo para autores seus contemporâneos, como Griaule, Balandier ou Lévi-Strauss. Quanto a Herskovits, a sua importância é grande em Les religions africaines au Brésil, mas é menos vincada em publicações posteriores, até porque, na década de 1960, o antropólogo norte-americano, que tanto escrevera sobre religiões e culturas afro-americanas, desloca os seus interesses de pesquisa para outras áreas.

Acompanhando essas deslocações de interlocutores, há outras mais substantivas na reflexão de Bastide sobre o sincretismo. A primeira prende-se com a ampliação da base empírica a partir da qual Bastide opera: de um foco inicial no candomblé da Bahia (em particular nos terreiros mais “tradicionais”), o antropólogo e sociólogo francês passa para uma visão de conjunto das religiões afro-brasileiras e, mais tarde, de outras religiões afro-americanas. Esta ampliação, ao confrontar Bastide com uma paisagem sincrética mais diversificada, permite-lhe não apenas alargar o seu catálogo das diferentes modalidades do sincretismo afro-católico, mas também incluir na sua tematização diferentes modalidades de sincretismo afro-indígena.

A segunda deslocação que é possível surpreender no pensamento de Bastide decorre do modo como, tendo-se centrado inicialmente no princípio do corte como quadro conceptual preferencial para a análise do sincretismo, a sua reflexão vai sucessivamente incorporando novas preocupações tipológicas e conceptuais. Entre elas, conta-se, em primeiro lugar, a identificação dos principais planos do sincretismo (espacial, ritual, representações coletivas). Avulta, em segundo lugar, a sua argumentação das compatibilidades entre catolicismo e religiões africanas. Inclui, em terceiro lugar, a adoção do princípio das intensidades variáveis do sincretismo, acompanhado da explicitação das razões para a sua distribuição desigual. E compreende, finalmente, um trabalho de constante inovação conceitual, que começando no princípio do corte o irá conduzir à distinção entre aculturação material e aculturação formal. É na mesma linha de inovação conceitual que se inscrevem - na fase tardia da obra de Bastide - conceitos como o de sincretismo em mosaico, a distinção entre estruturas irradiantes e estruturas lineares, ou, ainda, a sua caracterização do trabalho do sincretismo à luz do conceito lévistraussiano de “bricolagem”.

Este duplo trabalho - de ampliação da base empírica do sincretismo e de inovação tipológica e conceptual - é acompanhado de um conjunto de outras deslocações na reflexão de Bastide, relacionadas sobretudo com a contraposição entre os dois desfechos possíveis para o sincretismo: a coexistência com separação e/ou a fusão. Formulada inicialmente sob o signo do princípio do corte - montado com recurso a Lévy-Bruhl e a Durkheim e Mauss - a coexistência com separação - embora já sem referências explícitas ao princípio do corte - continuará a ser uma constante na abordagem de Bastide ao sincretismo, que insistirá repetidamente na separação entre santos e orixás. Mas, enquanto na sua formulação inicial, o relevo dado à separação era acompanhado de um olhar desqualificador sobre a fusão, com o tempo - em particular na fase tardia da sua obra - parece haver uma desadjetivação da fusão. Não é que não se note que Bastide continua a preferir a separação - capaz de garantir de forma mais efetiva a herança africana - mas não só reconhece a fusão como desfecho possível para as equivalências entre santos e orixás, como o faz no modo da constatação e não da condenação. Se inicialmente, a contraposição entre separação e fusão recortava uma distinção entre bom e mau sincretismo (Capone 2007CAPONE, Stefania. (2007), “Transatlantic Dialogue: Roger Bastide and the African American Religions”. Journal of Religion in Africa, vol. 37, nº 3: 1-35.), é essa distinção que se enfraquece na fase tardia da sua obra. É de resto uma deslocação similar que podemos detectar na sua abordagem do sincretismo afro-indígena. Também aí, é possível surpreender um processo de desadjetivação que o conduzirá a uma tematização menos crispada ao tema.

Nesse sentido, pode dizer-se que, embora subjetivamente animada pela prioridade atribuída a África, a reflexão de Bastide acabará objetivamente por reconhecer a importância do sincretismo - incluindo o sincretismo por fusão - nos processos de transformação de África nas Américas. Até porque, mesmo que esses processos fossem muito profundos, a distinção entre aculturação material e aculturação formal garantiria sempre a Bastide que o essencial - os sistemas de valores africanos - se manteria intacto.

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  • 1
    Agradeço aos/às pareceristas deste artigo os seus comentários e sugestões que muito ajudaram a melhorar os meus argumentos. Agradeço a Lucas Bártolo a revisão atenta do artigo. Todas as traduções de passagens de livros e artigos de Roger Bastide originalmente escritos em francês são de minha autoria.
  • 2
    Fetiches e fetichismo são expressões recorrentes nos escritos iniciais de Bastide sobre as religiões de matriz africana no Brasil. Mais tarde, atento à carga negativa associada a estes termos, Bastide vai deixar de os usar.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2023
  • Data do Fascículo
    Jun-Sep 2023

Histórico

  • Recebido
    14 Jul 2022
  • Aceito
    19 Jun 2023
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